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Ajudar sem esperar nada em troca: quando começou o altruísmo humano?

Um grupo de neandertais ajudou uma menina com síndrome de Down a sobreviver por seis anos - o primeiro exemplo conhecido de verdadeiro altruísmo.

6 nov 2024 - 13h52
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Darwin afirmou que o comportamento de ajuda recíproca entre animais aumenta as chances de sobrevivência dos indivíduos que estão ajudando. Ele também observou que esse comportamento ocorria entre iguais, indivíduos que eram capazes de retribuir o favor. sukra13/Shutterstock
Darwin afirmou que o comportamento de ajuda recíproca entre animais aumenta as chances de sobrevivência dos indivíduos que estão ajudando. Ele também observou que esse comportamento ocorria entre iguais, indivíduos que eram capazes de retribuir o favor. sukra13/Shutterstock
Foto: The Conversation

Uma das questões mais interessantes no campo da evolução humana é a prestação de cuidados a indivíduos vulneráveis. Ajudar outros seres humanos em dificuldades é um comportamento que não é exclusivo dos humanos: ele também é encontrado em outros animais, especialmente nos primatas. O que é característico do comportamento de nossa espécie é o altruísmo. Ou seja, ajudar alguém sem esperar nada em troca.

O naturalista britânico Charles Darwin chamou de "espírito de simpatia" o comportamento de ajuda recíproca entre animais que aumenta as chances de sobrevivência dos indivíduos que estão ajudando. Ele também observou que esse comportamento ocorria entre iguais, indivíduos que eram capazes de retribuir o favor.

Na visão de Darwin, o passo do "espírito de simpatia" para o verdadeiro comportamento altruísta ocorreu no curso da evolução humana quando os cuidados começaram a ser dispensados a indivíduos vulneráveis, que provavelmente não retribuiriam o favor.

Desde então, a antropologia evolutiva tem se perguntado quando e em quais espécies esse Rubicão foi cruzado.

Neandertais altruístas?

Há casos conhecidos de cuidados com pessoas com patologias no registro evolutivo humano, especialmente na linhagem Neandertal.

Um exemplo disso é um espécime antigo do sítio Sima de los Huesos de Atapuerca, em Burgos, datado de cerca de 430.000 anos atrás. Esse local produziu a maior coleção de fósseis humanos da história, que são considerados os ancestrais remotos dos neandertais. O espécime em questão é representado por sua pélvis (carinhosamente apelidada de "Elvis") e vértebras lombares. Esses fósseis mostram evidências de que o indivíduo sofria de uma patologia degenerativa chamada "spondylolisthesis".

Essa condição causava fortes dores nas costas e alterações posturais importantes que limitavam severamente sua mobilidade. Levando-se em conta que se tratava de grupos de caçadores-coletores altamente móveis, só é possível explicar a sobrevivência desse indivíduo ao longo dos anos com a ajuda do grupo que o aguardava ou o transportava quando ele estava em movimento.

Entretanto, não é possível saber se esse cuidado foi um caso de altruísmo genuíno. Como Elvis era um indivíduo adulto, não se pode descartar que tenha sido um caso de ajuda recíproca: ou porque o indivíduo havia ajudado outros no passado ou porque era um membro particularmente valioso do grupo devido à sua longa experiência.

Uma situação semelhante ocorre com os outros neandertais que viveram durante anos com patologias incapacitantes e cuja sobrevivência exigia a ajuda do grupo. Em todos os casos, trata-se de indivíduos adultos nos quais não se pode descartar que sua sobrevivência se deveu à ajuda recíproca e não ao verdadeiro altruísmo. Para resolver essa questão, é necessário ter casos de indivíduos infantis, cuja capacidade de retribuir o favor seria muito limitada.

Histórias de cuidados com bebês

Até recentemente, o único caso apresentado de um espécime infantil com patologias graves e que necessitava de cuidados sociais também veio do sítio de Sima de los Huesos. Trata-se do chamado Crânio 14 (apelidado de "Benjamina"), que pertenceu a uma menina pré-adolescente e apresenta uma patologia rara chamada "craniossinostose precoce".

Essa condição causou a deformação do crânio e da face. Também é possível que ela sofresse de retardo psicomotor, de modo que sua sobrevivência, por mais de uma década, teria exigido cuidados especiais de seu grupo. Embora a existência de tal retardo psicomotor não tenha sido estabelecida com total certeza, também não é possível determinar com certeza a natureza dos cuidados necessários a Benjamina. Talvez sua sobrevivência exigisse apenas cuidados maternos e nenhuma ajuda do restante do grupo.

Publicamos recentemente o caso de um pequeno fragmento de crânio de Neandertal recuperado do sítio valenciano de Cova Negra, datado entre 146.000 e 273.000 anos atrás. O resto corresponde à região do osso temporal que abriga o ouvido interno e pertencia a uma criança com mais de 6 anos de idade (apelidada de "Tina").

O estudo do ouvido interno de Tina revelou a existência de cinco condições patológicas que são muito raras individualmente e só são conhecidas por ocorrerem juntas em pessoas com síndrome de Down. Essas patologias fizeram com que Tina sofresse de perda auditiva grave, dificuldades de equilíbrio e ataques de vertigem. Além disso, ela provavelmente também tinha problemas musculares graves, tanto para andar quanto para engolir alimentos.

O fato de a criança ter conseguido sobreviver por pelo menos seis anos nas exigentes condições de vida de um grupo de caçadores-coletores de Neandertal indica que ela teve de receber cuidados e atenção constantes. Não é razoável pensar que a mãe de Tina poderia ter sido capaz de fornecer esses cuidados continuamente por conta própria, mas que ela precisou da ajuda dos outros membros de seu grupo.

Como Tina não poderia ter retribuído o favor àqueles que cuidaram dela, essa seria a primeira evidência sólida de comportamento altruísta em uma espécie humana diferente da nossa.

Essa feliz descoberta nos mostrou um aspecto muito próximo do comportamento dos neandertais, que já eram capazes de integrar a diversidade em seus grupos. A chegada de Tina nos lembra que todos nós, sem distinção, fazemos parte da história da evolução humana.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

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The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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