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"Talvez eu nem pudesse estar mais viva pelas coisas que eu vivi", diz Erika Hilton

Primeira deputada federal trans por São Paulo, Erika Hilton entrou para a política após ver a desumanidade de perto com o seu corpo

25 jan 2024 - 12h49
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"Sou uma garota travesti, jovem, que viveu uma centena de violências em um mundo que não nos quer viva", disse Erika Hilton
"Sou uma garota travesti, jovem, que viveu uma centena de violências em um mundo que não nos quer viva", disse Erika Hilton
Foto: Reprodução

A deputada federal Erika Hilton, de 31 anos, foi a convidada do programa "Cartas Para Pepita", transmitido pelo Terra na última quarta-feira, 24. Erika é a primeira mulher trans a ocupar o cargo de deputada federal por São Paulo e também atua como ativista e modelo.

"Vi a desumanidade de perto", conta Erika Hilton:

No entanto, sempre que perguntam a ela "quem é Erika Hilton", nunca tem uma resposta pronta. "Eu já deveria ter uma resposta pronta, porque me perguntam sempre, mas eu sempre fico buscando respostas dentro de mim. A gente muda o tempo inteiro, talvez eu responda uma coisa para você que daqui a dez dias, um ano, eu vá responder outra coisa para outras pessoas", começou.

Por isso, ela sempre começa falando do seu signo e orixá. "Eu sou de Iansã, sagitariana, que eu acho que são características que me compõem enquanto figura. Essa minha expansão, minha energia, loucura. Sou bem louca e acho que tem a ver um pouco com essa ligação cósmica", contou.

"Sou uma garota travesti, jovem, que viveu uma centena de violências em um mundo que não nos quer viva e não nos quer tendo direitos, mas que conseguiu, pelas oportunidades que a vida lhe apresentou, submerger esses enfrentamentos e chegar na política nacional, colocando um projeto de emancipação, direito e vida para a minha comunidade. E eu acho que sou essa garota", afirmou ela.

E se Erika Hilton não fosse quem é hoje?

Pensando em onde poderia estar se não fosse quem é hoje, Erika visualizou como poderia ser a sua vida. "A gente tem muitas vertentes. Talvez eu nem pudesse estar mais viva pelas coisas que eu vivi, mas, se eu tivesse tido a oportunidade de escolher caminhos diferentes, talvez tivesse ido para o mundo das artes, da moda, que são universos que eu gosto e hoje tenho conseguido conciliar um pouco essas agendas", refletiu.

No ano passado, Erika Hilton desfilou no São Paulo Fashion Week e, após a repercussão da sua participação no evento, pessoas usaram as redes sociais para falar que a deputada não deveria estar naquele lugar.

"Me posicionei pela importância de continuar afirmando que, primeiro, a gente tem que sair desse lugar de que o político morre na política. A política não é o fim, ela é um meio. A gente tem que ser, estar em outros lugares. O segundo ponto é o meu corpo travesti, negro, vindo dos lugares de onde veio, não vai ser pautado por ninguém", afirmou.

Ela faz seu trabalho com compromisso, responsabilidade, ética e o decoro parlamentar que o seu cargo exige, explica, e, em momentos de lazer, gosta de ir a shows, estar em passarelas e, também, bares. "Eu vou para onde eu quiser, porque eu ainda seguirei sendo um ser humano antes de ser política", disse.

Para a imprensa que compareceu ao SPFW, Erika ressaltou que a moda é um ato político. No programa "Cartas Para Pepita", ela adicionou um outro ponto nessa sua fala. "Moda é uma coisa que eu gosto e eu não faço só política. Eu faço coisas que eu gosto, que eu tenho prazer, e a gente precisa naturalizar o prazer e as coisas que a gente gosta. Eu seguirei fazendo coisas que eu gosto, sejam elas políticas ou não políticas".

Ainda falando sobre moda, Erika contou que já se imaginou tendo uma coleção de roupas. "Eu já pensei, inclusive, em assinar uma coleção de roupas com um coletivo de meninas em situação de vulnerabilidade social que trabalham com costura. É um coletivo que eu já ajudo há alguns anos", disse ela sobre o coletivo Tem Sentimento.

Política

Na política, Erika contou que tudo é difícil, mas que já conseguiram avanços importantes. "A gente vai na política, hoje, trabalhando meio que nas laterais. Não dá para a gente chegar lá e achar que vai pautar a centralidade da discussão e começar pela raiz do problema. A gente tem que ir mitigando os danos, pensando em outros caminhos para chegar aonde a gente quer", explicou. "O trabalho de formiguinha, o trabalho pelas beiradas, aos poucos. Nós não vamos fazer revolução da noite para o dia", completou.

