A "saudação romana" de Elon Musk é, sim, um gesto de inspiração fascista. E a História explica por quê
Quando Elon Musk fez um gesto que muitos viram como um gesto fascista, seus apoiadores afirmaram que se tratava de uma saudação romana. Mas isso não é verdade.
Com que frequência você pensa sobre o Império Romano? Elon Musk afirma que pensa nisso todos os dias. Considerando suas frequentes referências à antiguidade romana em entrevistas e posts na rede social X (antigo Twitter), da qual é o proprietário, acho que podemos acreditar nele.
Desde expor suas opiniões sobre a queda do Império Romano até expressar seu desejo de ver um "Sulla moderno", as opiniões de Musk sobre a Roma antiga exigem nossa atenção.
Sulla, a propósito, foi o notório ditador do século I a.C. que mandou assassinar centenas de seus oponentes políticos.
No último dia 20 de janeiro, no comício que marcou a posse de Donald Trump para seu segundo mandato, Musk cumprimentou a multidão: "Eu só quero dizer obrigado, por fazer isso acontecer. Obrigado". Então colocou a mão direita sobre o coração e estendeu o braço, com o cotovelo reto, em um ângulo de aproximadamente 45 graus, com a palma da mão estendida e voltada para baixo. Em seguida, virou-se para o público atrás do palco e repetiu o mesmo gesto, de forma enfática.
Muitos que viram a cena foram rápidos em afirmar que Musk estava fazendo uma saudação da Alemanha nazista - inclusive o chanceler alemão Olaf Scholz, que fez duras críticas públicas ao gesto.
Mas a História ensina que esse gesto com o braço esticado - apesar de comumente vinculado a Adolf Hitler - foi popularizado pela primeira vez mesmo pelo líder fascista italiano Benito Mussolini, que governou a Itália como ditador entre 1922 e 1943, integrando, ao lado da Alemanha e do Japão, o "Eixo" contra o qual lutaram os aliados, liderados pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, nos anos finais da Segunda Guerra Mundial.
Os apoiadores de Musk na mídia social - especialmente no X - apontaram para o entusiasmo de Musk pela Roma antiga. Eles insistiram que não se tratava de um gesto fascista, mas de uma "saudação romana". Vários postaram cenas de saudações vistas na série de TV Roma, veiculada entre 2005 e 2007 pela HBO, como uma prova de sua alegação.
Salva de Musk.
Mas qual é a diferença, se é que existe alguma, entre uma saudação romana e uma fascista?
Nenhuma evidência de Roma
Aqueles de nós que pesquisam e ensinam a antiguidade romana, como eu faço, dirão que não há evidências de que tenha existido algo como uma "saudação romana" na antiguidade.
Martin Winkler, em seu estudo sobre a história do gesto, sugere que a saudação romana é uma invenção moderna. Por exemplo, em um dos mais completos monumentos iconográficos do militarismo e imperialismo romanos, a Coluna de Trajano (construída em Roma em 113 d.C. com os despojos das guerras dacianas no que hoje é a Europa Oriental), não há um único gesto semelhante à saudação romana. Também não temos nenhuma estátua de imperadores ou comandantes romanos realizando o gesto.
O mais próximo que chegamos de uma saudação romana são representações de uma palma da mão levantada, com o cotovelo dobrado, em um sinal de saudação - um pouco como um aceno moderno. Nada disso se aproxima remotamente da variedade de braço reto do tipo realizado por Musk.
Foi durante o período da Revolução Francesa que o gesto foi inventado por republicanos revolucionários que enquadravam sua política como um renascimento da república romana. O melhor exemplo dessa invenção classicista é a pintura de Jacques-Louis David de 1784, The Oath of the Horatii (O juramento dos Horatii), que mostra os três irmãos Horatii patriotas fazendo um juramento para defender a república contra um ataque da cidade rival de Alba no início da história romana.
O Juramento dos Horatii de Jacques-Louis David (1784 e 1785).Exemplos posteriores incluem uma escultura de 1921 de François-Léon Siccard no Panthéon de Paris. Essa escultura, The National Convention, é especialmente interessante porque a saudação romana ainda tem seu significado republicano francês, embora a escultura seja posterior à adoção da saudação pelos fascistas italianos em dois anos.
Seguindo o exemplo francês, a saudação foi adotada por outras repúblicas, incluindo, em certos contextos, os EUA, do final do século XIX até o início da década de 1940.
De fato, quando uma versão inicial do atual juramento de lealdade americano foi introduzida em 1892 na Feira Mundial de Chicago, sua recitação foi acompanhada pela "Bellamy salute" - uma forma semelhante do gesto.
O caminho para o fascismo
A jornada da saudação romana para se tornar inextricavelmente associada à política de extrema direita começou quando um movimento liderado pelo poeta e nacionalista italiano Gabriele D'Annunzio ocupou a cidade de Rijeka, na época iugoslava, em 1919. Rijeka, chamada Fiume em italiano, é uma cidade na costa adriática da Croácia que tinha uma grande população italiana na época. Portanto, os nacionalistas italianos a consideravam legitimamente italiana.
D'Annunzio, juntamente com um exército de veteranos italianos da Primeira Guerra Mundial, ocupou a cidade em 1919 para estabelecer o que eles chamaram de "Regência de Carnaro", que durou até o ano seguinte. Durante a curta vida dessa cidade-estado, D'Annunzio estabeleceu vários símbolos e gestos que, segundo ele, eram derivados da Roma antiga: o grito de guerra, supostamente de origem romana, "alalà" e a "saudação romana".
Gabriele d'Annunzio (no centro com a bengala) e alguns 'legionários' do corpo de Arditi (tropas de choque) do exército italiano, em Fiume, em 1919.Antes da ocupação de Rijeka, D'Annunzio estava profundamente imerso nos mundos da Grécia e da Roma antigas. Ele escreveu vários poemas e peças inspirados na antiguidade greco-romana e, supostamente, também escreveu o roteiro de Cabiria, um filme mudo de 1914 ambientado na Roma antiga na época da Segunda Guerra Púnica (contra Cartago, que durou de 218 a 201 a.C.).
Há várias cenas em que vemos a saudação que reapareceria em Rijeka cinco anos depois. No desenvolvimento do simbolismo fascista, a vida imitava a arte.
Logo depois disso, quando Benito Mussolini fundou o movimento fascista italiano em 1919, ele adotou a saudação de D'Annunzio.
Embora os elementos modernistas e classicistas do próprio movimento fascista estivessem em tensão entre si, grande parte do simbolismo clássico da Regência de Carnaro foi adotada pelo fascismo de Mussolini.
Winkler sugere que D'Annunzio se inspirou em Júlio César, enquanto Mussolini se inspirou em D'Annunzio. O fascismo de Mussolini, que se transformou em um partido político, entrou no governo em outubro de 1922, após a agora infame Marcha sobre Roma. Três anos depois, em 1925, Mussolini já havia se estabelecido como ditador da Itália.
Mais ou menos na mesma época da Marcha sobre Roma, o crescente Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães na Alemanha começou a usar a saudação. Em 1926, ela era obrigatória para os membros. Desde então, a saudação foi irreversivelmente associada ao nacionalismo de extrema direita e adotada por movimentos neonazistas em todo o mundo.
Conclusão: poucos se lembram que as origens da saudação remontam os anos de Revolução Francesa no século XVIII. E menos ainda - incluindo, aparentemente, o próprio Elon Musk, que ela não tem nada a ver com a Roma Antiga, e sim com a Itália fascista de Benito Mussolini.
Samuel Agbamu não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.