Apesar do medo e da repressão, milhares se despedem de Navalny
Alexei Navalny, o oposicionista mais conhecido da Rússia, é enterrado em Moscou. Mesmo com risco de prisão pela participação numa "reunião não autorizada", milhares prestam últimas homenagens ao crítico do Kremlin."Na-val-ny!" entoavam repetidamente as pessoas reunidas em frente a uma igreja em homenagem a Nossa Senhora no bairro de Marino, em Moscou. Dentro dela ocorria o funeral do ativista e político russo Alexei Navalny, e uma fila de vários quilômetros se formou desde o início da manhã desta sexta-feira (01/03): milhares de russos queriam prestar suas últimas homenagens ao mais feroz crítico do presidente Vladimir Putin. Navalny morava perto dali, na rua Lublinskaya.
Até a véspera do funeral houvera muitos cancelamentos de funerárias - por medo de participarem de uma "reunião não autorizada", como as autoridades russas qualificaram o serviço funerário de Navalny. No último momento, uma empresa concordou em fornecer um carro fúnebre.
Muitos dos presentes seguravam flores. Os gritos de "Na-val-ny" eram intermináveis, como eram dez anos atrás, nas ruas de Moscou, quando Alexei Navalny estava em campanha eleitoral. Ele concorreu a prefeito da capital russa, e em 2018 fez também campanha para a eleição presidencial. Com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais perigoso mencionar seu nome em público. Milhares de apoiadores do político de oposição foram presos, e seus colaboradores mais próximos hoje vivem no exílio.
Desta vez, no entanto, as autoridades evitaram as prisões em massa, apesar das ameaças de punir, como participantes de uma "reunião não autorizada", todos que comparecessem ao funeral. Em Moscou, apenas 17 participantes foram presos, segundo a organização de direitos humanos OVD-Info. Nas demais regiões russas, a polícia foi menos contida: ao menos 131, incluindo dois menores, detidos ao longo do dia. Alguns queriam depositar flores em monumentos a prisioneiros políticos.
Apenas algumas dezenas, incluindo a mãe e o pai de Navalny, tinham permissão para entrar na igreja. A área estava isolada, com uma linha de policiais ao longo das cercas de metal erguidas no dia anterior, indo da estação de metrô mais próxima até a igreja. Havia grandes problemas com a conexão de internet, tanto dentro quanto nas proximidades da igreja. Os jornalistas tiveram que suspender repetidamente suas transmissões ao vivo.
Medo afastou muitos
Nem a esposa de Navalny, Yulia Navalnaya, nem os filhos do casal estiveram presentes. A família não veio para a Rússia por motivos de segurança. Apenas dois dias antes, Navalnaya fizera um discurso no Parlamento Europeu, dizendo considerar o presidente Vladimir Putin responsável pela morte de seu marido. "Lyosha, obrigada por 26 anos de felicidade absoluta", escreveria mais tarde no Instagram. Ela prometeu continuar a luta contra o regime de Putin.
Após o serviço fúnebre, os presentes atiraram flores no carro fúnebre em que o corpo de Navalny foi levado para o cemitério de Borisov. Além do nome do ativista morto, a multidão entoava frases como "Não à guerra", "O amor é mais forte que o medo" e "Putin é um assassino".
No cemitério, a mãe de Navalny, Lyudmila, e o pai, Anatoly, se inclinaram sobre o caixão aberto para beijar o rosto do filho pela última vez, enquanto um pequeno grupo de músicos tocava. Quando o caixão foi baixado à sepultura, ouvia-se My way, com Frank Sinatra, e a trilha sonora do filme O exterminador do futuro 2, o favorito de Navalny.
A essa altura, uma longa fila já havia se formado na entrada do cemitério. Conforme o costume russo, muitos queriam jogar pessoalmente um punhado de terra sobre o caixão de Navalny antes de ele ser enterrado, para expressar sua simpatia e gratidão. Mesmo após o fechamento oficial do cemitério, os presentes ainda tiveram permissão para visitar o túmulo de Navalny por várias horas.
Vários políticos russos, bem como os embaixadores dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), prestaram suas últimas homenagens ao oposicionista. O ex-prefeito de Ecaterimburgo Yevgeny Roisman levou flores ao túmulo de Navalny. Ele chamou o crítico de Putin de "mártir" ortodoxo e disse esperar que seja reconhecido como um santo canônico no futuro. "Ele nos deu muito mais razões para isso do que Nicolau 2º: Navalny não mandou gente para a morte, não desperdiçou o dinheiro do povo", disse Roisman, traçando um paralelo com o czar russo que foi assassinado pelos bolcheviques em 1918 e é hoje considerado mártir e santo pela Igreja Ortodoxa Russa.
O político Boris Nadezhdin e a jornalista Ekaterina Duntsova também compareceram. Ambos, críticos da guerra na Ucrânia, queriam se candidatar à presidência da Rússia em 2024 e foram impedidos de fazê-lo. Nas redes sociais Duntsova escreveu que a memória de Navalny "permanecerá na história".
Um símbolo para milhões de russos
Em declarações à DW, Nadezhdin descreveu a morte de Navalny como uma tragédia e enfatizou que o nome do oposicionista ainda era simbólico para milhões de russos: "Basta ver a fila esperando aqui para lhe dizer adeus". Ele contou que conheceu Navalny no início de sua carreira política, quando o ativista era membro do partido liberal Yabloko.
Nem o fundador do Yabloko, Grigory Yavlinsky, nem o atual líder do partido, Nikolai Rybakov, compareceram ao funeral do ex-colega de partido. O Yabloko culpou o atual governo da Rússia pela morte de Navalny. O partido esteve representado apenas por Andrei Morev, vice-presidente da seção de Moscou. A caminho de casa, foi detido pela polícia e, mais tarde, liberado sob a alegação de que se assemelhava a um criminoso procurado.
Ativistas de direitos humanos não descartam a possibilidade de uma "repressão silenciosa" numa data posterior. A identidade dos enlutados pode ser estabelecida com a ajuda de um sistema de reconhecimento facial que foi instalado especialmente para o funeral. Esse foi o caso em 27 de fevereiro, por exemplo, quando a polícia foi até a casa de três participantes de um evento em memória de Navalny e os deteve.
De acordo com a organização de direitos humanos OVD-Info, houve em 2021 454 detenções a posteriori com a ajuda de câmeras de vigilância externas, 363 das quais de indivíduos ligados a ações de apoio a Navalny.
Segundo as autoridades russas, Navalny morreu em 16 de fevereiro num campo de prisioneiros no Ártico siberiano. As circunstâncias de sua morte não foram esclarecidas. O político, enfraquecido por um atentado com veneno em 2020 e o confinamento solitário no campo, teria desmaiado durante um passeio pelo pátio gelado da prisão e morrido apesar de tentativas de reanimação. De acordo com pessoas próximas a Navalny, o atestado de óbito menciona "causas naturais". O Kremlin negou qualquer envolvimento na morte.