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Tia Ciata: entenda a importância da Matriarca do Samba para a cultura negra e a música

Conheça a história e o legado de Tia Ciata, responsável pela preservação da cultura, música e religiosidade afro-brasileira

3 out 2023 - 05h00
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Tia Ciata é considerada a Matriarca do Samba e nome importante da cultura negra no Brasil
Tia Ciata é considerada a Matriarca do Samba e nome importante da cultura negra no Brasil
Foto: Domínio

Pela voz de Dorival Caymmi, uma cantiga ficou muito conhecida: “quem não gosta de samba, bom sujeito não é”. Este estilo musical que caiu no gosto popular e também é Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil ganhou força graças ao papel fundamental de Tia Ciata, também conhecida como a Matriarca do Samba

Baiana de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Tia Ciata se mudou para o Rio de Janeiro e lá fez história. Sendo uma das mais famosas quituteiras da época, promoveu grandes encontros de sambistas em sua casa e mudou o cenário até então estabelecido. 

Tudo isso em uma época em que os tidos “ajuntamentos” eram criminalizados e as rodas de samba proibidas. Sinônimo de resistência, Tia Ciata marcou não só a história da música, como também deixou um legado político-cultural eterno. 

Quem foi Tia Ciata? 

Nascida Hilária Batista de Almeida, em 1854, na Bahia, Tia Ciata era uma mulher de grande influência e carisma. Aos 16 anos, já fazia parte da Irmandade da Boa Morte, confraria afro-católica que resiste até os dias atuais.  

Além disso, a matriarca foi iniciada no Candomblé pelas mãos do saudoso Bamboxê Obitikô para o Orixá Oxum na nação Ketu, no famoso terreiro Ilê Iyá Nassô Oká, também conhecido como Casa Branca do Engenho Velho. No Rio, continuou a cuidar dos seus Orixás na casa de João Alabá, posteriormente tornando-se mãe pequena da casa. 

Aos 22 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro durante a conhecida “diáspora baiana”, onde se casou com João Baptista da Silva, com quem teve 14 filhos. Completou o seu ciclo iniciático e se tornou uma mãe de santo muito conhecida e respeitada na região da Pequena África, área histórica de concentração de negros e negras na cidade. 

No Rio, morou inicialmente na Pedra do Sal, passando pelo Beco João Inácio, Rua da Alfândega, entre outras, mas foi nos arredores da Praça Onze que a famosa casa da Tia Ciata nasceu e muitos sambistas renomados se encontraram. 

Foi uma das “tias” baianas mais respeitadas da época. Vendia seus quitutes com suas indumentárias afro-religiosas: turbantes, trajes brancos volumosos e seus fios de conta no pescoço. Em seu tabuleiro havia bolos, manjar e cocadas, assim como era feito em sua terra natal, a Bahia. 

Dessa forma, Tia Ciata levava o sustento para a sua família e logo sua casa se tornou um dos pontos de encontro principais do Rio de Janeiro. Juntando a comida com música boa, a matriarca sempre esteve à frente do partido-alto e ainda tornou popular o jeito “miudinho” de sambar, com muita elegância e maestria. 

A biografia é extensa, mas de forma resumida, ela foi uma das principais figuras por trás da consolidação do samba como gênero musical no início do século XX. Carregada de referências do samba de roda baiano, seu lar se tornou um espaço de acolhimento para músicos, compositores e artistas afro-brasileiros, onde a cultura do samba floresceu. 

Qual a importância da Casa da Tia Ciata?  

A importância de Tia Ciata para a história do Brasil está relacionada diretamente com o processo de abolição da escravatura. A sambista chegou ao Rio de Janeiro alguns anos antes de 1888, quando finalmente a escravidão chegou ao fim em nosso país.  

Ao pensar no cenário da época, sabe-se que a manifestação do samba era criminalizada e que a polícia reprimia qualquer símbolo da cultura afro-brasileira. Mesmo assim, Tia Ciata resistiu aos tempos conservadores e se tornou um dos principais nomes de um gênero musical que segue vivo até os dias de hoje. 

