A dura vida dos trabalhadores ilegais na Alemanha
Nove de cada dez ajudantes domésticos trabalham clandestinamente no país. Diversas tentativas de trazê-los para a legalidade fracassaram. Mas há histórias de sucesso, como mostra o caso de uma berlinense.Heike tem que se abaixar muito para tirar os pratos ainda quentes da máquina de lavar louça industrial. Com um puxão, consegue levantar o cesto de dez quilos. Passa o pano seco, arruma, e cuida da próxima leva.
"Tem gente que só vê você como faxineira, como o elo mais baixo da sociedade: 'Você limpa a minha sujeira e eu lhe pago.' Mas aqui as pessoas me tratam com respeito", comenta a berlinense de 55 anos.
Há um ano ela faz faxina numa firma no leste da capital alemã, arruma a cozinha e, junto com sua equipe, limpa os 5 mil metros quadrados do escritório de planta livre, em toda a legalidade. Antes, ela trabalhava clandestinamente, sem pagar impostos, mas também sem nenhuma garantia trabalhista.
"Vivi durante muito tempo de ajuda social, porque simplesmente não encontrava nenhum trabalho. Assim que liam no meu currículo que eu tinha sete filhos, já era." Para sustentá-los, Heike coletava garrafas e papel reciclável e trabalhava para vizinhos fazendo limpeza e compras, formando assim uma boa reputação.
Logo conseguiu uma série de clientes, mas sempre perseguida pelo medo: "Era uma sensação péssima. E se alguém denunciasse e de repente você tivesse que pagar uma multa?" Em 2015, Heike pôde se livrar desse medo, depois que montou sua própria firma de limpeza, contando atualmente seis funcionários.
Mas para cerca de 1 milhão de cidadãos da Alemanha, o trabalho clandestino ainda é seu dia a dia. De acordo com um estudo do Instituto da Economia Alemã (IW), eles trabalham sem registro em quase 3 milhões de lares do país.
Trata-se principalmente de mulheres que ajudam nos trabalhos domésticos, por uma pequena remuneração horária - para Heike, eram apenas dez euros. Se a ajudante doméstica não registrada é descoberta, está sujeita a multas e perda do trabalho. Se recebe benefícios sociais, pode ser até condenada por fraude.
Numa visita ao apartamento de Heike na antiga Berlim Oriental, a ex-vendedora de padaria pede desculpas pela bagunça ao abrir a porta. Passando por um corredor estreito, chega-se a seu quarto, com uma cama de solteiro e uma pequena mesa.
Um saco de lixo cheio de garrafas retornáveis está pendurado em paredes que não veem pintura há muito tempo. Ainda hoje Heike as coleta, explica, porque apesar da empresa própria, muitas vezes o dinheiro é escasso.
"No mês passado foi realmente péssimo, mais uma vez só 400 euros." Durante quatro semanas ela não pôde trabalhar devido a uma operação no joelho. "E se eu não estou trabalhando junto, não sobra nada."
Só de seguro de saúde, ela paga mensalmente 2 mil euros por seus empregados. Ela gostaria de aumentar o salário, mas os empregadores não estariam dispostos a pagar uma tarifa mais alta, "porque quem limpa clandestinamente está achatando os preços".
Ela mexe seu café com leite com a colher e relembra os contatos na cena dos trabalhadores clandestinos. Muitos sabem que há pouco controle. "E se houver, preferem correr o risco. A maioria diz: 'Não ligo, eu recebo minha ajuda social de qualquer jeito.'" Por isso, há anos os políticos vêm tentando facilitar o emprego legal de ajudantes de limpeza.
Os contribuintes agora podem abater a ajuda doméstica em suas declarações. Além disso, as faxineiras, que trabalham no regime informal de "miniemprego", podem ganhar até 450 euros legalmente e sem impostos. Os empregadores pagam apenas pequenas taxas. Mas a luta contra o trabalho ilegal continua difícil.
Entre 2005 e 2017, a parcela do auxílio doméstico não declarado diminuiu apenas cinco pontos percentuais, para cerca de 89%. "Falta disposição para pagar", diz o professor Dominik Enste, economista do Instituto da Economia Alemã de Colônia e editor do Estudo sobre ajuda doméstica. Além disso, muitos ainda veem esses serviços como uma ajuda entre vizinhos, em vez de um trabalho regular.
Para Heike, está claro que é preciso mais honestidade por parte dos empregadores, embora ressalvando que também os impostos e taxas têm que ser reduzidos, "senão, a coisa toda não vale a pena".
No escritório de planta livre onde ela e sua equipe trabalham, a cozinha brilha novamente. Heike coloca os últimos garfos na gaveta, sorrindo satisfeita. O trabalho está lhe fazendo bem, comenta. Além disso, ela perdeu 30 quilos e vive de consciência tranquila. E o mais importante de tudo: "Sou um bom exemplo para os meus filhos."
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