Violência doméstica não é só cometida por marido ou namorado; saiba como denunciar
Companheiros, pais, tios, irmãos e homens com outras relações com vítima podem ser enquadrados na lei Maria da Penha
Na última semana, veio a público que a cantora estadunidense Doja Cat foi vítima de violência doméstica e roubo por parte do irmão mais velho. A notícia pegou muitos de surpresa e ficou uma dúvida: um irmão agredir a irmã configura violência doméstica?
A resposta, como tudo na esfera do Direito é: depende. No Brasil, o que precisa ser analisado é o contexto. Segundo a Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Por exemplo, em um conflito entre irmãos por conta de uma herança, onde ambos têm direitos e a briga é apenas pela partilha de determinados bens, não necessariamente é um conflito onde o gênero é um componente. Entretanto, caso um irmão impeça sua irmã de sair com determinada roupa ou, durante brigas, usar termos discriminatórios de gênero, essas situações configuram violência doméstica e familiar.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais explica que "toda pessoa, independente do sexo, que exerça certo poder sobre a mulher que a torne incapaz de se defender pelos meios normais" pode ser considerado agressor pela Lei Maria da Penha.
"Assim, a princípio, estão incluídas as agressões entre casais homossexuais femininas, entre irmã (o) e irmãs, mãe e filha, etc", explica o Tribunal, que continua: "comumente, as agressões ocorrem nas relações entre marido e mulher, mas há também a possibilidade delas ocorrerem entre companheiro e companheira, pai e filha, tio e sobrinha, patrão e empregada, namorado e namorada, etc".
Entre 46 artigos, divididos em sete títulos, um dos destaques da Lei Maria da Penha é o Título II, que configura os espaços em que as agressões são qualificadas como violência doméstica:
- no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas";
- no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
- em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
O Título II da lei traz ainda definição de todas as formas da violência doméstica e familiar:
- a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Como denunciar
O Instituto Maria da Penha indica que "as mulheres devem procurar, em primeiro lugar, um Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRM) em sua cidade. No CRM, elas podem receber orientações para entender a situação pela qual estão passando e obter informações sobre a Lei Maria da Penha e como romper o ciclo da violência".
Caso não exista esse equipamento especializado no local, é possível buscar apoio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), assim como nos núcleos da Defensoria Pública e do Ministério Público.
O Ligue 180, serviço do Governo Federal, onde as mulheres podem registrar denúncias e saber mais sobre programas e equipamentos para atendimento, funciona 24 horas por dia durante todos os dias da semana. E, em casos emergenciais, quando a mulher estiver sob ameaça ou risco de morte, deve ligar para o 190.
Por fim, o Boletim de Ocorrência é essencial e pode ser feito ou nas delegacias ou online e basta procurar “Delegacia Eletrônica/Virtual/Online” na internet e digitar o nome do Estado em que o fato ocorreu. Quando abrir o Boletim de Ocorrência eletrônico, é só selecionar “Violência Doméstica”.