Em sua casa, na Rua Visconde de Itaúna, número 117, aconteceram muitas rodas de samba e encontros marcantes para a música brasileira. Nomes como Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Sinhô e Mauro de Almeida frequentavam as rodas constantemente e contribuíram para o desenvolvimento do samba. 

Mas não só os sambistas frequentavam a casa da Tia Ciata. Outras baianas famosas da época, como Tia Dadá, Tia Tereza, Tia Amélia, Tia Prisciliana, Tia Veridiana, por exemplo, e até jornalistas e atores também eram vistos por lá. 

Essas reuniões ajudaram a definir o estilo do samba carioca e a disseminá-lo pelo Brasil. A casa da Tia Ciata foi um importante centro de preservação da cultura, onde a música, a dança e a religião se encontravam. Mas não só isso: também abriu as portas para artistas tidos como marginalizados pela sociedade mostrarem seu talento e conquistarem um espaço no mundo da música. 

As rodas de samba também desempenharam um papel vital na promoção da diversidade e no fortalecimento da identidade afro-brasileira, sendo cenário para a composição “Pelo Telefone”, com composição coletiva, o primeiro samba registrado e que foi um grande sucesso no carnaval de 1917. 

Como Tia Ciata influenciou o samba? 

A importância de Tia Ciata é inegável. Seja pela promoção e preservação do samba, mas também, por ser uma mulher negra, em um período de pós-abolição, quituteira e uma das grandes responsáveis por fazer do samba o gênero musical conhecido que é hoje. 

O samba nasceu na periferia e é uma expressão cultural negra. Através de sua influência e liderança, Tia Ciata contribuiu não só com a parte musical do samba, mas também no lado político e no fortalecimento das favelas cariocas. Ela desempenhou um papel importante na promoção da autoestima e da identidade cultural das pessoas negras no Rio de Janeiro. 

Tudo isso em um ambiente propício para a manifestação cultural afro-brasileira, seja através da música ou da religiosidade. Além de estimular a criatividade e conectar músicos talentosos. Muitos dos pioneiros do samba frequentavam sua casa para compartilhar ideias, criar músicas e dançar. 

Além disso, Tia Ciata era uma talentosa percussionista e cantora, e seu envolvimento na música impactou no desenvolvimento do samba. Ela e outros sambistas contribuíram para a fusão de várias influências culturais, como: ritmos africanos, tradições afro-brasileiras, samba de roda baiano e elementos da música popular urbana, criando então o samba carioca. 

O legado segue vivo até hoje, através das notas e ritmos do samba, que continuam a unir pessoas ao redor do mundo. Ela é reverenciada como uma das "mães do samba" e é homenageada em várias celebrações ligadas à cultura afro-brasileira e ao samba, sendo até tema de samba enredo. 

O samba já foi criminalizado no Brasil 

Tia Ciata ganhou o título de “Matriarca do Samba” em uma época em que cantar, tocar e dançar samba era crime e constantemente se ouvia a seguinte frase pelas ruas: “tocar samba dá cadeia!”.  

Em 1890, apenas dois anos da abolição da escravidão, foi estabelecido o crime de "vadiagem". Caso alguém fosse pego na rua e não comprovasse seu trabalho naquele momento, poderia ser preso. 

Nesse contexto, o samba foi visto como crime e portar um instrumento como um simples pandeiro já era o bastante para ser levado pela polícia e ter o item apreendido. O fato aconteceu com João da Baiana, um dos precursores do samba e frequentador assíduo da casa de Tia Ciata. 

Isso indica que as conhecidas rodas de samba, como as organizadas pela sambista, eram proibidas. Não há como analisar esse contexto sem associar ao racismo e à tentativa de estigmatizar e marginalizar todas as práticas afro-brasileiras. 

Além de ser uma prática negra, as rodas de samba eram vistas principalmente nas favelas e bairros periféricos do Rio de Janeiro, sendo consideradas pela elite brasileira como uma forma de expressão que poderia desafiar a ordem social existente, e, portanto, procuravam controlá-las ou reprimi-las. 

Tia Ciata só teve suas festas permitidas após conquistar notoriedade e prestígio junto ao Presidente da República da época. Isso porque Venceslau Brás a chamou para curar uma ferida em sua perna já desenganada pelos médicos.

