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Yanomamis de 9 aldeias estão contaminados por mercúrio, aponta estudo da Fiocruz; entenda riscos

Pesquisadores alertam que o cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento principalmente das crianças menores de 5 anos que vivem na região. Governo diz adotar medidas

4 abr 2024 - 13h43
(atualizado às 13h50)
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Mineração ilegal no Território Yanomami em Roraima
Mineração ilegal no Território Yanomami em Roraima
Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

Indígenas do povo Yanomami de nove aldeias localizadas em Roraima estão contaminados com mercúrio, conforme revela pesquisa divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os pesquisadores identificaram a presença do metal pesado em amostras de cabelo de aproximadamente 300 pessoas analisadas, incluindo crianças e idosos. O estudo realizou as coletas na região do Alto Rio Mucajaí, em outubro de 2022.

  • Os maiores níveis de exposição foram detectados em indígenas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais de ouro com atuação de décadas na região, de acordo com o estudo "Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente" realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).

"O garimpo é o maior mal que temos hoje na Terra Yanomami. É necessário e urgente a desintrusão e a saída desses invasores. Se o garimpo permanece, permanece também a contaminação, devastação, doenças como malária e desnutrição e isso é o resultado dessa pesquisa, é a prova concreta", alerta Dário Vitório Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY).

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Resultados da pesquisa

  • Das 287 amostras de cabelo examinadas, 84% registraram níveis de contaminação por mercúrio acima de 2,0 µg/g. Já 10,8% ficaram acima de 6,0 µg/g, índice considerado alto, que requer atenção especial e investigação complementar. "Nas duas faixas de contaminação, é necessário notificar os casos ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a fim de se produzir estatísticas oficiais sobre o problema na região", reforça a Fiocruz.

Ainda de acordo com a pesquisa, ao realizar exames clínicos nos pacientes para identificar doenças crônicas não transmissíveis, como transtornos nutricionais, anemia, diabetes e hipertensão, foi constatado que nos indígenas com pressão alta, os níveis de mercúrio acima de 2,0 µg/g eram mais frequentes do que nos indígenas com pressão arterial normal.

O estudo também analisou 47 amostras de peixes, 14 de água e sedimentos do Rio Mucajaí e afluentes. Todas as amostras de peixes apresentaram algum grau de contaminação por mercúrio.

"As maiores concentrações foram detectadas em peixes carnívoros, em espécies muito apreciadas na Amazônia, tais como o mandubé e piranha. A análise do risco atribuível ao consumo de pescado revelou que a ingestão diária de mercúrio excede em três vezes a dose de referência preconizada pela Agência de Proteção Ambiental do governo estadunidense (U.S.EPA)", afirma a Fiocruz.

Ainda de acordo com a pesquisa, a análise das amostras de água não revelou contaminação por mercúrio. Por outro lado, duas amostras de sedimentos apresentaram níveis de mercúrio acima do nível 1 da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que trata do tema.

"Não é a primeira vez que a Fiocruz faz uma pesquisa na Terra Yanomami e que comprova que os nossos parentes estão contaminados pelo mercúrio. Isso é muito grave. As nossas crianças estão nascendo doentes. As mulheres estão doentes, os nossos velhos estão doentes. O nosso povo está morrendo por causa do garimpo", afirma Kopenawa.

Procurado, o governo federal ainda não se pronunciou sobre a análise da Fiocruz. No fim de fevereiro, a gestão Lula anunciou a criação de um hospital indígena em Boa Vista, sem data para conclusão, e 22 unidades básicas de saúde que devem ser entregues ainda neste ano.

A Terra Indígena Yanomami registrou 363 mortes em 2023, mesmo após a ação de uma força-tarefa do governo federal para conter a crise humanitária no local. O número é maior que o registrado em 2022, quando houve notificação de 343 mortes.

Em janeiro do ano passado, o governo federal decretou estado de emergência na região após altos índices de morte principalmente por malária e desnutrição. A gestão realizou operações para a retirada de garimpeiros e reabriu seis dos sete polos-base existentes no território Yanomami. Apesar disso, o governo reconheceu no fim de fevereiro que as ações não deram conta de sanar a crise.

"O ano de 2023 não foi suficiente para a gente resolver toda a situação instalada ali, com a presença do garimpo, com a presença de quase 30 mil garimpeiros convivendo ali diretamente no território, aliciando e violentando os indígenas, impedindo que as equipes de saúde chegassem ali. Agora a gente sai desse estado de ações emergenciais e passamos ao estado de ações permanentes a partir da instalação da Casa de Governo em Boa Vista", argumentou na oportunidade a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.

Risco maior para crianças menores de 5 anos

"Esse cenário de vulnerabilidade aumenta exponencialmente o risco de adoecimento das crianças que vivem na região e, potencialmente, pode favorecer o surgimento de manifestações clínicas mais severas relacionadas à exposição crônica ao mercúrio, principalmente nos menores de 5 anos", explica o coordenador do estudo, Paulo Basta, médico e pesquisador da Ensp/Fiocruz.

Diante do atual cenário, os pesquisadores enumeram recomendações que devem ser colocadas o quanto antes em prática. "Como ações emergenciais, mencionam interrupção imediata do garimpo e do uso do mercúrio, desintrusão de invasores e a construção de unidades de saúde em pontos estratégicos da Terra Indígena Yanomami", acrescenta a Fiocruz.

Também propõem que seja feita a atualização da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi), que seja assegurada a presença regular de profissionais de saúde e que se invista na formação continuada de agentes indígenas de saúde, conforme sinaliza a pesquisa.

O estudo também indica como necessárias ações específicas para as populações expostas e potencialmente expostas ao mercúrio, tais como:

  • Rastreamento de comunidades cronicamente expostas ao mercúrio, para a realização de diagnósticos laboratoriais tempestivos a fim de avaliar pessoas com quadros sugestivos de intoxicação por mercúrio já instalados;
  • Elaboração de protocolos e rotinas apropriadas para diagnóstico e tratamento de pacientes com quadro de intoxicação por mercúrio estabelecido;
  • Criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos e/ou com sequelas reconhecidas.

Níveis mais elevados de mercúrio no corpo apresentam sinais de alerta:

  • Déficits cognitivos;
  • Danos em nervos nas extremidades, como mãos, braços, pés e pernas, com mais frequência;
  • Conforme orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS), níveis acima de 6 microgramas de mercúrio por grama de cabelo (µg.g-1 ) podem trazer sérias consequências à saúde, principalmente aos grupos vulneráveis. Assim, não há limite seguro para exposição.

Outros testes clínicos também foram realizados nas aldeias

Mais de 80% dos participantes relataram ter tido malária ao menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da doença por indivíduo. "Em 11,7% dos indivíduos testados, foi possível identificar casos de malária vivax e falciparum sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença", afirma a Fiocruz.

Mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade apresentaram desnutrição aguda. Além disso, segundo a pesquisa, 80% apresentaram déficits de estatura para idade, o que sugere, de acordo com os parâmetros da OMS, um estado de desnutrição crônica.

"Outro dado alarmante é referente à cobertura vacinal: na região do estudo, apenas 15,5% das crianças estavam com as vacinas do calendário nacional de imunização em dia", cita o estudo.

Estadão
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