Travestis na universidade: 5 doutoras que vêm inspirando a nova geração de pessoas trans
Com trajetórias e trabalhos que desafiam o preconceito e enaltecem o ativismo LGBTQIA+, elas têm se destacado no universo acadêmico
Entre tantas lutas ao longo da vida por direitos e políticas públicas em prol da comunidade, combatendo sem descanso o preconceito arraigado na sociedade contra a população LGBTQIAPN+, elas investiram nos estudos acadêmicos.
O apreço pelos estudos - e pelo título de doutoras - desafia o olhar machista e transfóbico que ainda as enxerga em cenários marginalizados e prova que lugar de travesti é, sim, na universidade. Keila, Luma, Juh, Lua e Dodi transformaram suas jornadas em ativismo e legado para a nova geração de pessoas trans. Conheça suas histórias:
Dodi Leal
Graduada em Artes Cênicas na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Dodi Leal voltou à universidade em 2023, dez anos depois de se formar, para atuar como professora do Laboratório de Práticas Performativas, do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) para ministrar a disciplina Fabulações Travestis sobre o Fim.
Além da licenciatura na ECA, Dodi é graduada em Ciências Contábeis na FEA-USP, onde desenvolveu seu mestrado em Controladoria e Contabilidade. Em 2018, obteve o título de doutora em Psicologia Social, no Instituto de Psicologia da mesma instituição.
Atualmente, Dodi é professora efetiva da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e docente colaboradora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Paulistana, ela completa 40 anos neste mês e, além de pesquisadora, trabalha como performer, curadora, crítica e iluminadora teatral. Dodi tem livros e artigos publicados e já ministrou aulas e palestras em países como Estados Unidos, Áustria e México.
Keila Simpson
Ativista do movimento LGBTQIA+ desde 1990, a maranhense Keila, 59 anos, é uma das lideranças trans mais importantes do Brasil. Ela fundou a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e, atualmente, é presidenta da organização.
Em abril deste ano, Keila tornou-se a primeira travesti brasileira a receber o título de doutora Honoris Causa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Trata-se de um título atribuído a pessoas notáveis, nacionais ou estrangeiras, que se destacam por sua contribuição à cultura, à educação ou à humanidade.
"Keila é mais que um repositório humano de conhecimentos. É a professora de uma centena de outras pessoas trans e cisgêneros que vieram depois desta ancestralidade. Reconhecer, em vida, tudo isso, é necessário e muito mais que simbólico, sobretudo nos dias de hoje”, comentou na ocasião Symmy Larrat, Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.
Em 2023, Keila fez uma turnê ativista pela Europa. Ela participou da 51ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suiça, e foi aplaudidíssima na França em seu discurso sobre a situação deplorável das pessoas trans no Brasil. Também no ano passado, passou a ocupar o Conselho Nacional LGBTQIA+ ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Luma Andrade
Em 2012, a professora universitária tornou-se a primeira travesti a concluir um curso de doutorado no país. De origem humilde, Luma nasceu no sertão do Ceará e sofreu preconceito da família, da igreja e da sociedade local. Hoje, atua como professora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab).
Filha de agricultores, Luma Andrade começou sua vida acadêmica no curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Aos 35 anos, se tornou doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) com uma tese sobre a realidade das travestis nas escolas, relatando casos de estudantes e sua própria história. É a primeira obra do Brasil que retrata travestis e pessoas trans no contexto escolar.
Em 2023, Luma recebeu, em Fortaleza, a Medalha Iracema, maior comenda do Poder Executivo Municipal, concedida a personalidades que contribuem em sua área de atuação profissional para o desenvolvimento da cidade.
Juh Círico
A primeira travesti doutora em Contabilidade do país sonha em ser professora universitária. Juh Círico se formou na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e quer ser referência para outras pessoas trans e travestis. O título acadêmico foi obtido a partir da tese "Vozes da resistência: vivências de pessoas transgêneras e travestis na contabilidade brasileira".
Assim como as outras travestis deste artigo, Juh Círico espera que a conquista sirva de inspiração e abra portas para que mais pessoas trans e travestis ocupem as universidades.
Ela cultivava o sonho de atuar na área contábil desde a adolescência, quando trabalhava em um escritório, e enfrentou uma série de dificuldades - desde percorrer literalmente um longo caminho para chegar à faculdade até atitudes preconceituosas de colegas e professores - para conquistar seu objetivo.
Sem pensar em desistir, Juh persistiu e terminou o curso. Ela também é mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação e, recentemente, foi aprovada no pós-doutorado em Contabilidade na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Lua Lamberti
Lua foi a primeira travesti a concluir um mestrado na Universidade Estadual de Maringá (UEM) em 2019 e, em março deste ano, conquistou o posto de primeira travesti doutora da história da instituição. Para a conclusão do doutorado em Educação, Lua defendeu a tese "Artes Transformistas: metodologias, linguagens e ficções grotescas em bases pedagógicas transepistemológicas", na qual discorre sobre o trabalho de três artistas transformistas - a drag queen Ginger Moon e os drag kings Don Valentim e Rubão.
Ela também é graduada em Artes Cênicas pela UEM e atua como professora do Departamento de Música e Artes Cênicas (DMC). "Minha meta é fazer a UEM transicionar, abrir vagas, cotas e políticas públicas, afirmativas e de permanência para pessoas trans", afirmou em entrevista ao site da universidade.