Sônia Guajajara: “Confronto político com Ricardo Salles na Câmara será inevitável”
Da infância à universidade no Maranhão, a trajetória de vida da deputada eleita até o Congresso foi longa e ensinou tudo que ela representa
O nome de Sônia Guajajara chegou ao mainstream em 2018, quando compôs a chapa de Guilherme Boulos (PSOL) para a eleição à presidência. Uma mulher indígena, militante, politizada, poderia assumir a vice-presidência de um país cujos ocupantes originais, um dia, foram seus parentes. Antes disso, no entanto, Sônia já batalhava havia anos na militância política.
Boulos ganhou evidência naquela campanha, mas não chegou perto de ser eleito. Nos quatro anos seguintes, o paulistano e sua companheira de partido intensificaram as articulações políticas para que, em 2022, ambos chegassem à Câmara dos Deputados. Sônia Guajajara, eleita deputada federal por São Paulo, num feito histórico foi, vai compor junto de Célia Xakriabá (PSOL) e Juliana Cardoso (PT) a bancada do Cocar.
As três não serão, no entanto, as únicas mulheres indígenas na Câmara dos Deputados. A amapaense Silvia Waiãpi (PL) também foi eleita –só que na contramão do que acredita Sônia. Silvia é bolsonarista e, segundo Guajajara, “não defende o meio-ambiente nem os direitos indígenas”.
“Ela vai ficar do outro lado, vai compor bancada com o [ex-ministro do meio-ambiente Ricardo] Salles; a eleição dele, aliás, foi totalmente desnecessária. Salles é uma figura desnecessária na pauta ambiental, uma verdadeira tragédia para o meio-ambiente. Deveria estar longe”, diz Sonia, em entrevista exclusiva ao Terra NÓS.
A deputada eleita considera, ainda, que será inevitável um confronto político entre ela e o ex-ministro. “Estamos em lados totalmente opostos. Ele vai ser uma voz forte para legalizar a destruição, autorizar toda a exploração desenfreada. Que bom que estamos ali para tentar inviabilizar o que ele quer fazer para destruir o meio-ambiente”.
Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o desmatamento na Amazônia no primeiro semestre deste ano foi o pior entre os últimos 15 anos. A primeira missão de Sônia, ao iniciar o mandato, é tentar brecar os projetos de lei que tramitam no Congresso e “visam retroceder direitos indígenas e flexibilizar a exploração ambiental”.
Fluxo da vida
A política não era exatamente o sonho de Sônia Guajajara quando, aos dez anos, deixou o povoado em que morava, a Terra Indígena Arariboia (Maranhão), para estudar. Só que, ela conta, o fluxo da vida lhe foi encaminhando até a militância, e foi nela que Sônia compreendeu que suas ações seriam muito mais eficazes dentro do Congresso. Os pais, analfabetos, sempre incentivaram que a menina tivesse um futuro diferente do deles.
Desde menina, Sônia era uma líder nata; trabalhava na roça com os pais, plantava e colhia, mas gostava mesmo era de dizer o que pensava na sala de aula, na rua e entre os amigos. A escola do povoado em que morava chegava até o Ensino Fundamental I –por isso, ela precisou buscar novos rumos em Grajaú, município vizinho. Lá, morou com primos, tios, numa espécie de força conjunta da família para que as crianças do povoado conseguissem terminar os estudos.
Aos 12 anos, Sônia começou a trabalhar como empregada doméstica na casa de uma família em Amarante do Maranhão. Em troca, ganhava casa, comida e a possibilidade de estudar. “Era um apoio mínimo que eu ganhava para me manter”.
A rotina perdurou por três anos, e só cessou quando a menina se mudou para Minas Gerais para cursar o Ensino Médio em um colégio interno. Durante todo esse vai-vem, Sônia Guajajara arranjava um tempo para voltar para casa –hoje, diz que o que mais faz falta na vida política é o tempo para ficar com os pais.
Todo esse processo, Guajajara afirma, foi apoiado pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Depois de se formar no Ensino Médio, ela voltou a trabalhar na aldeia em que cresceu, como monitora de saúde. Então, saiu de casa de novo para cursar Letras e Enfermagem na Universidade Estadual do Maranhão. Viveu, por todo o tempo, com um pé na cidade e um pé na aldeia.
Sônia foi eleita parte da coordenação executiva do movimento indígena do estado do Maranhão. Foi quando começou o contato com a política, que parece não mais ter fim. Assumiu, então, a coordenação executiva da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), época em que ganhou projeção internacional como destaque na ONU.
Os pais, ainda analfabetos, se rasgam de orgulho. “Eles não têm dimensão do que é essa eleição, do que representa, mas estão muito felizes. Só que estão com saudade. Nunca fiquei tanto tempo assim longe de casa, mas agora eles virão me visitar. Da última vez que estiveram em São Paulo, passaram muito frio. Faz parte. Estão orgulhosos, curtiram toda a campanha. Eles sabem que estou representando tudo o que me ensinaram.”