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A modelo brasileira que viralizou ao fazer faxina para pessoas com depressão

Ellen Milgrau já acumula mais de 30 milhões de visualizações. Ela conta que o projeto começou após pedido de ajuda de amigo.

28 jul 2022 - 21h10
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Ellen Milgrau faz faxinas nas casas de pessoas que enfrentam problemas de saúde mental
Ellen Milgrau faz faxinas nas casas de pessoas que enfrentam problemas de saúde mental
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

Louças acumuladas, roupas sujas, restos de comida nos cômodos, incontáveis baratas e até mesmo larvas. Essas são algumas das coisas que a modelo Ellen Milgrau encontrou em casas que visitou nas últimas semanas.

Ela foi a esses lugares com um objetivo: limpar as residências para melhorar a qualidade de vida dos moradores, que enfrentam a luta contra a depressão.

Sem ânimo, muitos dos responsáveis por essas casas não conseguiam sequer limpar os cômodos.

"Às vezes a pessoa não consegue nem levantar para tomar banho. Tem situações em que não é justo chamar uma faxineira porque a sujeira está muito crítica", diz a modelo à BBC News Brasil.

A faxina feita por ela é parte de uma série de vídeos que a modelo começou a compartilhar em seu perfil no TikTok no início de março. Essas publicações viralizaram e acumulam mais de 30 milhões de visualizações somente nessa rede social.

'Ele precisava de ajuda'

Ellen conta que o projeto, chamado de Faxina Milgrau, tem relação com o hábito de limpeza que possui desde pequena. Ela considera que o local em que vive precisa estar livre da sujeira para que as coisas fiquem bem. "Parece que a vida só funciona quando a casa tá limpa", comenta.

O Faxina Milgrau, diz Ellen, surgiu quando ela precisou ajudar um amigo em depressão que estava com dificuldades para limpar a própria casa.

"A gente costumava falar: vamos fazer uma intervenção, chegar com as vassouras e tudo na sua casa. A gente só falava, mas chegou um momento em que ele realmente pediu ajuda", diz Ellen.

Vídeos do Faxina Milgrau têm milhões de visualizações no TikTok
Vídeos do Faxina Milgrau têm milhões de visualizações no TikTok
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

A modelo e a amiga, a publicitária Lua Rodrigues, decidiram registrar a limpeza em um vídeo no TikTok. Para Ellen, que também é influenciadora digital, foi um teste sobre o conteúdo que realmente agradaria o público. Ela conta que ainda avaliava a melhor forma de usar a rede social de vídeos.

"Eu pensava em alguns nichos, como maquiagem, porque queria crescer no TikTok. E o que desse certo, seguiria nesse nicho. Quando falamos sobre gravar a faxina, pensei: é um conteúdo que eu gosto e pode dar certo", explica Ellen.

Os vídeos de limpeza foram inspirados em publicações da finlandesa Auri Katariina, que se tornou um fenômeno mundial ao fazer faxinas nas casas de pessoas que enfrentam problemas de saúde mental ou outras dificuldades que as impedem de conseguir limpar o local em que moram.

Logo na primeira faxina, na casa do amigo, a publicação de Ellen fez sucesso na rede social. Em poucos dias passou de 2 milhões de visualizações.

A repercussão positiva fez com que a modelo seguisse com os vídeos. Para ela, foi uma forma de fazer algo que gosta, ajudar outras pessoas e ainda fazer com que o público a conhecesse melhor.

"Com isso, consigo sair da minha zona de conforto e também mostrar um lado que muitas pessoas não têm ideia sobre mim. Acham que por ser modelo sou intocável ou nasci rica. Não sou nada disso. Não nasci rica ou herdeira", declara Ellen.

Imagem mostra parte da casa que recebeu ajuda do projeto nesta semana
Imagem mostra parte da casa que recebeu ajuda do projeto nesta semana
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

A busca por participantes

Depois da repercussão do primeiro vídeo, Ellen e Lua começaram a busca por uma segunda pessoa que estivesse em situação parecida.

Lua anunciou em diversos lugares na rede até achar outro caso: uma mãe e uma filha que moram juntas, enfrentam a depressão e estavam com a casa suja.

Com exceção do primeiro episódio, nenhum participante teve a identidade divulgada no projeto para evitar a exposição por revelar detalhes muito pessoais.

Com a repercussão dos vídeos, Ellen e Lua passaram a receber inúmeras mensagens por e-mail, pelo Instagram e TiKTok de pessoas pedindo para serem ajudadas. Para definir em qual casa irão, elas olham fotos do local e conhecem melhor a história do morador do imóvel.

"A gente já consegue identificar quem são aqueles que buscam a gente e realmente precisam da nossa ajuda", diz Ellen.

No início, a modelo e a publicitária faziam as faxinas sozinhas - Lua aparece raramente nos vídeos, pois é a responsável pelas gravações. Diante da repercussão dos vídeos, conseguiram voluntários para ajudá-las.

