Verdade ou mentira: 10 mitos sobre a deficiência visual
No Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, saiba quais são as falsas crenças e os fatos que correspondem à realidade sobre a condição
Hoje, 13 de dezembro, celebra-se o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Visual, data dedicada a relembrar a garantia aos direitos e à inclusão dessa população. A deficiência visual ainda é cercada de crenças equivocadas, preconceituosas e capacitistas que já passaram da hora de ser esclarecidas. Para contribuir com a desmistificação do tema, o Terra NÓS ouviu ativistas e pessoas com deficiência para esclarecer os 10 mitos mais comuns. Confira:
Pessoas com deficiência visual não gostam de ser ajudadas na rua
Depende. Muitas querem, sim, ser ajudadas, em diversos casos de falta de acessibilidade em calçadas, travessias ou pontos de ônibus. Ou, ainda, para desviarem de algum buraco ou bueiro destampado. Porém, tudo depende de como o auxílio é proposto.
Não é raro ver pessoas aparentemente solícitas, mas na realidade invasivas, puxando a pessoa com deficiência visual pelo braço, pela camisa ou até mesmo pela bengala. Em vez de ajudar, acabam atrapalhando e confundindo a pessoa com deficiência. O melhor é perguntar se ela quer ajuda, e também é importante saber aceitar uma recusa.
Andar com cão-guia é melhor do que usar bengala
Depende. Muitos deficientes visuais usam cão-guia e amam; outros que não se adaptam. Há os que não se adaptam à bengala e ainda aqueles que não se adaptam a nenhum dos dois e encontram outras possibilidades. Não existe uma regra: vai depender do estilo de vida de cada um, do desejo, do tipo de deslocamento que a pessoa precisa.
A bengala oferece maior praticidade no acesso aos lugares, mas não detecta obstáculos. Já o cão-guia auxilia na sociabiidade, mas impacta na rotina como um todo. Afinal, é um ser vivo que necessita de uma série de cuidados - que custam dinheiro - e que nem sempre é bem-vindo em qualquer local. Assim, trata-se de uma questão particular e pessoal.
Toda pessoa cega lê em Braille
Mito. Os dados conclusivos e atualizados só serão divulgados em 2024 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas o censo de 2010 apontava que 74% das 506 mil pessoas cegas no Brasil não tinham sido alfabetizadas no sistema Braille. Um dos motivos é que um número significativo de deficientes visuais perde a visão numa fase mais adulta e acaba não aprendendo o Braille. Além disso, o sistema vem perdendo espaço para o uso de tecnologias assistidas e aplicativos - cenário que, segundo as fontes ouvidas por esta reportagem, tem prejudicado o letramento das crianças com deficiência visual.
Pessoas com deficiência visual não gostam de ser chamadas de cegas
É importante conceituar: toda pessoa cega é uma pessoa com deficiência visual, mas nem toda pessoa com deficiência visual é cega. A deficiência visual inclui indivíduos com visão subnormal ou baixa visão. Já o termo cego é empregado para quem não tem tenhuma percepção visual, ou seja, para quem não enxerga absolutamente nada. Falar que uma pessoa é cega não é errado, o equívoco acontece quando a palavra é usada de forma pejorativa ou capacitista, como "tadinho daquele cego" ou "lá vem o ceguinho", por exemplo. Além disso, ser cega é uma característica da pessoa, e não deve se sobrepor a ela.
A percepção tátil das pessoas com deficiência visual é mais apurada
Sim, é verdade, mas porque elas passaram a estimular o tato o tempo todo. Não é algo como se fosse um superpoder, nada disso: é resultado de prática, experimentação no dia a dia e maior concentração nos detalhes, porque passam a "enxergar" o mundo através do tato.
A audição também é mais desenvolvida
O que acontece é que as pessoas com deficiência visual ficam mais atentas aos outros sentidos porque precisam deles para viver. Se estão andando sozinhas na rua, por exemplo, vão se orientar pela audição e pelo tato para entender onde estão pisando. Não existe uma "compensação" dos sentidos, mas aprendizado e aperfeiçoamento.
Pessoas com deficiência visual naturalmente costumam precisar prestar mais atenção aos sons, às vozes, à comunicação, a todos os sinais sonoros que estão no ambiente. Então, não é que a audição é mais desenvolvida, elas é que acabam desenvolvendo uma atenção maior aos sons.
Pessoas cegas não sonham
Elas podem ter uma memória visual do tempo em que enxergavam, caso já tenham enxergado em algum momento. Quem nunca enxergou pode ter uma noção do que é a imagem e sonhar de uma forma mais abstrata, ter sensações de toques e texturas, escutar vozes. Ela sonha com aquilo que vivencia em seu dia a dia.
Não é possível escrever à mão nem assinar documentos
Embora seja mesmo difícil escrever à mão para quem nunca enxergou, trata-se de um mito generalista, pois muitas pessoas com deficiência visual aprendem a escrever o nome e a assinar documentos. Com auxílio, mesmo que a letra saia grande ou torta, é possível fazer a assinatura. É uma questão, segundo os entrevistados, de autoestima e cidadania.
Existe ainda uma ferramenta muito útil chamada "assinador" que é uma espécie de régua vazada que ajuda a a definir o espaço para a assinatura.
É muito difícil para uma pessoa cega viver sozinha e fazer as tarefas do lar
Muitas pessoas com deficiência visual moram sozinhas, limpam a casa e cozinham. Os sentidos ajudam e as tarefas domésticas são adaptadas. Eletrodomésticos, por exemplo, podem ter fitas adesivas sinalizando o botão de ligar. Muitas entidades de apoio à deficiência também promovem os chamados treinamentos de AVA ou AVD (Atividades de Vida Diária ou Atividades de Vida Autônoma) que ensinam a perceber se o arroz está pronto e em que pontos a casa está suja para passar o pano de chão.
Embora seja mesmo difícil inicialmente, a aprendizagem e o treino permitem morar sozinho e fazer as atividades do dia a dia.
Lidar com dinheiro na hora das compras é complicado
Para pequenas compras na rua com dinheiro vivo, até é, sim. É necessário contar com a honestidade dos comerciantes. Fazer um PIX ou usar o cartão não significa que a pessoa com deficiência visual não vai sofrer um golpe, mas o registro da transação é uma forma de proteção.
A organização da carteira é um recurso adotado por muitos: por exemplo, separar o dinheiro das notas menores para as notas maiores e saber exatamente quanto se tem. As moedas são mais fáceis de contar, por causa da diferença de tamanho. Embora as cédulas atuais também tenham tamanhos diferentes e um relevo que facilita a identificação, as antigas ainda seguem em circulação. O que facilita a vida é usar aplicativos que fazem a leitura de dinheiro: basta apontar a câmera do celular para uma nota e ele fala que nota é aquela.
FONTES CONSULTADAS:
Fernando Campos, comunicador e criador de conteúdo; Gabriel Aquino, pedagogo, consultor em acessibilidade, analista de qualidade em acessibilidade do Banco Itaú e fundador da empresa Vias Acessíveis; Lucia Poletti, Coordenadora de Apoio à Inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos; Marcos Lima, jornalista e influencer do canal do YouTube "Histórias de Cego"; Mellina Reis, turismóloga e criadora do canal do YouTube "4 Patas pelo Mundo", e William Lelis, pedagogo pós-graduado em Psicopedagogia e coordenador do Movimento Unificado de Deficientes Visuais (MUDEVI) de Belo Horizonte (MG).