Apresentação de Bolsonaro em inglês a embaixadores tinha seis erros de tradução
Presidente convocou diplomatas para desacreditar o sistema eletrônico de votação usando fake news; iniciativa gerou forte reação negativa; erros viraram piada nas redes sociais
BRASÍLIA - Com erros de inglês, informações fora de contexto ou já desmentidas, a apresentação do presidente Jair Bolsonaro contra as urnas eletrônicas a embaixadores estrangeiros virou alvo de críticas fora e dentro do governo. Houve repercussão negativa no Congresso, em segmentos do funcionalismo público, na academia e até no exterior, como as respostas diplomáticas dos Estados Unidos classificando o sistema eleitoral brasileiro como "modelo" para o mundo. O documento exibido continha pelo menos seis erros de tradução entre problemas ortográficos e literalidade forçada na conversão para o inglês.
Aliados do presidente, principalmente do núcleo político que toca o comitê da campanha à reeleição, rejeitaram a iniciativa, vista como contraproducente para quem deveria concentrar esforços na busca por votos além dos seguidores do bolsonarismo. O objetivo da apresentação, minar a confiança nas urnas e se contrapor à Justiça Eleitoral, havia sido anunciado pelo presidente, mas aliados afirmam que ele manteve os detalhes sobre o conteúdo restritos a alguns de seus colaboradores mais imediatos.
Para o comitê, poucas pessoas tiveram acesso à sequência de slides de power-point previamente, entre elas o coronel Mauro Cid, ajudante de ordens, e o almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos. Durante a apresentação, Bolsonaro de fato se dirigiu a Cid algumas vezes - ele passava as páginas, acompanhando a explanação. Rocha acompanhava da plateia. O Estadão questionou a Presidência da República sobre quem preparou a apresentação, mas não recebeu resposta.
Embaixadores ouvidos pela reportagem se assustaram com os erros de tradução e classificaram o power-point como "amador". Algumas frases em inglês usadas pela Presidência da República são traduções muito literais do português, enquanto outras eram bastante diferentes dos termos originais. Na última página, a indagação "Por que não querer a auditoria das urnas?" virou "Why shouldn't the eletronic voting machines be audited?". A tradução mais correta para o português seria "Por que as urnas eletrônicas não devem ser auditadas?".
Até os nomes variavam. O Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo, aparecia ora como "Superior Electoral Court", ora como "Higher Electoral Court". Houve ainda erros de grafia como a palavra "briefing" grafada como "brienfing", com um n a mais, logo na primeira página; "diretor-geral" traduzido como "directo (sic) general", sem o "r"; e a expressão "Moraes manda investigar Bolsonaro", que virou "Moraes sends Federal Police to investigate", quando o mais preciso seria o verbo "orders".
Nas redes sociais, alguns erros foram citados e viraram piada
O núcleo político afirma também que os militares teriam endossado a insistência do presidente em reagir ao TSE e expor seus argumentos aos embaixadores. O ministro da Defesa, Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, estava preparado para expor uma apresentação da Defesa, mas não chegou a falar. Seu antecessor, general Braga Netto, futuro candidato a vice-presidente, defende os questionamentos de Bolsonaro e a auditoria dos votos.
O que é mais ridículo:
1. Errar a grafia da palavra em inglês?
2. Usar a palavra em inglês como se não tivéssemos uma mais apropriada na nossa própria língua?
Brienfing (sic) com os embaixadores. pic.twitter.com/015oBNPCJT
— Débora Lovisi (@deboralovisimg) July 19, 2022
Nenhum dos chefes dos poderes Legislativo e Judiciário compareceu. Dos tribunais superiores, só o presidente do Superior Tribunal Militar, general Luis Carlos Gomes Mattos, se fez presente, numa demonstração de endosso dos militares à pauta. Dos ministros de Estado, a maioria era militar ou teve carreira ligada às Forças Armadas: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União), Celio Faria Junior (Secretaria de Governo) e Antonio Lorenzo (secretário executivo do Ministério da Justiça). Só Ciro Nogueira (Casa Civil), Carlos França (Relações Exteriores) e Bruno Bianco (Advocacia-Geral da União) não têm vínculos antecedentes com as Forças Armadas. Como mostrou o Estadão, o ataque de Bolsonaro ao sistema eleitoral envolve até órgãos como CGU e AGU.
Eu achava que não dava pra ser pior que "brienfing", mas aí me vem um .ppt safado com três perguntas de caráter golpista preparadas por alguém que reprovou em EAD de Uniesquina. pic.twitter.com/K2gjoBDenm
— Raphael Tsavkko Garcia (@Tsavkko) July 18, 2022
Embora o chanceler Carlos França tenha comparecido ao encontro no Palácio da Alvorada, o Itamaraty tentou se manter afastado da iniciativa e teria colaborado apenas com contatos para os convites. A organização ficou a cargo do cerimonial da Presidência da República, chefiado pelo diplomata André Chermont de Lima.