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As crianças superdotadas negligenciadas ou expulsas das escolas: 'Meu filho era visto como problema'

Embora senso comum faça pensar que crianças superdotadas serão sempre bem-sucedidas nas aulas e capazes de se virar sozinhas, elas precisam de atenção especial nas escolas, segundo apontam famílias e especialistas.

17 jan 2025 - 05h10
(atualizado às 07h37)
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Especialistas e famílias apontam para falta de preparo de professores para lidar com crianças superdotadas
Especialistas e famílias apontam para falta de preparo de professores para lidar com crianças superdotadas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quando se pensa em crianças superdotadas, é comum imaginar que elas vão se destacar na escola. A realidade, no entanto, pode ser muito diferente — e difícil.

Apesar de apresentarem habilidades cognitivas acima da média, essas crianças muitas vezes enfrentam dificuldades de adaptação em escolas que, segundo relatam pais e organizações focadas em pessoas com alto Quociente de Inteligência (QI), não estão preparadas para lidar com as necessidades específicas desses estudantes.

Às vezes, essas dificuldades resultam até em expulsões de alunos superdotados, com alegações de que são hiperativos, agressivos e indisciplinados.

É o caso do filho de Luciana (nome fictício), um menino de 9 anos que tem altas habilidades e já está em sua quarta escola — todas particulares e na capital paulista.

Provavelmente, ele irá para uma quinta escola, pois a família não está satisfeita com a atual.

Várias vezes, segundo a mãe, ele levou advertências e suspensões por apresentar comportamento agitado e algumas vezes agressivo, por exemplo falando palavrões em sala de aula.

Em duas escolas, o menino foi convidado a se retirar e a mãe impedida de fazer a rematrícula. Em uma dessas situações, ela questionou o posicionamento da escola.

"Quando eu matriculei meu filho, levei o laudo que aponta as altas habilidades dele, porém ele nunca teve um acompanhamento especial em sala de aula. Por ficar entediado com as atividades e até mesmo ser alvo de chacotas, tinha momentos em que ele se desregulava emocionalmente e ficava mais agressivo", relata.

"Eu sentia que a escola não me ouvia e colocava meu filho como sendo um problema."

O menino tem QI de 130 — número bem acima dos 83, a média brasileira. O QI acima de 130 é considerado superdotação, segundo a Associação Mensa Brasil, afiliada brasileira da Mensa Internacional (sociedade britânica fundada em 1946 que reúne pessoas de alto QI no mundo).

O filho de Roberta de Castro, Filippo, tem um valor parecido: 134 de QI.

Mas ele teve problemas de adaptação quando ingressou na primeira escola, aos 3 anos. Hoje, ele tem 7 e está em uma segunda escola, mais bem adaptado.

Filippo já falava inglês fluentemente aos 3 anos após aprender o idioma sozinho, relata a mãe dele, Roberta
Filippo já falava inglês fluentemente aos 3 anos após aprender o idioma sozinho, relata a mãe dele, Roberta
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Segundo a família, aos 3, o menino já falava inglês fluentemente após aprender o idioma sozinho, assistindo a desenhos animados; aos 5, sabia todas as operações matemáticas, resolvendo problemas com números complexos e raiz quadrada.

Quando Filippo entrou na primeira escola, particular, a mãe entregou à instituição um relatório com tudo que o menino sabia fazer naquela idade.

"Mas foi como se eu não tivesse feito nada e tivesse entregue um papel em branco", relata Roberta, afirmando que a escola não proporcionou atividades que estimulassem as habilidades do filho.

A mãe lembra de uma situação que viu pelas câmeras da escola e a deixou "bem aflita".

"Eles davam giz para desenhar e ele começou a ficar muito entediado. A atividade era uma hora de giz: muitas crianças ficavam sentadas brincando, já o Filippo escrevia o alfabeto e saia correndo para brincar no parquinho. Daí eles iam lá buscar ele, e ele começava a chorar. Ele queria sair da sala de aula", recorda a mãe.

Roberta então passou a buscar outras opções de escolas e encontrou uma, particular, que adota a metodologia do aprendizado ativo — a qual não se restringe a apostilas e livros e estimula as crianças a buscarem conhecimento de forma prática, a partir de acontecimentos do cotidiano.

Filippo foi matriculado nessa escola antes dos 5 anos e está lá até hoje.

"Ao mesmo tempo que ele faz as atividades da turma em que ele está, ele também recebe atividades à frente com foco nas facilidades que ele tem devido à superdotação. E isso tudo é feito na mesma sala, para que ele não se sinta excluído", comemora Roberta.

Como lidar com crianças superdotadas na escola

Filippo teve dificuldade de adaptação na primeira escola em que estudou, segundo relata a mãe, Roberta
Filippo teve dificuldade de adaptação na primeira escola em que estudou, segundo relata a mãe, Roberta
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

De acordo com o Censo Escolar 2023, 38.019 estudantes brasileiros foram identificados como superdotados — 0,08% dos alunos da educação básica.

A pedagoga Jéssica Maranhão, especializada em educação especial, afirma que os obstáculos na capacitação de professores para lidar com a superdotação começam na faculdade por qual eles passam.

"Quando a gente fala que um aluno precisa de um atendimento educacional especializado, logo se pensa em alunos do espectro autista ou com alguma dificuldade de aprendizagem. De modo geral, na faculdade não se estuda sobre as crianças com altas habilidades", pontua Maranhão.

Ainda segundo a pedagoga, quando o assunto é superdotação, predomina-se o mito de que o aluno vai aprender sozinho, não sendo necessário nenhum tipo de acompanhamento — muito menos individualizado e feito por um profissional capacitado.

"Ao meu ver, é necessário ter um investimento plural no setor. Seja da difusão de informação sobre o tema, da especialização dos profissionais para fazer esse acolhimento do estudante e também dos governos e redes de ensino em ofertar cursos sobre o tema", diz a pedagoga.

Para Fabiano de Abreu Agrela, neurocientista e presidente ISI Society (sociedade para pessoas com QI acima de 148 e criatividade notável), o primeiro passo para lidar com a superdotação é justamente entender que essas crianças têm necessidades educacionais específicas.

"Um acolhimento eficaz, independentemente do modelo educacional, exige adaptações individualizadas: atenção dedicada, atividades personalizadas, estímulo à autonomia, ao desenvolvimento de liderança e à exploração de suas potencialidades", afirma Agrela.

O neurocientista diz que crianças com superdotação são "frequentemente mais sensíveis, perfeccionistas e suscetíveis à frustração".

"Educadores devem evitar comparações ou o sentimento de intimidação; pelo contrário, devem atuar como facilitadores que oferecem segurança, experiência e um ambiente de confiança. O foco principal deve ser a motivação intrínseca, o estímulo à curiosidade e o desenvolvimento integral da criança", aponta.

No Brasil, 0,08% dos alunos da educação básica foram identificados com superdotados em 2023
No Brasil, 0,08% dos alunos da educação básica foram identificados com superdotados em 2023
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Desde 2013, o conceito de superdotação faz parte da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que regulamenta a educação brasileira.

Isso faz com que esses alunos tenham direito ao atendimento educacional especializado (AEE) na rede regular de ensino, que possibilita a aceleração de séries e currículo adaptado, além de salas de recursos multifuncionais.

O Ministério da Educação (MEC) afirmou em nota que está desenvolvendo várias ações "em prol da educação inclusiva", como a capacitação de professores não especializados e a formação de professores e gestores dedicados à educação especial.

"Também está em processo de elaboração de publicações sobre essa temática, com um volume dedicado às altas habilidades/superdotação. Estas propostas e materiais objetivam contribuir para a promoção de práticas educacionais inclusivas para alunos com altas habilidades/superdotação, promovendo o pleno desenvolvimento dos potenciais de todos os estudantes, com respeito às suas demandas específicas", disse o MEC, em nota.

Procurada, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afirmou que "em casos em que não há atendimento satisfatório em alguma instituição de ensino, seja ela pública ou particular, pais e responsáveis podem buscar orientação na Diretoria de Ensino da região".

A secretaria acrescentou que a Política de Educação Especial do Estado de São Paulo visa oferecer um atendimento especializado e adaptado aos estudantes com altas habilidades/superdotação na rede estadual de ensino.

A pasta também destacou a importância da Avaliação Pedagógica Inicial (API), que auxilia na identificação das necessidades específicas de estudantes; e do Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), que é elaborado por professores especializados e organiza estratégias pedagógicas voltadas para o desenvolvimento das altas habilidades nas escolas.

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