Advogados de Portugal rompem reciprocidade e OAB reage: 'Mentalidade colonial foi derrotada'
Beto Simonetti, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que rompimento de acordo que permitia a inscrição de advogados brasileiros nos quadros da advocacia de Portugal, e vice-versa, pegou a classe de surpresa
A Ordem dos Advogados Portugueses decidiu, de 'surpresa', romper um acordo de reciprocidade que mantinha com a Ordem dos Advogados do Brasil. O trato permitia a inscrição de advogados brasileiros nos quadros da advocacia de Portugal, e vice-versa.
O rompimento foi comunicado nesta terça-feira, 4, e gerou reação por parte do presidente da entidade, Beto Simonetti. Ele diz que a OAB vai defender os direitos de advogados brasileiros atuarem em Portugal e cita 'pressões governamentais' sobre a entidade portuguesa.
Simonetti contextualizou a ruptura. Disse que a OAB mantinha com a classe dos bacharéis de Portugal um diálogo com vistas a aperfeiçoar o 'convênio', considerando que a 'realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países evoluiu desde a assinatura do acordo'.
Nessa toada, Simonetti destacou que, durante a negociação, a OAB se opôs a mudanças que 'validassem textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros'.
O presidente da OAB não vinculou diretamente tal embate com o fim do pacto, mas deu ênfase para tal aspecto das negociações.
"A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações", ressaltou.
O presidente do Conselho Federal ainda afirmou que a Ordem vai tomar 'todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa está se retirando'.
"Paralelamente, a Ordem dos Advogados do Brasil buscará a retomada do diálogo, respeitando a autonomia da Ordem dos Advogados Portugueses e compreendendo que a entidade europeia enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais", ponderou a entidade.
'Dificuldades na adaptação'
A Ordem dos Advogados Portugueses anunciou o rompimento do pacto de reciprocidade com a OAB sustentando que no país europeu 'têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil': "o que, inevitavelmente, tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes".
A entidade sustenta que normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito no ordenamento português e no ordenamento brasileiro 'já não são sequer equiparáveis'.
"É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos Advogados(as) brasileiros(as) e portugueses(as) quando iniciam a sua atividade em Portugal ou no Brasil", sustentam os advogados de Portugal.
A entidade ainda alegou 'sérias e notórias dificuldades na adaptação dos advogados brasileiros ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e às plataformas jurídicas' - "O que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos portugueses, de forma recíproca os dos cidadãos brasileiros".
Leia a íntegra da nota dos portugueses
Tal como já tinha sido oportunamente divulgado pelo Conselho Geral de Ordem dos Advogados (CGOA), temos vindo a manter um diálogo aberto com Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), com vista a introduzir alterações ao Acordo de Reciprocidade que existe há muito entre a Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) e o CFOAB.
O atual regime de reciprocidade permite a inscrição na Ordem dos Advogados Portugueses de Advogado brasileiro com dispensa da realização de Estágio e da obrigatoriedade de realizar prova de agregação (cfr. n.º 2, do artigo 17.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários) e o o Provimento n.º 129/2008, datado de 8 de Dezembro de 2008, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que regulamenta a inscrição de Advogados portugueses na Ordem dos Advogados do Brasil, estabelece no seu artigo 1.º que "O advogado de nacionalidade portuguesa, em situação regular na Ordem dos Advogados Portugueses, pode inscrever-se no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos do art.º 8.º da Lei n.º 8.906, de 1994, com a dispensa das exigências previstas no inciso IV e no 4 § 2.º, e do art. 20.º do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB".
Embora possa ter existido uma matriz de base comum aos ordenamentos jurídicos de ambos os países, constata-se que em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil, até por força da aplicabilidade e transposição para o direito interno português do direito da União Europeia, o que, inevitavelmente, tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes.
Pelo que, as normas jurídicas atualmente em vigor em alguns ramos do Direito num e noutro ordenamento jurídico, já não são sequer equiparáveis.
É do conhecimento geral que existe uma diferença notória na prática jurídica em Portugal e no Brasil, e bem assim dos formalismos e plataformas digitais judiciais, sendo efetivo o seu desconhecimento por parte dos Advogados(as) brasileiros(as) e portugueses(as) quando iniciam a sua atividade em Portugal ou no Brasil, verificando-se que ocorre, por isso mesmo, a prática de atos próprios de Advogado de elevada complexidade técnica, por quem não dispõe da necessária formação académica e profissional no âmbito dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.
Verifica-se ainda que, no quadro atualmente vigente, existem sérias e notórias dificuldades na adaptação dos Advogados(as) brasileiros(as) ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e bem assim às plataformas jurídicas em uso corrente, o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos(as) cidadãos(ãs) portugueses(as) e, de forma recíproca os(as) dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as).
Cumpre ainda salientar que foram recentemente transmitidas à OAP inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como Advogado(a) nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo.
As conversações entre as instituições decorreram entre o mês fevereiro e o mês de junho de 2023, porém, segundo informação que nos foi remetida através de correio eletrónico ao final do passado dia 28 de junho de 2023, o CFOAB afirmou não dispor de condições para poder proceder às alterações do atual regime de reciprocidade (e que mereceram o acordo de ambas as instituições no passado dia 23 de maio de 2023), nem no imediato, nem dentro de um prazo considerado por este CGOA como razoável.
Assim, sem embargo do espírito de cooperação e amizade que pontifica as relações entre as duas ordens profissionais, perante a gravidade das questões acima identificadas e amplamente conhecidas, bem como a especial repercussão social que delas decorre, designadamente, no que se refere à garantia de uma efetiva proteção dos interesses legítimos dos(as) cidadãos(ãs) de ambos os países, deliberou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados Portugueses, reunido em sessão plenária do dia 3 de julho de 2023, por unanimidade dos presentes, fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as) atualmente em vigor, com efeitos a partir de 5 de julho de 2023, na medida em que apenas tal cessação se apresenta como suscetível de colmatar as preocupações conjuntamente identificadas e acima elencadas, mais tendo sido deliberado que se promova a adaptação da respetiva regulamentação interna referente à inscrição de Advogados, em conformidade com o ora decidido, salvaguardando-se, contudo, os processos de inscrição que se encontrem em curso ao abrigo do regime de reciprocidade.