Como uma exímia curandeira, curou o político, que passou a autorizar suas festas durante o seu mandato, além de conseguir um novo emprego para o marido da sambista. 

Somente na presidência de Getúlio Vargas, em 1930, que a criminalização perdeu a força e o samba começou a ser valorizado. 

Qual a importância de Tia Ciata para a cultura brasileira? 

A importância de Tia Ciata para a cultura brasileira transcende seu tempo. Sua influência na música, na religião e na promoção da igualdade racial deixou marcas profundas na identidade do Brasil. O samba, que ela ajudou a moldar, é celebrado mundialmente e é uma das principais manifestações culturais do país.  

Além disso, sua determinação em preservar as tradições africanas e enfrentar a discriminação racial continua a inspirar jovens negros e negras que lutam por igualdade racial no Brasil e pela liberdade religiosa. Ela contribuiu para a riqueza e a diversidade da cultura brasileira, e seu impacto continua a ser celebrado e reconhecido. 

Durante o período pós-abolição, houve uma forte repressão contra o Candomblé. Tia Ciata teve um papel fundamental na resistência, mantendo viva a prática religiosa tradicional e preservando rituais, cânticos, danças e conhecimentos transmitidos de geração em geração. Isso ajudou a manter a identidade cultural do Candomblé como conhecemos hoje em dia. 

Constantemente, era vista cultuando seus Orixás e festejando, reunindo dezenas de pessoas em festas como as de São Cosme e Damião e de sua Oxum. Esses encontros ficaram conhecidos por sua música, dança, comida e espiritualidade e acabavam atraindo pessoas de diferentes origens étnicas e culturais. 

Tia Ciata não apenas resistiu às adversidades de seu tempo, mas também construiu o caminho para as gerações futuras. Sua história é um lembrete de que a história do Brasil é repleta de heróis e heroínas que moldaram o destino de uma nação e continuam a inspirar a busca por um futuro mais justo e igualitário. 

Tia Ciata: uma inspiração para as mulheres no samba 

Como dito anteriormente, é impossível não mencionar Tia Ciata quando falamos sobre a história do samba. No entanto, a sua importância para as mulheres que fazem samba vai muito além de seu papel na preservação desse gênero musical. 

Ao se debruçar sobre sua história, fica nítido que ela representa a força, a resistência e a liberdade das mulheres negras na virada do século XX. Sem falar nas barreiras quebradas em uma época em que essas mulheres enfrentavam uma série de desafios sociais e econômicos.  

Sempre estava rodeada de outras mulheres como ela e todas se destacavam pela organização e influência sobre a comunidade. Fortaleceu a tradição de baianas quituteiras no Rio de Janeiro, incentivando o desenvolvimento econômico entre elas, o que fez toda a diferença naquela época. Muitas famílias foram sustentadas através dessa atividade, sendo passada de geração em geração. 

Hoje, quando as mulheres fazem samba, elas continuam a honrar o legado de Tia Ciata. Seu legado segue vivo nas rodas de samba e na força das mulheres negras que encontram na música uma forma de expressão e empoderamento.  

O machismo existe no mundo da música e no samba não é diferente. A história costuma dar mais destaque aos homens que fazem sucesso, mas existem muitas mulheres que fizeram do samba um dos gêneros musicais mais ouvidos até hoje e que, sem dúvida, se inspiram na trajetória da veterana do samba.

O legado do samba 

Em 1983, e escola de samba carioca, Império Serrano, homenageou a sambista em seu samba enredo. Em várias estrofes, é possível compreender a importância de Tia Ciata no legado do samba: 

“Mãe negra, sou a tua descendência. Sinto tua influência. No meu sangue e na cor (...) Tia Ciata, mãe amor, o teu seio o samba alimentou”. 

Hoje em dia, a história da matriarca é preservada na Casa da Tia Ciata, um espaço cultural que fica no Rio de Janeiro e tem o objetivo de manter vivo o legado e a memória de uma das mulheres mais importantes para o samba e para a música brasileira. 

É possível conferir uma exposição permanente, oficinas, sambas de roda, palestras e outras exposições itinerantes. O horário de funcionamento é de terça e quinta-feira, das 14h às 17h e na sexta-feira, das 14h às 18h30. 

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Fonte: Redação Nós
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