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Startup social ajuda grupos minorizados a dar match com vagas de trabalho

Carambola, criada por transgênero, coleciona clientes como Microsoft, Ambev e Itaú; emprego já chegou a 97% dos inscritos na startup, que prevê faturar R$ 6 milhões neste ano

4 abr 2022 - 05h12
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A história do paulistano Gustavo Glasser, de 39 anos, bem que poderia ter sua trilha com os versos da canção do grupo Skank: 'Dois lados deram as mãos'. Fundador da startup Carambola, ele já conectou mais de 280 pessoas (a maioria em situação de vulnerabilidade social) a grandes empresas, como Microsoft, Itaú e Ambev, gerando oportunidade de renda e levando diversidade e inclusão ao ambiente corporativo.

"Acho que passei boa parte da minha vida entre dois mundos, observando realidades totalmente diferentes. Essa discrepância me incomodava muito", reflete ele, homem transgênero (que se identifica com o sexo oposto ao que lhe foi atribuído no nascimento), criado no bairro do Grajaú, na periferia de São Paulo. Após enfrentar barreiras e preconceitos, entendeu que a tecnologia seria uma alavanca para a ascensão social.

Embora tenha sido criada como uma empresa de software e educação, a Carambola, que também tem como sócio Renato Prado, foi se adaptando conforme as demandas do mercado e hoje é uma plataforma que faz gestão de inclusão nas companhias e ajuda a transformar a cultura empresarial por meio do "match" entre pessoas em busca de emprego, principalmente as de baixa renda e minorias, e as organizações.

"Auxiliamos empresas a saberem quais são seus pontos de barreira de inclusão e diversidade por meio de ferramentas de gestão, como análises, indicadores e políticas de avaliação de funcionários. A ideia é reduzir os vieses e permitir a entrada de novos colaboradores, vencendo os desafios do trabalho do futuro", explica o executivo de tecnologia.

Gustavo Glasser, fundador da startup Carambola, que auxilia na gestão da diversidade e da inclusão nas empresas.
Gustavo Glasser, fundador da startup Carambola, que auxilia na gestão da diversidade e da inclusão nas empresas.
Foto: Felipe Rau/Estadão / Estadão

Na prática, candidatos inscritos na startup são submetidos a um algoritmo que faz a conexão de suas habilidades e perfil às oportunidades e à necessidade das companhias. Durante o processo, os selecionados são divididos em trios de acordo com as hard skills (conhecimentos técnicos), soft skills (habilidades emocionais) e características de diversidades. Eles desenvolvem trilhas de projetos alocadas em uma plataforma adaptativa de ensino.

As empresas interessadas pagam pelo uso da plataforma digital, bem como por um salário mensal de R$ 2.500, para cada selecionado, desde o primeiro momento. Além de fazer o match entre candidatos e organizações, a startup acompanha o crescimento do profissional e do time por quatro meses. Após o período, as empresas continuam usando os dados e as análises para trazer novos colaboradores.

Atualmente, a taxa de empregabilidade da Carambola é de 97% dos candidatos, que passam a ganhar salários entre R$ 4.700 e R$ 6.800, sendo que 80% tinham antes uma média familiar abaixo de dois salários mínimos. Mais de 10 empresas já contrataram novos colaboradores por meio da startup, que diz ter faturado R$ 4 milhões em 2021. A expectativa é que esse valor aumente organicamente para ao menos R$ 6 milhões neste ano.

Em 2019, o negócio recebeu aporte de R$ 1,7 milhão a partir de investidores-anjo, no mesmo ano em que foi acelerado pela Estação Hack, conduzida pelo Facebook em parceria com a Artemisia. O programa foi criado para apoiar o desenvolvimento de negócios inovadores que promovem transformações positivas na sociedade.

Maure Pessanha, presidente do Conselho da Artemisia e colaboradora do Estadão, vê potência no negócio em seu propósito social. "Gustavo Glasser integra uma nova geração de empreendedores de impacto social que transforma a experiência pessoal em propósito e potência para gerar mudanças significativas na sociedade."

Transformação pessoal e profissional

Gustavo (antes Juliana, seu nome de batismo) teve uma adolescência conturbada e partiu das experiências pessoais para idealizar a startup. Além de enfrentar depressão, foi abandonado pelos pais aos 18 anos, quando descobriram sua transexualidade. Na ocasião, havia finalizado curso técnico de eletrônica na Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, mas teve que recorrer a bicos para ter o que comer.

"Fiquei em choque, porque, se meus pais tiveram essa reação, imaginava a de outras pessoas. Hoje tenho clareza dessa violência emocional", diz Glasser, que teve dificuldades para conseguir emprego na área de tecnologia. "O mercado era extremamente machista e eu ainda não tinha feito a transição. Precisei me virar."

Ele então fez um curso, enfrentou perrengues e, depois de um tempo, foi contratado como estagiário do Centro de Inovação da Microsoft. Viu seu salário aumentar de R$ 90 por semana para R$ 1.300 por mês. A partir daí, cursou Sistemas de Informações, no Senac, foi trabalhar em banco e ascendeu na profissão.

É nessa época que percebe melhor as diferentes realidades entre o seu universo do trabalho e o local em que foi criado. "Existem códigos sociais que podem dificultar ou acelerar o crescimento profissional. O jeito de segurar o talher, por exemplo, diz muito sobre se a pessoa pertence àquele lugar", conta. "Decidi fazer um negócio que não funcionasse dessa forma".

'Educar os educados'

Cerca de 2 mil pessoas, entre alunos e gestores, estão cadastradas na plataforma da Carambola. A ideia é que esse número chegue a 30 mil até o fim do ano e, para alcançar essa escala, a startup pretende captar de forma privada R$ 5 milhões neste ano.

O maior desafio do trabalho, de acordo com Glasser, é educar quem está dentro das organizações. Na visão do especialista, as empresas estão acostumadas a contratar o mesmo perfil profissional, alçando pessoas com deficiências socioculturais a cargos de liderança.

"É fácil formar um grupo de pessoas pretas, por exemplo. Vários já alcançaram a régua técnica e ainda assim não foram contratados. É justo explicar a regra do jogo para os dois lados e achar uma linguagem comum. Foi quando percebemos que precisávamos educar os educados."

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Estadão
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