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Análise: A universidade brasileira precisa sair da bolha e inovar mais

Movimento Reforma Universitária defende a criação de Centros de Formação em Áreas Estratégicas, que atuariam em projetos práticos em parceria com a indústria e a iniciativa privada

10 out 2024 - 09h29
(atualizado em 14/10/2024 às 17h57)
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Detalhe da fachada do Palácio Universitário, sede do Campus da Praia Vermelha da UFRJ, que preserva o antigo antigo nome da instituição, chamada Universidade do Brasil até 1968: apesar da grande produção de conhecimento, universidade brasileira precisa ampliar seu papel no desenvolvimento social, econômico e ambiental do país, segundo os autores. Foto: Artur Moês (SGCOM/UFRJ), CC BY
Detalhe da fachada do Palácio Universitário, sede do Campus da Praia Vermelha da UFRJ, que preserva o antigo antigo nome da instituição, chamada Universidade do Brasil até 1968: apesar da grande produção de conhecimento, universidade brasileira precisa ampliar seu papel no desenvolvimento social, econômico e ambiental do país, segundo os autores. Foto: Artur Moês (SGCOM/UFRJ), CC BY
Foto: The Conversation

A pós-graduação brasileira, pensada em 1968 para formar docentes em universidades, cumpriu com êxito uma missão gigante. Na época, o Brasil tinha menos de mil pessoas com o grau de doutor, hoje já temos 200 mil, que formam 25 mil doutores por ano. Nossa produção de conhecimento, que era pequena, saltou para o 13º lugar no ranking de pesquisa do mundo. Mas, cumprida essa importante etapa evolutiva na educação, a universidade hoje tem de ser repensada e reformulada para ampliar seu papel crucial no desenvolvimento social, econômico e ambiental do país.

Os dados que justificam essa reforma são eloquentes. Embora já sejamos um relevante formador de pessoas qualificadas e de conhecimento científico, amargamos a 49ª posição no Índice Global de Inovação, o que resulta da baixa inserção da ciência e tecnologia na vida do país.

Nos países bem-sucedidos em fazer essa inserção, tipicamente dois terços dos investimentos em pesquisa são realizados pelo setor privado e um terço pelo Estado, mas no Brasil essas proporções são invertidas.

Isso, em parte, ocorre porque a ciência brasileira foi estruturada em torno da sua pós-graduação, o que resultou numa educação mais acadêmica, que forma pouca gente voltada para a inovação, capaz atender a demanda do setor empresarial contemporâneo, cada vez mais focado em conhecimento e avanço tecnológico.

Nosso projeto inicial de universidade nos parece correto, mas incorremos na falha de não revê-lo quando o Brasil se viu diante de novos desafios, cujo enfrentamento exigia quadros profissionais mais amplos e de formação mais diversificada. O mundo contemporâneo muda rapidamente, enquanto o Brasil se desindustrializa.

O investimento privado em pesquisa em um dado país e a disponibilidade local de pessoas qualificadas para a inovação são elementos interligados de uma maneira dinâmica. Por um lado, pessoas altamente qualificadas e vocacionadas para a inovação são grandes fomentadoras de startups, que no mundo atual tendem a crescer com enorme rapidez.

Distintamente de tudo o que ocorreu na história econômica mundial, grande parte das maiores empresas atuais não existia uma geração atrás, e esse é o fato mais disruptivo da economia baseada no conhecimento. Por outro lado, as empresas consolidadas globalmente sempre instalam seus centros de pesquisa e desenvolvimento em locais onde há oferta de pessoas altamente qualificadas. Nesse cenário singular, países podem se desenvolver rapidamente investindo na formação de pessoas aptas à inovação. É isso que o Brasil deve fazer.

É preciso repensar nossa educação em diversos níveis e aspectos. A educação superior pública precisa de investimentos robustos do erário público. Precisa também tornar-se flexível, com poucas portas de entrada e muitas de saída, em um modelo pedagógico em que o estudante pode traçar seu próprio caminho de formação.

É preciso remodelar profundamente a formação de profissionais e pesquisadores. Isso tem sido feito continuamente nos países de vanguarda, mas ficamos amarrados a um modelo de que ficou ultrapassado. É difícil fazer as reformas necessárias para tal transformação, exatamente porque nas universidades predominam docentes de formação mais acadêmica.

Um grupo de membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), do qual participamos, criou o Movimento Reforma Universitária, que a ABC encampou e está amparando. Propostas concretas de reforma estão sendo submetidas à discussão por um público mais amplo.

Para promover a formação de profissionais voltados para a inovação, o grupo propõe a criação, como projeto piloto e experimental, de Centros de Formação em Áreas Estratégicas, em universidades federais e estaduais.

Esses centros, de caráter temporário e atuação multidisciplinar, seriam formados por docentes participantes, de uma dada universidade, que atuariam parcial ou integralmente. Programariam e ministrariam cursos, em níveis de graduação e pós-graduação, afins a projetos estruturantes de pesquisa e desenvolvimento, comprometidos a gerar produtos e spin-offs em uma das áreas: Bioeconomia, Agricultura e Agronegócio, Transição Energética, Saúde e Bem-Estar, Transformação Digital e Inteligência Artificial, Materiais Avançados e Tecnologias Quânticas, todas elas apontadas como estratégicas em documentos recentes da ABC e em manifestações do governo.

A seleção e o credenciamento dos centros seriam feitos por chamada pública, idealmente feita pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Pois a Embrapii, por ser uma Organização Social, tem a desburocratização indispensável para a viabilidade desses centros.

Além disso, a EMBRAPII tem grande experiência em colaboração da universidade com empresas, que colocarão os produtos no mercado. Esse modelo, testado e ampliado, estruturaria nossa base educacional para migrarmos de uma economia extrativista e protecionista para uma competitiva e baseada no conhecimento, capaz de promover nosso desenvolvimento sustentável e nos levar mais longe.

The Conversation
The Conversation
Foto: The Conversation

Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.

The Conversation Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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