Vítor diCastro: "Vivi a cura gay, hoje sinto orgulho de mim"
Criador do canal "Deboche Astral", que soma mais de 1,5 milhão de seguidores, ator fala sobre homofobia, fazer humor hoje e empoderamento
Ele não é astrólogo, mas construiu uma trajetória de sucesso falando de um jeito muito divertido sobre as características dos signos. Para criar os vídeos do canal "Deboche Astral", que hoje acumula mais de 1,5 milhão de seguidores, Vítor diCastro conta com a consultoria de uma expert em astrologia. Fora isso, a graça com que aborda o assunto e encena os mais diferentes tipos de personagens são fruto da formação em Artes Cênicas.
Natural de Catanduva, no interior de São Paulo, este canceriano de 33 anos "comeu o pão que o diabo amassou", conforme suas palavras, antes de encontrar seu lugar no mundo, se encontrar e usar a voz para defender a comunidade LGBTQIA+. Vítor enfrentou as primeiras dores da homofobia antes mesmo de completar dez anos de idade, ao ser submetido a uma espécie de "cura gay". Duvidou de si mesmo, se julgou, passou fome nos primeiros anos vivendo na capital paulista.
A experiência como editor de vídeos do canal "Quebrando o Tabu", função que exerceu até 2019, o ajudou a entender como usar seu poder de comunicação para defender direitos das minorias e contar suas experiências de vida. Hoje, é um dos influencers mais conhecidos e respeitados do Brasil - tanto que acabou de ganhar o troféu de Influenciador Digital do Ano do Prêmio Cidadania e Respeito à Diversidade LGBT+ da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. "Ser LGBT+ no Brasil ainda é um grande desafio, mas tenho muito orgulho de fazer parte de um time que luta pra mudar essa realidade! Sigamos mais fortes e agora premiados", postou ele, que criou ainda o podcast/videocast "É Culpa do Signo".
Casado desde 2018 com o jornalista Vinícius Cordeiro, Vítor diCastro conta em entrevista exclusiva para o Terra NÓS como é fazer humor no Brasil hoje, além de relembrar momentos de sua jornada.
De uns tempos para cá, você incorporou elementos chamativos à sua imagem, como make, esmalte e maxi brincos, que no início do "Deboche Astral" não usava. O que motivou essa mudança?
Percebi que adquiri uma relevância diferente durante a pandemia, pois outras pessoas passaram a conhecer meu trabalho. Com isso, também passei a ocupar espaços diferentes. Sabe aquela história do "novo normal"? Ninguém é mais normal, né, amiga, mas para mim 2022 foi diferente, minha vida mudou bastante por atingir outros públicos. Foi como se eu acordasse de um coma e me deparasse com outra realidade. E conforme foram me validando e validando meu trabalho, passei a me empoderar e a me sentir mais confortável para experimentar maquiagem, ir à padaria com a unha pintada, usar roupas mais extravagantes. Me permiti me explorar mais e viver o que eu sou e não o que esperam de mim. Ah, claro, também comecei a fazer terapia e isso me ajudou muito.
Você já postou que vivenciou uma espécie de "cura gay" na infância. Como foi esse processo?
Hoje, fazendo terapia DE VERDADE, percebo que enfrentei uma pseudo-terapia. Ainda tenho, sim, questões para entender daquela época, mas hoje tenho orgulho de ser quem sou. Eu tinha apenas 9 anos de idade e, por ser uma criança muito afeminada, os meus pais ouviram o conselho da diretora da escola em que estudava e me levaram para uma terapeuta. Foi uma tentativa de conversão sexual, uma espécie de "cura gay" também, que fez um estrago imenso em mim. Durou uns seis ou oito meses. Não me recordo muito bem, pois acho que bloqueei detalhes das sessões, mas me lembro de apontarem um "problema em mim" e de achar errado ser quem eu era.
Isso impactou você de que forma?
Antes disso eu era uma criança mais solta e liberta, gostava de dançar, de cantar. Passei a me reprimir, não cruzava mais as pernas pois isso era "coisa de menina". Passei dez anos me julgado por ser afeminado e só fui namorar com outro homem depois dos vinte anos. Me mudar para São Paulo e cursar Artes Cênicas me ajudou a entender quem eu era e a me compreender como homem gay. E que não havia nada de errado comigo, com minha orientação sexual e com minhas escolhas. Também não culpo os meus pais, não.
