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Uma breve história das LGBTs com o Carnaval brasileiro

Sabemos que para a cis-heterossexualidade, este é um momento para brincar com gênero. Para nós, por outro lado, a brincadeira também é séria

18 fev 2023 - 05h00
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Travestimo no Carnaval do Rio de Janeiro em 1913. Acervo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro
Travestimo no Carnaval do Rio de Janeiro em 1913. Acervo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro
Foto: Reprodução do Livro “Além do Carnaval” de James Green

Colocar a peruca, botar um look babadeiro, passar maquiagem e ir para a festa. O processo de vestimenta de uma drag queen se aplica também para a prática de milhões de foliões que vão sair nos blocos do Brasil no Carnaval deste ano. Sabemos que para a cis-heterossexualidade, este é um momento para brincar com gênero. Para nós, por outro lado, a brincadeira também é séria.

Grosso modo, ao longo do século XX, o Carnaval no Brasil serviu como uma espécie de suspensão da moralidade. Os anos após a abolição da escravidão são marcados pela dura aplicação da lei da vadiagem que perseguia durante 360 dias aquilo que hoje consideramos natural ao carnaval: o samba preto e as vivências homoeróticas.

Tais práticas culturais eram relativamente permitidas apenas durante a folia – para os homossexuais – este era o momento no qual os desejos que ficavam resguardados o ano todo no âmbito da vida privada, poderiam se expressar publicamente pelo menos nestes cinco dias.

A presença de homens travestidos em roupas femininas é uma tradição carnavalesca que remonta a pelo menos desde 1913 com acervos do Museu da Imagem e do som do Rio de Janeiro.

Em 1937, o embaixador Hugh Gibson veio ao Brasil e capturou novamente a presença dessa prática, mas com figuras já com corpos mais amostra que propositalmente tendem a esconder traços masculinos em prol de compor uma figura mais feminilizada com o uso de maquiagem e plumas pomposas.

Carnaval de 1937 pelo Diplomata Hugh Gibison
Carnaval de 1937 pelo Diplomata Hugh Gibison
Foto: Reprodução do livro “Além do Carnaval” de James Green

A visita de Gibson se aproxima do batizado de João Francisco dos Santos na mitológica figura de Madame Satã. Ao ser entrevistado pelo jornal alternativo Pasquim em 1971, Satã conta como ganhou o codinome em 1938 e sua experiência no carnaval carioca:

“Esse apelido de Madame Satã ganhei em 1938, no Bloco Caçador de Veados (…) Havia o baile de carnaval e o concurso. Então eu me exibi com a fantasia de Madame Satã no Teatro República e ganhei o primeiro lugar (…). O último ano que desfilei foi 1941. Eu estava preso, mas anulei um processo e vim passar o carnaval na rua. Desfilei com a Dama de vermelho”

Pulando um pouco no tempo, a permanência no imaginário nacional das marchinhas de João Roberto Kelly “Cabeleira do Zezé” de 1961 e “Maria Sapatão”, eternizada por Chacrinha em 1981, mostram como a participação dos dissidentes sexuais e de gênero na folia sempre foi expressiva, tolerada, mas percebida negativamente a época pelo público geral.

Travesti competindo no concurso de fantasias no carnaval do Teatro João Caetano, Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, 1957. Foto Arquivo do Estado de São Paulo
Travesti competindo no concurso de fantasias no carnaval do Teatro João Caetano, Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, 1957. Foto Arquivo do Estado de São Paulo
Foto: Reprodução do livro “Além do Carnaval” de James Green

Muita coisa mudou em mais de 40 anos de Carnaval, felizmente este não é mais o único espaço que temos para ter nossas vivências no quotidiano. Uma coisa, contudo, voltará aos desfiles desse ano: a presença de Madame Satã eternizada no samba-enredo da Escola Lins Imperial, recém-chegada ao Grupo Ouro do sambódromo carioca.

*Rodrigo Cruz Lopes é doutorando em Ciência pela Unicamp

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