Ao menos por enquanto, todas as residências foram em São Paulo por questões financeiras. Toda a produção é feita de modo independente, diz Ellen, pois ao menos por enquanto não há nenhum patrocinador. Em razão disso, elas só conseguem atender uma casa por semana, em uma faxina que não tem horário estipulado para acabar - nos últimos episódios foram cerca de sete horas para concluir a limpeza.

Quando não está limpando as casas, Ellen se dedica à carreira de modelo ou faz publicidades para as suas redes sociais. "Não é com a faxina que a gente ganha dinheiro, por isso não conseguimos viver só disso no momento", comenta a modelo.

Ellen segue com a carreira de modelo e acredita que os vídeos de limpeza podem ser uma forma de muitas pessoas mudarem a visão que têm sobre ela
Ellen segue com a carreira de modelo e acredita que os vídeos de limpeza podem ser uma forma de muitas pessoas mudarem a visão que têm sobre ela
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

'Uma situação muito precária'

Já foram publicados quatro episódios no TikTok. Para Ellen, a história mais marcante foi a do terceiro caso, no qual uma jovem de 21 anos morava sozinha e sofria com uma depressão grave. "Era uma situação muito precária. Ela foi completamente abandonada pela família depois que perdeu um ente querido, estava sem amigos e morando em São Paulo. Isso mexeu muito comigo", diz.

No vídeo, Ellen contou que a jovem não limpava a casa havia 10 meses. No local havia lixo por todos os lados e muitas baratas. "Teve um momento, durante a limpeza, em que ela (a jovem de 21 anos) desabou, começou a chorar, se sentir culpada e ficou com muita vergonha por a gente estar fazendo isso por ela. Mas a gente explicou pra ela, a gente a acolheu e deu tudo certo, ela ficou muito feliz ", disse Ellen no vídeo.

Outro caso marcante para a modelo foi o do quarto episódio: uma mãe que perdeu a guarda da filha. "Quando a gente viu as fotos do apartamento, falou: o lugar tá num nível de sujeira que a gente quer, vai ser tranquilo. Mas quando chegamos, era muito pior. O cheiro era muito forte, num nível de passar mal. Ela estava três meses sem a filha, enfrentava uma depressão e tinha muita sujeira", relembra a modelo.

As mulheres do terceiro e quarto episódio conseguiram terapia gratuita por meio de um psicólogo que se ofereceu para ajudá-las.

Depressão e cuidados do cotidiano

Assim como as pessoas que visita, Ellen também sofre de depressão. "Eu faço tratamento e entendo as dificuldades que essas pessoas enfrentam."

Ellen, Lua e as voluntárias Jady Carvalho e Fernanda Garroux em um dia de limpeza do Faxina Milgrau
Ellen, Lua e as voluntárias Jady Carvalho e Fernanda Garroux em um dia de limpeza do Faxina Milgrau
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

O psiquiatra Higor Caldato explica que é comum que uma pessoa em depressão não consiga ter os cuidados considerados mais simples. "Um dos principais sintomas da depressão, assim como a tristeza e a irritabilidade, é a perda de energia e a perda de prazer nas coisas", diz à BBC News Brasil.

"Isso faz com que as pessoas não consigam, muitas vezes, fazer as tarefas mais simples do cotidiano, como as domésticas e também as de autocuidado como banho e exercício físico. E isso não é porque a pessoa não quer, é porque ela não consegue e está sem energia para fazer suas atividades", acrescenta.

Mas ele destaca que nem todas as pessoas em depressão terão esses sintomas. "Hoje é muito comum a gente perceber aquilo que chamamos de depressão funcional, que é o paciente que mesmo deprimido faz suas atividades rotineiras, mas à custa de muito esforço, de um sofrimento muito grande", diz.

Em caso de suspeita da doença, o especialista ressalta que é fundamental procurar ajuda por meio de psiquiatra ou psicólogo para fazer o tratamento adequado.

"Tem muitos sintomas de depressão que são vistos como bobagem, como besteiras. O ideal é buscar ajuda especializada. Por serem sintomas emocionais, as pessoas não conseguem identificar em exames de sangue, de raio-X", diz.

No caso daqueles que não conseguem sequer limpar a própria casa, o psiquiatra pontua que a bagunça pode piorar o quadro depressivo. "Isso faz com que a sensação de incapacidade cresça dentro da pessoa e aumenta ainda mais a sensação de impotência e inferioridade", declara Caldato.

A limpeza da casa, comenta Ellen, é um pequeno passo para ajudar uma pessoa que enfrenta a doença. "Nos comentários muitos dizem: 'ah, daqui a uma semana volta tudo como antes'. Mas eu acredito que eles podem manter (a limpeza) porque esse pode ser o gás que precisam para seguir, Depois disso, eles podem dormir melhor e até pensar melhor", afirma a modelo.

O melhor exemplo de como a faxina pode ajudar, diz Ellen, é o de seu amigo que participou do primeiro episódio do projeto. "Ele mantém a casa limpa até hoje e sempre manda foto mostrando pra gente", conta a modelo.

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