Sucesso na mídia, Supercopa Feminina gera prejuízo a clubes
Equipes chegaram a ter mais de R$ 30 mil de déficit com participação no torneio
A Supercopa Feminina foi um sucesso na mídia. Não há como negar. Consolidando o futebol feminino na TV aberta, com transmissão da Globo, as partidas alcançaram números expressivos. Ao todo, 46 milhões de brasileiros assistiram ao torneio, segundo dados da Kantar IBOPE Media. No entanto, os louros do marketing não impediram que os times tivessem prejuízo financeiro.
O Papo de Mina apurou, em contato com sete dos oito clubes integrantes da competição, que quatro deles tiveram déficit nos cofres ao participar. Flamengo, Esmac, Internacional e Grêmio foram os clubes que se manifestaram.
Inclusive, o vice-campeão, Grêmio, precisou desembolsar mais de R$ 35 mil durante as três fases do campeonato (quartas, semifinal e final).
“Não adianta ter um campeonato que não te dá premiação ou uma vaga na Libertadores, por exemplo. Se a gente não ganhar nada, e só tiver despesa, então não precisa ter um campeonato”, disse Yura, diretor de futebol feminino do Tricolor Gaúcho, em entrevista à coluna.
“Além do dinheiro, tivemos outro prejuízo muito grande com lesões, que vão atrapalhar no começo do Brasileirão.”
A reclamação do Grêmio é similar à da Esmac, sediada em Ananindeua, no Pará, que leva o nome da faculdade fundadora do time. Além do desgastante deslocamento para enfrentar o Flamengo, nas quartas de final, no Estádio Luso-Brasileiro (RJ), as finanças foram afetadas.
“Foram aproximadamente R$ 11 mil de despesas nesta viagem. É um valor muito alto para nós. Todo fim de mês, a gente faz das tripas coração para cumprir a nossa folha de pagamento com as atletas. Todas são contratadas no regime CLT, têm bolsa de estudos e todo suporte”, desabafou o presidente do clube, Ivanildo Cardoso.
“A gente faz tudo isso pela paixão ao esporte, mas sem apoio fica cada vez mais difícil. Como a gente vai desenvolver a modalidade desse jeito?.”
Para ajudar a custear as viagens, logística e abertura de estádios, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) tem uma política acordada com as equipes. Para jogos fora de casa, a entidade disponibiliza 25 passagens aéreas, duas diárias de hospedagem para o staff e R$ 5 mil para outros gastos. Para os mandantes, o valor é de R$ 10 mil.
Entretanto, um dos pedidos feitos pela CBF, para a realização das partidas da Supercopa, era de contar com estádios estruturados para receber o VAR. Por conta da solicitação, o Internacional decidiu sediar o jogo contra o Real Brasília no Beira-Rio.
Para abrir os portões do estádio, o Colorado desembolsou mais de R$ 50 mil. Porém, nenhum confronto do torneio contou com o árbitro de vídeo.
“Esse foi um esforço muito grande que o Internacional fez, ainda mais após um cenário tão complexo de uma pandemia, com a dificuldade financeira que os clubes estão passando. Nesse caso, fizemos esse esforço, mas não tivemos a arbitragem à altura do espetáculo”, disse Leonardo Menezes, gerente do futebol feminino.
“O Beira-Rio tem todas as condições de receber o VAR, mas acabou não recebendo. Então, é complicado. Ainda é difícil para o futebol feminino lotar estádio, ter lucro então… Essa é uma realidade que a gente enfrenta”, acrescentou.
O público presente no Beira-Rio foi de 1.627 torcedores, sendo que 479 não eram pagantes. Os ingressos, vendidos a R$10, somaram uma renda de R$ 10.960, insuficiente para cobrir os gastos do clube.
O Flamengo também custeou a abertura do Luso-Brasileiro nos dois eventos, mas não quis comentar valores, apesar de ressaltar que houve déficit.
A única equipe que conseguiu ter um saldo positivo nos cofres foi o Corinthians, dono da taça. Na final, diante do Grêmio, 19.547 torcedores estavam nas arquibancadas da Neo Química Arena. A renda foi de mais de R$ 400 mil.
Apesar da conquista, Cris Gambaré, diretora do futebol feminino do Timão, comentou que houve falta de planejamento da CBF para a competição.
“Quanto à Supercopa, um torneio curto e importante, o Corinthians trabalhou muito nos bastidores por essas questões de valores. É um campeonato muito importante, desde que seja planejado. Precisa ver onde vão acontecer os jogos, qual será o tempo de recuperação das atletas, as viagens”, disse.
Premiação
A Supercopa Feminina não teve qualquer tipo de premiação, em espécie ou benefícios, ao contrário da edição masculina, que aconteceu na semana seguinte, com final realizada no dia 20 de fevereiro.
O prêmio para o campeão, o Atlético-MG, foi de R$5 milhões e, para o vice, Flamengo, de R$2 milhões. Além dos valores em dinheiro, o craque da competição, Hulk, ganhou um carro da marca Kia, avaliado em R$150 mil.
O fato gerou descontentamento de algumas atletas, principalmente do Corinthians, que conquistaram a taça da Supercopa Feminina. Gabi Zanotti, craque da competição, falou sobre o assunto no dia seguinte à final.
“Na Supercopa não teve premiação. A premiação foram 50 medalhas e um troféu. É preciso apoiar de uma maneira diferente, é preciso pensar em premiação. Não ter nenhuma premiação para o futebol feminino em 2022 é inadmissível“, disse a meio-campista em entrevista ao “Bem Amigos”, do Sportv.
👀
Expectativa 🚘
Realidade 🏆🥇
HAHAHAHAHA
— Gabi Zanotti (@gabizanottid) February 20, 2022
Saindo em defesa do grupo, após o descontentamento das jogadoras, Cris Gambaré, criticou a falta de premiação.
“É lógico que é importantíssimo ter uma premiação. É para o clube e para as atletas. Porque quando você valoriza financeiramente, você diz que não é só [jogar] por amor. Agora eu sou um produto e estou sendo remunerada por isso”, disparou em live. (assista abaixo)
Não há um posicionamento oficial da CBF sobre o assunto.
Direitos de transmissão
Outro ponto abordado pelos clubes foi a ausência de repasse dos direitos de transmissão. Todas as partidas foram televisionadas pelo Grupo Globo, no Sportv e na rede aberta.
Os dirigentes ouvidos pela reportagem alegam ter assinado um termo de adesão da competição, com cláusula que diz respeito aos direitos de imagem, que seriam 100% revertidos para a estrutura geral do torneio.
Segundo as fontes, não há transparência a respeito dos valores acordados pela CBF com as detentoras dos direitos de transmissão. A CBF não divulga qualquer informação financeira a respeito desses contratos.
“É preciso transparência. O Corinthians saiu com um saldo positivo, mas porque trabalhamos nos bastidores. Tivemos três patrocínios pontuais nos três jogos e a renda da venda de ingressos”, afirmou Cris Gambaré.
“Se nós dependêssemos de um valor de transmissão, um subsídio [financeiro], nós não íamos conseguir. Eu ia trazer o jogo para a Fazendinha, para fazer o nosso momento, porque eu não consigo gastar a mais do que eu já gasto. Não tem como.”
Das equipes procuradas pela coluna, o Cruzeiro foi a única que não quis se manifestar sobre o assunto.
Procurada pelo Papo de Mina, a entidade máxima do futebol brasileiro não emitiu um posicionamento oficial até o fechamento desta reportagem.