Técnica manteve feminino do Atlético-AC com próprio salário
Segundo Neila Rosas, funcionária pública e treinadora, presidente do Atlético Acreano não repassava ajuda de custo da CBF para a equipe
Em 2021, a treinadora Neila Rosas e sua auxiliar técnica, Guê, deixaram o Atlético Acreano, clube tradicional do estado nortista, após acusarem uma série de descasos com o futebol feminino. Elas alegam que, desde 2016, quando o presidente Elison Azevedo assumiu o comando do time, não tiveram qualquer apoio para sustentar a modalidade, sendo 100% responsáveis pelos gastos da equipe feminina e tendo que tirar dinheiro do próprio bolso. O dirigente nega qualquer descaso.
“No aeroporto, as meninas não iam esperar 24h para se alimentar depois de uma viagem. Elas vão esperar da gente. Então, a Neila não ia falar: ‘Olha, eu não tenho dinheiro’. E dava o jeito dela. Não pagava cartão e nem o carro para cobrir, muitas vezes, o buraco que ele deixava”, revelou Guê, em entrevista ao Papo de Mina.
As técnicas contaram à coluna que a questão financeira preocupava mais durante as viagens do Brasileirão A2. Ao saírem do estado para jogar, muitas vezes sem dinheiro no banco, a necessidade falava mais alto, principalmente para alimentar as atletas durante o translado ou para comprar medicamentos.
“Antes das viagens, a gente ficava sem conseguir dormir, sabe? Não conseguia pegar no sono de jeito nenhum, pensando se algo iria acontecer e se teríamos que gastar um dinheiro que não tínhamos. Além disso, todo dia era uma luta para saber como as meninas iam treinar, porque quem pagava o vale transporte era a gente”, desabafou Neila, que trabalha como funcionária pública e treina o time após o expediente.
A parceria com o Atlético teve início em 2011, com a disputa de campeonatos regionais e amadores, e só foi se profissionalizar com os investimentos da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) na expansão da modalidade e criação da A2, a Série B do nacional feminino. Em paralelo, acontecia a ascensão de Elison à presidência, que se concretizou no fim de 2016.
Segundo Neila, antes da mudança, sob a gestão de Edson Izidoro, ex-presidente, o projeto de futebol feminino era mais valorizado e havia diálogo entre as partes. Mesmo com recursos escassos, o dirigente apoiava da forma que podia.
“A mudança de gestão foi um retrocesso, uma queda, na verdade. Jogávamos lá, mas era como se a gente só emprestasse o nome [do time]. Fomos tratadas desta forma. A única coisa que a gente podia usar do clube era o campo, que ainda estava em péssimas condições”, afirmou Guê.
As jogadoras não recebiam qualquer valor do clube. Por isso, a maioria conciliava trabalhos formais com o futebol. Inclusive, também acabavam usando do próprio dinheiro para ajudar Neila durante as viagens.
Segundo a volante Raynara, o presidente não tinha nenhum contato com a equipe feminina a não ser em finais de campeonatos, quando aparecia para “colher os louros” do time ou para comemorar o título.
“A Neila comprava nossas chuteiras e, quando precisávamos de alguma coisa, tipo dinheiro para o transporte, era sempre com ela mesmo. Chegamos a assinar contrato com o clube, mas sem qualquer tipo de pagamento”, disse a jogadora que atualmente veste a camisa do Rio Branco.
“Nem tem motivo para termos assinado, porque nos anos seguintes não renovamos nada. Nunca entendi o que acontecia, já que a gente sequer tinha bola deles para treinar.”
Ajuda de custo da CBF
Desde 2017, quando foi criado pela CBF, o Brasileirão Feminino A2 disponibiliza o mesmo aparato financeiro dado para o torneio de elite. Além dos valores cedidos para abertura do estádio, para os mandantes, todas as viagens são pagas - de passagens aéreas à hospedagem - e contam com uma ajuda de custo da entidade, de R$ 5.000, para alimentação e gastos adicionais (contratação de médico, medicamentos e etc).
Segundo as técnicas, o dinheiro enviado pela CBF nunca chegou até as atletas que, em sua maioria, são de áreas pobres de Rio Branco. Além do trabalho na comissão técnica, Neila e Guê também coordenavam e supervisionavam o futebol feminino.
Recibos e documentos aos quais o Papo de Mina teve acesso comprovam que as responsabilidades financeiras eram absorvidas por Neila, desde a moradia para atletas de outros estados até o vale transporte de todas as jogadoras.
“Algumas meninas moravam na minha casa e tudo ficava por minha conta. O clube sequer ajudava com alimentação ou qualquer outra coisa. Enquanto isso, a cada ano, ele [Edilson] ia nos enganando e ganhando essa cota de participação sem a gente saber”, afirmou.
Em novembro de 2020, durante uma partida na Bahia, Neila soube da ajuda de custo disponibilizada pela CBF aos times da A2 por meio de um dirigente da entidade. Por acaso, no mesmo dia, Aline Pellegrino, que à época ainda era coordenadora de competições femininas, também estava em Salvador.
“Ela ligou para o presidente da Federação Acreana e também para o presidente Elison para perguntar toda essa história. Naquele dia, ele nos enviou R$ 300 dos cinco mil”, disse Guê.
O que diz o presidente do Atlético Acreano
Procurado pela coluna, Elison Azevedo contou sua versão, afirmando que a CBF só iniciou os repasses de ajuda de custo para o Brasileirão A2 em 2020 - no regulamento da competição consta que todos os valores eram vigentes desde a edição de estreia, em 2017.
Ainda segundo o atual presidente, ele enviou R$ 5 mil em uma das viagens que o elenco fez, mas não recebeu as notas que comprovassem os gastos de Neila com a equipe, portanto interrompeu os repasses. O cartola diz ter os recibos, mas não compartilhou com a reportagem até o fechamento desta matéria.
“Ela queria gerir o dinheiro da equipe, mas quem é o presidente sou eu. Não tinha cabimento nenhum ela querer que eu mandasse o dinheiro”, disse Elison.
Por fim, um dos pontos citados pelo presidente acreano é que a treinadora e sua auxiliar queriam prejudicar sua carreira política. Ele afirma que toda a movimentação de ambas foi para “manchar sua imagem” e boicotar sua eleição para vereador de Rio Branco, em 2020. Ele obteve 693 votos e não se elegeu.
Em 2018, Elison se candidatou a deputado estadual e, com 1.218, também não conquistou a vaga no Congresso.
O que diz a CBF
Em contato com o Papo de Mina, a assessoria da entidade confirmou o encontro entre as treinadoras com Aline Pellegrino, em Salvador, mas não revelou mais detalhes sobre a conversa. Além disso, a CBF desconhece qualquer reclamação formal feita à ouvidoria da instituição.
Em nota, a CBF afirma:
"Os clubes das séries A1 e A2 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino receberam da CBF auxílio financeiro para cumprirem suas obrigações relacionadas à modalidade, especialmente para assegurar o pagamento e manutenção das atletas. Porém, a entidade não tem ingerência na administração interna dos clubes.”