Tudo que você precisa saber sobre crianças trans
Dia 21 de outubro marca luta pela despatologização das identidades trans e levanta debate sobre infância e adolescência
Com pouco mais de três anos, Agatha, que até então não tinha passado pelo processo de transição de gênero, disparou para Thamyris Nunes, sua mãe: "Sabe o que é triste? Eu não ter nascido menina, porque seria bem mais legal" e "Se eu morrer, posso nascer menina?".
O relato é um dos muitos compartilhados por Thamyris no perfil do Instagram "Minha Criança Trans" e tema de muitas discussões dentro e fora da comunidade LGBTQIA+. Em junho deste ano, inclusive, foi pauta de matérias por conta do apoio às crianças trans na Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, considerada a maior do mundo.
Porém, o que significa ser uma criança trans e como as práticas médicas lidam com essa questão?
Saúde
No campo médico, a resolução que dispõe sobre o cuidado específico de pessoas trans é a de nº 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina, que estabelece pontos como:
- Em criança pré-púbere é vedada qualquer intervenção envolvendo uso de hormônios ou procedimentos cirúrgicos com a finalidade estabelecida de mudanças corporais e genitais.
- O médico, nas competências de sua atuação junto à equipe multiprofissional e interdisciplinar que assiste a criança pré-púbere, deve acompanhar, orientar, esclarecer e facilitar o desenvolvimento da criança, envolvendo a família, cuidadores, responsável legal, instituições de acolhimento e educacionais que tenham obrigação legal pelo cuidado, educação, proteção e acolhimento da criança.
- O envolvimento dos pais, familiares, responsável legal ou instituições de acolhimento e educacionais é fundamental na tomada de qualquer decisão do acompanhamento que envolva a criança pré-púbere, respeitando os preceitos éticos e espec íficos de cada área profissional envolvida.
Já em relação ao chamado bloqueio puberal, realizado com medicamentos, completamente seguro e usado por crianças e adolescentes com outras condições médicas, como puberdade precoce, a resolução aponta que "no início da puberdade, intensifica-se uma relação complexa estabelecida entre a criança ou adolescente púbere e seu corpo não congruente com sua identidade de gênero, podendo levar a sofrimento psíquico intenso e condutas corporais relacionadas a tentativas de esconder os caracteres sexuais biológicos visando reconhecimento e aceitação social que, muitas vezes, provocam agravos à saúde".
Por isso "o acompanhamento adequado nessa fase de desenvolvimento pode prevenir cirurgias corretivas no futuro e o surgimento de morbidades, tais como anorexia nervosa, fobia social, depressão, comportamento suicida, uso abusivo de drogas e transtornos de conduta relacionados à vivência corporal".
As regras para o bloqueio puberal de menores de 18 anos são, segundo a resolução:
- O bloqueio puberal ou a hormonioterapia cruzada, sob a responsabilidade de médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, só se dará na vigência de acompanhamento psiquiátrico, com anuência da equipe e do responsável legal pelo adolescente, segundo os termos e protocolos de acompanhamento de púberes ou adolescentes transgêneros.
- O bloqueio do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas será prescrito por médico endocrinologista, ginecologista ou urologista, todos com conhecimento científico específico, integrante da equipe multiprofissional.
- Acompanhamento da criança púbere ou adolescente transgênero, sendo realizado com a anuência de seu responsável legal.
O documento sinaliza ainda que "é vedada a realização de procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero em pacientes menores de 18 (dezoito) anos de idade".
Em São Paulo, o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Instituto de Psiquiatria (IPq - HCFMUSP) do Hospital das Clínicas é uma referência no acompanhamento de criancas trans e, em junho deste ano, divulgou que acompanha 358 indivíduos, sendo 136 crianças (de 4 a 12 anos), 169 adolescentes (de 13 a 17 anos) e 53 adultos (a partir de 18 anos).
Ao Terra, o Hospital das Clínicas afirmou que todos os tratamentos e procedimentos oferecidos a seus pacientes estão respaldados por protocolos previstos no rol de atendimento do SUS e seguem regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM), bem como diretrizes de centros de excelência.