Violência psicológica foi o crime que mais atingiu mulheres no Rio
Autores eram conhecidos de vítimas e maioria dos casos ocorreu em casa
A 18ª edição do Dossiê Mulher, divulgado nesta terça-feira (31) pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, destaca que, pelo segundo ano consecutivo, a violência psicológica foi o crime com o maior número de vítimas mulheres, ultrapassando todas as outras formas de violência sofridas por elas. De acordo com o dossiê, 43.594 mulheres foram vítimas de violência psicológica em todo o estado no ano passado.
Mais da metade dos crimes ocorreu dentro de casa, e a maioria (67,6%) foi cometida por alguém conhecido da vítima. A maior parte delas vítimas tinha de 30 e 59 anos e mais da metade eram negras.
O objetivo do Dossiê Mulher é fornecer estatísticas oficiais para criação de políticas públicas voltadas para proteção, acolhimento e atendimento das mulheres e de todas as pessoas que são vítimas desse tipo de violência. Segundo o dossiê, a Lei Maria da Penha foi aplicada em 63,5% dos casos, marcando predomínio da violência doméstica e familiar. A região metropolitana concentrou a maior parte das vítimas (71,4% do total).
A violência psicológica costuma ser a porta de entrada para outras formas de agressão e é constituída por ameaça, constrangimento ilegal, crime de perseguição, crime de perseguição contra a mulher em razão do gênero, crime de violência psicológica contra a mulher, divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável e registro não autorizado da intimidade sexual.
Políticas públicas
Para o governador Cláudio Castro, o levantamento feito pelo ISP é importante para que políticas públicas de proteção e acolhimento das mulheres possam ser direcionadas com base em evidências,.
“A proteção integral da mulher é prioridade do nosso governo, tanto assim que, pela primeira vez, o estado do Rio tem uma secretaria especialmente voltada para isso. Do ponto de vista da segurança, temos a Patrulha Maria da Penha, que está sendo ampliada, e as delegacias especiais de atendimento à mulher. Também estamos investindo em tecnologia, como é o caso do aplicativo Rede Mulher, no qual a mulher pode pedir ajuda acionando apenas um botão de emergência no seu celular”, afirmou Castro.
A diretora-presidente do ISP, Marcela Ortiz, reforçou a importância da divulgação dos dados coletados, principalmente para que o Poder Executivo crie políticas públicas de proteção e acolhimento baseadas em evidências para essas mulheres. É importante que a sociedade se conscientize e reconheça que essa luta não é apenas de um grupo específico, mas de todos.”
Autores de violência
O Dossiê 2023 traz ainda uma análise pioneira na esfera governamental sobre o perfil etário dos autores de violência contra a mulher no estado, o que facilita a implantação de ações preventivas e educacionais, pautadas na conscientização e direcionadas para diferentes grupos, destacou Castro. Do total de autores de violência contra a mulher em 2022, 52,7% tinham de 30 a 59 anos.
A análise do tipo de crime por idade identificou que, entre os autores com até 17 anos e aqueles na faixa etária de 18 a 29 anos, prevaleceu a prática dos crimes da violência física (40,2% e 42,1%, respectivamente). Já entre os autores de 30 a 59 anos e 60 anos ou mais, destacaram-se os crimes de violência psicológica, com 36,1% e 35,4%, respectivamente.
Para Marcela Ortiz, as informações sobre a idade dos autores permitem mapear as formas de violências praticadas e auxiliar na criação de medidas socioeducativas focadas em cada idade.
Para a secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar, o dossiê traz dados valiosos, que orientam o trabalho da secretaria no sentido de entender como fortalecer a rede de centros especializados de atendimento à mulher, que conta hoje com três unidades estaduais e 55 municipais em todas as regiões do estado. “Esse poderoso instrumento guia a Secretaria da Mulher na capacitação das equipes municipais, fortalecendo a rede para que possa atender melhor as vítimas, e na articulação com órgãos de segurança”, afirmou.
Violência sexual
A violência sexual é considerada uma das formas de agressão mais grave praticada contra as mulheres, destacando, em grande parte, a violação do corpo. Em primeiro lugar, aparece o assédio sexual (92,9%), seguido por importunação sexual (92,8%), tentativa de estupro (90,2%), estupro (87,2%) e violação sexual mediante fraude (82,3%).
O documento revela que aumentaram as notificações de casos estupro e estupro de vulnerável nas delegacia do estado no dia em que ocorreu o crime, representando 26,5% do total, maior percentual dos últimos sete anos. O registro de ocorrência foi feito em até um mês após a data do crime por 63,7% das mulheres, o que significa que as vítimas se sentem mais confiantes nos mecanismos disponíveis de proteção, ao mesmo tempo em que procuram os canais de denúncia.
A violência sexual atinge, em grande parte, mulheres solteiras e negras. No estupro de vulnerável, mais da metade das vítimas tinha até 11 anos (55,6%). Quase um terço das vítimas de estupro tinha de 8 a 29 anos (31,9%). Quanto à relação entre autor e vítima desses crimes, o dossiê revela que os agressores não eram desconhecidos: 25,3% eram companheiros ou ex-companheiros das mulheres. No caso de estupro de vulnerável, 46,4% faziam parte da convivência da vítima. O local com maior incidência de estupro e estupro de vulnerável foi a residência, com 60,4% e 76,8%, respectivamente.
Mais de 125 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar no estado do Rio de Janeiro no ano passado, o que significa que 14 mulheres sofreram algum tipo de violência por hora. Cerca de 21 mil relataram ter sido vítimas de violências simultâneas. A maior combinação foi entre as violências psicológica e moral, seguida pela violência física e psicológica. Mais da metade das mulheres tinham entre 30 e 59 anos. Entre as idosas, 15,8% foram agredidas pelos próprios filhos. Cerca de metade dos autores eram os companheiros ou ex-companheiros das vítimas. A maior parte das violências ocorreu dentro de casa.
Feminicídio
No ano passado, 111 mulheres foram vítimas de feminicídio no território fluminense. Mais de 60% das vítimas tinham entre 30 e 59 anos de idade e eram negras. Os companheiros ou ex-companheiros constituem a maior parte dos autores (80,2%). Dois terços das mulheres eram mães e 57 tinham filhos menores de idade. Em 17 ocorrências, os filhos presenciaram os crimes.
De acordo com o dossiê, em 75% dos casos, o motivo apresentado pelos autores na delegacia foi sentimento de posse, como ciúmes, briga, término de relacionamento e desconfiança de traição. Em 75,1% das vezes, os autores foram presos pela Polícia Civil em flagrante, após investigação ou entrega voluntária. Entre a totalidade das vítimas, 70 mulheres já tinham sido vítimas de algum tipo de violência anterior e não procuraram as autoridades policiais para registrar as agressões sofridas.
Em 2022, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu 37.741 medidas protetivas de urgência para a mulher. Em todos os casos, foi determinado o afastamento do agressor de casa. Os registros de ocorrência comprovam, porém, que 3.587 dessas medidas foram descumpridas, os companheiros e ex-companheiros constituem a maior parte dos autores (82,1%) e mais da metade dos casos ocorreram em uma residência.
Segundo técnicos do ISP, o elevado número de notificações pode indicar que as mulheres não estão tolerando mais as relações violentas e, cada vez mais, temos percebido a busca das mulheres pelos mecanismos oferecidos pelo governo do Estado para proteger sua integridade física e psicológica.
Edição: Nádia Franco