“Todo dia eu tenho que provar que tenho o direito de ser mãe”, revela Pepita
Em entrevista, cantora falou sobre maternidade trans e também deu dicas sobre o tema para outras mulheres
A cantora trans Pepita, ativista da causa LGBTQIA+ e uma das primeiras funkeiras trans do Brasil, retornará com seu programa "Cartas Para Pepita" no portal Terra, que estreia nesta quarta-feira, 8. Anteriormente, ele era exibido nas redes sociais da cantora. Em entrevista para o Terra NÓS, Pepita falou sobre maternidade trans e também deu dicas sobre o tema para outras mulheres.
Para Pepita, o maternar tem muitos significados, mas o principal deles é "mudar a sua vida de uma forma real e verdadeira", segundo definiu a cantora. Ela é mãe de Lucca Antonio, de um ano, que foi adotado no ano passado. Ele é fruto de outra relação de seu marido, Kayque Nogueira.
A cantora destaca que os ensinamentos da maternidade têm o objetivo de mudar o olhar das mães. "Uma coisa que marcou a minha vida foi essa mudança do olhar que a gente tem. Tenho muitas amigas mães que falavam para mim: ‘Pepita, eu sou uma leoa. Mexa comigo, mas não mexa com o meu filho’. E eu vi que é realmente assim".
Segundo ela, apesar das diferenças identitárias, a essência da maternidade, baseada no amor e na empatia, é universal para todas as mães, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. "A maternidade é um lugar de amor e de se colocar no lugar do outro", disse.
A diversidade e a aceitação é intrínseca em sua família, por isso, o filho de Pepita crescerá sabendo o que é certo e o que é errado, e também o que é preconceito e como lidar com ele. "Ele vive em uma casa de sabedoria e bem resolvida. Pessoas que sabem o que é bom e o que é respeito", contou.
Preconceito
Apesar de todo o preconceito que pessoas LGBTQIA+ sofrem, a cantora não mudaria nada em relação à sua maternidade. Segundo ela, maternar é algo único e uma das maiores dicas e incentivos que ela poderia dar às mulheres trans que pensam em serem mães.
"É muito bom. Em um país que tem preconceito, você vai oferecer amor e, mais para frente, ele vai te oferecer amor também", afirmou ela.
"Eu não vou ter pudor nenhum de falar, assim como eu falo em todas as entrevistas, que ele é filho de uma mulher trans. Eu não falo que ele é filho de 'fulana' ou de 'beltrana'. Ele é filho de uma mulher trans que tem muito amor e carinho para oferecer para ele", explicou.
Recentemente, Pepita sofreu transfobia enquanto procurava uma babá para o seu filho. "O mais assustador foi que isso aconteceu dentro da minha casa. As perguntas eram muito assustadoras e o tom de falar era muito louco. ‘A mãe da criança não vai descer para a gente conhecer?’, ‘quem é a mãe dele?'", relembrou a cantora sobre as perguntas feitas por algumas candidatas.
"Eu entendo que o erro nunca foi meu. O erro não é meu de querer ser mãe. O erro é da pessoa de não conseguir entender e compreender que eu sou mãe", ressaltou.
A cantora ainda disse que algumas mulheres ficaram desconfortáveis e pediram desculpas após saberem que ela é a mãe de Lucca. "Se em uma entrevista ela teve essa atitude, como é que seria ela com a criança, ela iria maltratar ou cuidar do meu filho?", refletiu.
Segundo Pepita, o preconceito está mais forte e não parece que vai acabar. "É uma luta diária. Todo dia eu tenho que provar que eu sou mãe para o outro. Todo dia eu tenho que provar que tenho o direito de ser mãe. Todo dia eu tenho que provar que na minha identidade está escrito Priscila Nogueira e que eu sou 'ela'", destacou.
A maternidade
Criar uma criança não é uma tarefa fácil e, para as mães, ter uma rede de apoio é importante. No entanto, isso nem sempre é possível quando se trata de mães LGBTQIA+. "A minha rede de apoio é a minha sogra, o pai dele também dá muito apoio. Eu nunca consegui uma profissional que me entendesse como mãe", contou.
Para as mães que buscam força e inspiração na maternidade, a cantora deu um conselho: "Continue. Têm certas atitudes que fazem a gente amar ainda mais a maternidade e não tem preço".
"Você chegar do trabalho e ver aquela coisa pequenininha te chamar pelo nome. Ele dizer ‘mamãe, bom dia’, isso nos dá força. Mas também não é um mar de rosas, toda mãe é muito cobrada e ela esquece um pouco dela. Ela se dedica muito ao filho", disse.
De acordo com Pepita, as mães podem aprender lições valiosas com a maternidade, como entender a criança intensamente. "Com o tempo, eu consegui distinguir todos os tipos de choros, choro de fome, de carência, de pirraça. Eu consegui absorver muita coisa", afirmou ela.
Pepita argumenta que mãe não deve mudar toda a sua vida por causa do filho. "A criança quando chega na nossa vida, ela chega para acrescentar, construir uma família". E também, as tarefas devem ser dividas, dessa forma, a mulher não fica sobrecarregada. "Aqui na minha casa é tudo dividido. O período da manhã é meu, a tarde meu filho está na escola, o período da noite é do pai dele, e assim a gente convive muito bem", explicou a cantora.
"Tenha seus hábitos, seus costumes, bote o seu companheiro sentado ao seu lado e explique a situação e divida as tarefas. A maternidade deve ser um ponto de equilíbrio e não de exaustão", finalizou.