Questionada sobre o motivo que a fez entrar na política, Erika revelou que não queria entrar para a política e que o fez apenas por necessidade. "Eu entrei na política pela minha história. Eu sou uma travesti que foi expulsa de casa, jovem demais, vivi da prostituição para sobreviver como a maioria das mulheres iguais a mim. Dormi na rua, vi a precariedade, a desumanidade de perto com o meu corpo. E quando eu comecei a me dar conta de tudo isso, a partir de uma visão política, eu entendi que era necessário que o meu corpo e que vozes como a minha se levantassem para defender dos direitos da minha comunidade", contou.

"Todo processo de violência e desumanização do corpo [trans] não é orgânico, é um projeto de aniquilação, um projeto de morte. E só nós somos capazes de destruir esse projeto porque a gente fala em primeira pessoa, a gente fala do nosso lugar", defendeu.

Após esse processo, Erika saiu das ruas e voltou para a sua casa, onde foi acolhida pela mãe. Ela teve a oportunidade de seguir uma jornada diferente e, então, entrou para a universidade, lugar em que começou a militar no movimento estudantil. "A militância, o movimento social, as bases são extremamente necessárias e importantes para as transformações da sociedade", disse ela.

Atualmente, muitos vídeos e falas políticas de Erika Hilton ganham repercussão nas redes sociais, e ela se sente bem com isso. "Eu acho que a política precisa disso. A política precisa estar no meme, no viral. A política precisa se conectar com as pessoas de verdade. Isso é política. Dessa maneira você vai se conectando com o avanço que é o mundo hoje. Isso faz a política ser algo novo, diferente", explicou.

A deputada também gosta muito das paradas LGBTQIA+, mas elas precisam resgatar um ponto importante, segundo Erika. "Ela precisa resgatar o senso político dela e a importância de que toda a comunidade precisa. Eu acho que a parada é um movimento de fervo, de celebração, de alegria. Mas ela também tem que ter um viés político. As pessoas precisam lembrar que aquilo ali é um lugar de representar uma pauta, uma demanda, e que toda a comunidade LGBTQIAP+ precisa existir", disse.

Perguntas

Erika Hilton ainda respondeu perguntas de pessoas entrevistadas pelas ruas de São Paulo. Ela consegue continuar plena em meio a tanta pressão por, justamente, viver e lidar com as pressões, explica. "Eu enfrento as crises, mas quando eu desligo, eu volto para o meu ambiente. Eu volto para mim", respondeu. Ela tenta se reconectar com ela mesma fazendo o seu skincare e exercícios físicos.

Sobre manter a autoestima e a confiança diante das dificuldades do cotidiano, Erika consegue fazer isso se encorajando. "Sou a única pessoa que pode, em primeiro lugar, me botar para cima. Todo mundo e o mundo querem me pôr para baixo o tempo inteiro. Quando eu me ponho para cima, é um ato revolucionário, surpreendo as expectativas negativas sobre mim", afirmou ela, que não tolera mau caratismo e pessoas fofoqueiras.

Desde que se tornou deputada federal, recebe muitos comentários de ódio nas redes sociais. "Mas, depois que eu comecei a processar e quebrar sigilo de contas na internet, deu uma diminuída. Era um nível pesado", contou.

Presidente do Brasil

Erika vê muitas postagens de pessoas dizendo que ela poderia ocupar o cargo de presidente do Brasil, algo que toparia se tivesse a oportunidade. "Mas o povo também precisa aprender a votar em um congresso melhor. As pessoas se preocupam muito com as eleições e as campanhas majoritárias, e esquecem da importância dos deputados federais e senadores para um bom governo acontecer", lembrou.

"Independente de se eu serei ou não a presidente desse país, o que mais me orgulha e me alegra é ver a minha comunidade sonhando. O sonho é um direito que muitas vezes é negado a nós. A gente não consegue sonhar porque a gente se vê em situações tão desumanas e quando eu começo a ouvir adolescentes, jovens, velhos, acreditando que a gente pode ser muito mais do que um recorte de pessimismo, ocupar um cargo importante como Presidência da República, como uma travesti negra, isso para mim é o que fica", disse.

A deputada federal ainda mandou um recado para todas as meninas que, assim como ela, também têm um sonho. "Abrace as oportunidades. Primeiro, sigam firme acreditando e não desistindo, porque às vezes quando a gente está engolida pela dor, a gente desacredita da gente e do mundo, e acha que aquilo é o fim e nem sempre aquilo é o fim. A gente pode encontrar uma luz no fim do túnel", finalizou Erika Hilton.

Fonte: Redação Nós
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