Muita gente reclama do "politicamente correto" no humor, mas você encontrou um caminho certeiro para fazer graça com temas LGBT sem ser cancelado. Qual é o segredo?
Acredito que criar um conteúdo com responsabilidade, analisando sempre o possível impacto, saber sobre o que estou falando e olhar para as discussões e pautas atuais. Eu vivo em 2022, quase 2023, então não posso ignorar o que acontece com as minorias, o que ocorre ao meu redor. Eu não vivo na época de "Os Trapalhões", do "Casseta & Planeta" ou do "Pânico na TV", que, aliás, também produziam coisas que não eram aceitáveis naquele tempo. Se você se propõe a fazer humor, tem que se informar. Quer fazer piada de gay, de LGBT? Então se pergunte: você sabe de quem você está falando?
A diversidade presente em seus vídeos também conta muito, não é?
Sim, porque se falo de astrologia, atinjo todo mundo, certo? Então os castings contam com atores e amigos de idades, raças e corpos diversos. E quando eu me monto como mulher também tenho essa preocupação. Não quero parecer uma Helena do Manoel Carlos. Quantas mulheres existem com esse perfil no Brasil? Eu quero que todo mundo se veja.
A política também é um tema de destaque no seu conteúdo, como o vídeo "5 motivos para não votar no Bolsonaro", que teve mais de 8 milhões de visualizações. Com a eleição de Lula, você se sente mais aliviado em relação ao futuro da comunidade LGBT? Ou o bolsonarismo que se instalou no país e os atos antidemocráticos o amedrontam?
Olha, amiga, viver como LGBT é conviver com medo. Em 2018, com a eleição de Bolsonaro, a patifaria se colocou às claras no Brasil. As máscaras caíram ao ponto de apresentador fazer apologia ao nazismo em podcast. Eu acho que a informação ajuda a lidar com o medo. Sou casado com um jornalista e isso permite embasar meu trabalho e minha visão das coisas. O mundo está mais conservador, sim, mas o novo sempre vem. E a vitória do Lula foi um recado muito bem dado de que o Brasil precisa mudar.
Com o sucesso e a visibilidade do "Jornada Astral" (HBO Max, 2021) ao lado da Angélica você passou a fazer mais campanhas e publis e, claro, a ganhar mais dinheiro. Você é consumista? Com o que gosta de gastar?
Você acredita que eu gosto de gastar dinheiro com o trabalho? Sério, eu invisto muito na produção dos vídeos do meu canal. Não ligo para bolsas Gucci ou coisas do tipo, prefiro gastar naquilo que realmente me faz bem. E gasto também com comida, provalvemente para compensar tudo o que eu não podia comer, por falta de dinheiro, quando me mudei para São Paulo.
Quais são seus planos para 2023? Pretende ter filhos?
Quero ser pai, mas não agora. Quero montar uma casa gostosa e ter tempo para me dedicar à criança ou às crianças, porque talvez tenha mais de um filho. Sou canceriano, né? Nem penso em ser um pai do tipo ausente. Quanto aos projetos profissionais, quero explorar mais o meu lado ator não só nos vídeos do "Deboche Astral", como em uma peça de teatro.
Faria uma novela ou participaria de um reality show?
Sim e sim. Aliás, já me inscrevi mais de uma vez no "Big Brother Brasil". Tenho muita curiosidade em saber como tudo aquilo funciona, como são os jogos, onde ficam as câmeras.
Você é bem expansivo e fala sobre tudo. Existe alguma pergunta que nunca fizeram a você e que gostaria de responder?
Acredita que nunca me perguntaram qual é o meu filme favorito? É "Titanic". Acho lindo, morri de chorar quando vi pela primeira vez e já revi várias vezes. Assim que conheci o Vinícius fiz com que ele assistisse comigo. Adoro!
E quais as suas apostas para os signos da Rose (Kate Winslet) e do Jack (Leonardo DiCaprio)?
Ah, a Rose é libriana, né? Meio sonsa, indecisa... E o Jack OBVIAMENTE é de Peixes. Só um pisciano não se daria conta de que também poderia subir facilmente naquela porta e se salvar.