Aprender com quem sabe
O Poder Público se agiganta, cria estruturas, infla o número de cargos e funções e nem sempre isso repercute na melhor prestação de serviços. A carga tributária que recai sobre o contribuinte brasileiro é excessiva, diante da má qualidade dos serviços públicos.
Seria de todo conveniente que a administração pública aprendesse com a iniciativa privada. Assimilasse o exemplo da quarta Revolução Industrial, resultado de combinação de tecnologias já existentes, mas disponibilizadas de uma nova maneira. Isso atendeu à necessidade da indústria obter melhor nível de organização e de aumentar sua produção. Por que não se valer da lição extraível daquela instituição que sobreviveu, malgrado a má vontade do governo, a infalível burocracia esterilizante das melhores ideias, a tempestade adversa da oscilação cambiante e da insegurança jurídica?
No Judiciário, por exemplo, nem tudo é inservível. Mas é preciso investir ao estilo brownfield, ou seja, transformar em inteligentes as tarefas que são realizadas do mesmo modo há décadas.
Para assimilar as estratégias da Quarta Revolução Industrial, a indústria teve de observar e aplicar as características da interoperabilidade, valendo-se de sistemas ciberfísicos propiciadores de que humanos e máquinas se conectem e se comuniquem. A experiência da virtualização já se mostrou satisfatória. As audiências online multiplicaram a potencialidade de encerrar processos que estavam parados, à espera de alguma providência da parte ou do próprio juízo.
Descentralização é outra ferramenta importante, assim como a modularidade. É preciso que haja cérebros audazes e criativos no universo Justiça, talvez o mais conservador dentre os que chegaram ao Século XXI. Observar o que aconteceu com o mundo das TICs, as Tecnologias da Informação e da Comunicação, que tornaram o globo aquela verdadeira aldeia, na qual todos podem se comunicar e se enxergar e ouvir, não importa a distância física entre os partícipes?
A engenhosidade da iniciativa privada não se acanha ao recorrer a várias denominações para designar a verdadeira revolução a que a indústria se submeteu. Nos Estados Unidos, o processo se chamou manufatura avançada. Indústria 4.0 é o que se chama na Alemanha. Muitos recorrem à internet de serviços, para agilizar tarefas internas que vão além da organização. Fala-se também nos sistemas ciberfísicos, na incorporaão de software com hardware e melhor aproveitamento de sensores, processadores e tecnologias de comunicação, que trocam informações de forma autônoma, desencadeiam ações e controlam uns aos outros de forma independente.
O setor privado não hesita em propor "fábricas inteligentes" e "fábricas do futuro". Onde está o "Judiciário inteligente" ou o "Judiciário do futuro?". É mediante a realização de "Júris simulados" que se estará a preparar a nova geração de juristas e profissionais do direito?
O sistema Justiça brasileiro precisa se submeter à análise SWOT, sigla em inglês, baseada na aferição dos elementos "força" (Strong), "fraqueza" (Weakness), "oportunidade" (Opportunity) e riscos (Trend). A força está na simbologia do sistema estatal de resolução de conflitos, que ainda resiste e é cada vez mais procurada pela população. A fraqueza reside na dificuldade de um aggiornamento, de um acerto do passo com a contemporaneidade. Na resistência a se modernizar, a acompanhar o ritmo exigido pela sociedade a cujo serviço se preordena. A oportunidade é despertar para as expectativas de uma sociedade que assimilou tudo aquilo que a Quarta Revolução Industrial colocou à sua disposição e quer o mesmo em relação a todos os serviços públicos, inclusive o da prestação da Justiça.
Os riscos estão na inércia da função, anestesiada por anacronismos, na incapacidade de enxergar que a cidadania encontrará outras fórmulas de resolver suas controvérsias, se o Judiciário teimar em ficar à rabeira das conquistas tecnológicas e de se adaptar ao presente, sem perder de vista o seu futuro.
O setor industrial já percebeu que o Brasil tendia a se tornar apenas cliente e não desenvolvedor de tecnologias. Mas o maior desafio, para o setor Justiça, não está na aquisição de máquinas e de tecnologias. Está na adoção de uma gestão inteligente. O preparo das lideranças é muito falho no sistema Justiça, que ainda recruta seus integrantes mediante testes de memorização. Se não alterar com urgência essa tática, o custo será cada vez mais alto. E talvez se chegue ao ponto de inflexão, de consequências imprevisíveis. Atualize-se enquanto é tempo, sistema Justiça tupiniquim!
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras