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Tatuador negro se especializa em pele preta após ouvir comentário preconceituoso: "Pareceria sujeira"

Fábio Lopes entendeu que precisava mudar essa situação e, hoje, leva seu trabalho para vários locais do Brasil

25 jan 2024 - 05h00
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Especialista em tatuar peles negras, Fábio está sempre estudando sobre a arte e a ancestralidade
Especialista em tatuar peles negras, Fábio está sempre estudando sobre a arte e a ancestralidade
Foto: Reprodução: Instagram/fabiolopes_ttt

Nascido e criado na comunidade de Peixinhos, em Olinda (PE), as primeiras lembranças de Fábio Lopes, de 27 anos, envolvendo desenho são de quando tinha cerca de quatro anos, quando ele mesmo fazia personagens e figuras. No entanto, ao longo dos anos seguintes, o jovem não teve a oportunidade de melhorar suas técnicas já que priorizava trabalhar para ajudar em casa. “Há 3 anos, no período da pandemia, fomos obrigados a parar, aí decidi aflorar e explorar algo que sempre quis. Foi assim que comecei a tatuar”, explica Fábio.

“Como há algum tempo já estava em um processo de letramento racial e politização muito forte, me entendendo como homem negro de pele clara e vendo todas as dificuldades que pessoas negras têm em encontrar um trabalho de qualidade pensado para o seu corpo e para suas necessidades, decidi me especializar em tatuagem em pele negra”, continuou.

O momento em que percebeu que queria ser tatuador surgiu de um comentário preconceituoso. “Escutei de um familiar que não deveria me tatuar porque pareceria uma sujeira. Aquilo me fez entender que precisava mudar isso”, disse.

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Com mais de 100 mil seguidores no Instagram, o jovem se destaca divulgando tatuagens e significados. “Decidi por as caras nas redes sociais e me tornar comunicador e semear ainda mais sobre as urgências da tatuagem em pele preta. Hoje, viajo alguns estados do Brasil tatuando corpos pretos e trazendo autoestima através da arte estampada em seus corpos. Tatuagens que falam sobre sua ancestralidade e sobre o processo de negritude”, contou. Fabio tatua peles negras em diversos lugares do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Brasília.

Estudo

Estudando para aperfeiçoar seu trabalho, Fábio buscou compreender mais sobre as técnicas de tatuagem e inspirações. “Eu entendi que tatuar pele preta era muito sobre contraste, muito sobre os espaços vazios e como a gente pode deixar o trabalho mais atraente e legível, então procurei muito artistas que trabalham com alto-contraste e muitas de minhas referências e inspirações foram amigos e pessoas próximas como o Bruno Oliveira, a Beatriz Medeiros, Dell Nascimento e, no alto constraste, o Guga Scharf”, compartilhou.

Para o jovem, poder colaborar com os clientes para transformar suas ideias em tatuagens personalizadas é uma das melhores partes de seu trabalho. “É poder sintetizar algo que vem de uma forma tão abstrata e transformar em algo objetivo e de bastante significado para corpos negros. Pessoas negras são afastadas da tatuagem de forma sistemática há anos. Muitos dos meus clientes nunca se viram tatuados até encontrar meu trabalho. Poder condensar e fazer algo que seja a união do meu estilo com algo que eles amam e possam sentir orgulho do que carregam na pele é mágico”, relatou.

A arte do desenho e da tatuagem não são as únicas formas de expressão artística que influenciam o trabalho de Fábio. Ele explica que o rap ajudou em sua construção como artista: "[Meu trabalho] É pensar na construção de algo 'pequeno' que carregue grandes significados, assim como o rap que em uma frase curta consegue carregar um livro”, disse.

Tom de pele

Lopes procura sempre trabalhar com o contraste pensado para cada tom de pele. Ele explica que a negritude no Brasil é diversa e de diferentes tons de pele. A tatuagem no corpo de uma pessoa negra de pele clara não funcionaria em um corpo retinto. Além disso, é fundamental olhar para o passado, para as origens ao personalizar uma tatuagem para pessoas negras. 

“Meus projetos são pensados para cada cliente, visando otimizar a leitura dele e sempre fazendo o movimento de Sankofa, olhando para trás, para as tatuagens de povos originários, antepassados negros e indígenas e vendo como as tatuagens eram expressivas e volumosas. Sempre procuro trazer isso para o meu trabalho hoje”, completou.

Desafios

Sobre os desafios e preconceitos presentes na área da tatuagem, Fábio é categórico: “A tatuagem é um ambiente muito racista e que expressa seu racismo de forma direta com discursos de que tatuagem não funciona em pele negra, e de forma estrutural “velada” quando os tatuadores se recusam a postar fotos de tatuagens feitas em pele negra”.

“Quando dizem que a foto não ficou boa porque estava refletindo muito, quando os materiais de tatuagens não são pensados para pele preta, as convenções de tatuagens não permitem uma pessoa tatuar pele preta retinta em uma categoria que não seja 'tatuagem em pele negra'. Isso tudo me fez entender que não posso me alinhar a essas pessoas e não posso ser inocente achando que irei mudá-las”, completou.

Fonte: Redação Nós
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