Análise: Vitória de Trump intensifica reorganizacão da extrema-direita nas Américas
Para a extrema-direita brasileira, a imagem consolidada de um "Brasil autoritário", que baniu o X (antigo Twitter), serve como ferramenta de mobilização e legitimação, fortalecendo o movimento de anistia dos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro
A vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos representa um marco de fortalecimento para a extrema-direita global e traz consequências diretas para o cenário político na América Latina, especialmente no Brasil.
A mensagem que Trump envia a outros líderes de direita radical é clara: ao incitar seus seguidores para uma tentativa de golpe de Estado, eles podem ser recompensados nas urnas por seus apoiadores. Com uma retórica que enfatiza a contestação do sistema eleitoral e a suspeita de fraudes, Trump estabelece um discurso que inspira lideranças antidemocráticas.
Esse alinhamento entre os discursos extremistas em diferentes países não apenas potencializa a mobilização da base radical, como também legitima tentativas de revisar eventos traumáticos, como o 8 de janeiro, reforçando o já existente movimento pela anistia de seus envolvidos e pela volta de Jair Bolsonaro ao cenário político. Neste contexto, a reorganização da extrema-direita latino-americana se intensifica, alinhando-se ao modelo dos EUA para criar uma rede de desinformação transnacional capaz de desestabilizar democracias da região.
E o Brasil ocupa um lugar privilegiado nessa rede transnacional de desinformação e manipulação como um suposto modelo de perseguição e autoritarismo. O elemento central nessa narrativa foi o chamado "banimento do X" para se referir à medida judicial de caráter temporário aplicada no Brasil, que teve como objetivo suspender atividades da rede social X (antigo Twitter) devido à circulação de desinformação e incitação à violência no contexto político.
Apesar dos recorrentes descumprimentos de medidas judiciais por parte do X, a suspensão da plataforma foi rapidamente transformada em símbolo de "perseguição" e "autoritarismo", com narrativas afirmando que o governo brasileiro estaria tentando censurar opositores e suprimir a liberdade de expressão.
Esse fenômeno não apenas mobiliza a base radical, mas também fortalece a ideia de que as instituições democráticas estariam atuando para reprimir e censurar posições conservadoras. Tal abordagem, amplamente difundida nas redes sociais brasileiras, reforça a visão de que o país estaria sofrendo um ataque autoritário, semelhante ao que Trump alega nos Estados Unidos.
Dessa forma, o Brasil tornou-se um território fértil para discursos antidemocráticos, fomentando uma agenda que enfraquece a confiança nas instituições e alimenta uma nova onda de radicalização política e realinhamento de atores em diferentes países da região.
Com isso, um dos aspectos centrais dessa reorganização é o uso estratégico da desinformação. Assim como na campanha de Trump, onde alegações de fraude eleitoral foram bastante disseminadas sem evidências, no Brasil observa-se um aumento na propagação de notícias falsas e teorias da conspiração. A narrativa do "banimento do X" no Brasil serve como catalisadora de discursos autoritários, conectando o país aos Estados Unidos no imaginário da extrema-direita.
Essa narrativa sustenta que há uma suposta censura ou supressão de vozes conservadoras pelas instituições e plataformas digitais, criando um ambiente propício para a mobilização contra um inimigo comum. Essa conexão simbólica fortalece os laços entre os movimentos de direita dos dois países, promovendo uma sensação de solidariedade transnacional.
A narrativa de um "Brasil autoritário" tem sido estrategicamente mobilizada pela extrema-direita para espalhar a ideia de que os Estados Unidos, sob a liderança de figuras como Kamala Harris, poderiam seguir o mesmo caminho, banindo redes sociais como o X e suprimindo a liberdade de expressão.
Essa construção alimenta o medo de que qualquer tentativa de regular plataformas digitais contra discursos de ódio e desinformação seria, na verdade, um passo em direção ao autoritarismo. Assim, o Brasil se torna uma espécie de exemplo negativo para apoiadores de Trump, que enxergam o país como uma representação do que poderia ocorrer nos EUA.
Além disso, o discurso sobre um "Brasil autoritário" é utilizado nos Estados Unidos para justificar políticas mais duras em relação à América Latina, sob o pretexto de conter uma suposta influência autoritária que poderia ameaçar a segurança nacional. Essa narrativa transforma o Brasil em um caso simbólico, justificando tanto a vigilância interna dos EUA quanto intervenções e políticas mais restritivas em relação a países latino-americanos.
Para a extrema-direita brasileira, essa imagem consolidada de um "Brasil autoritário" serve como ferramenta de mobilização e legitimação, fortalecendo o movimento de anistia dos envolvidos nos eventos de 8 de janeiro, além de abrir caminho para o retorno de Bolsonaro e outras figuras radicais ao cenário político.
Analisando as formas pelas quais movimentos extremistas constroem alianças simbólicas e práticas entre países, observa-se uma crescente troca de estratégias e narrativas. Eventos, conferências e publicações conjuntas reforçam esses laços, criando uma rede internacional de apoio mútuo que desafia fronteiras nacionais.
Essas alianças transnacionais representam um desafio significativo para as democracias nas Américas. Em conclusão, a vitória de Donald Trump tem implicações profundas para a mobilização e reorganização da direita radical e da extrema direita no Brasil e na América Latina.
Isabela Kalil não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.