Ataque a mercado de Natal em Magdeburg expõe falhas de segurança
Atentado em Magdeburg suscita debate sobre o trabalho dos órgãos de segurança e inteligência da Alemanha. Enquanto polícia descreve suspeito como "atípico", especialistas cobram responsabilização das redes sociais.As forças de segurança da Alemanha se viram confrontadas com uma série de perguntas difíceis durante uma coletiva de imprensa no sábado (21/12) depois do ataque na noite anterior a um mercado de Natal em Magdeburg. Na ocasião, Talib A.*, psiquiatra saudita de 50 anos, invadiu com um carro o evento lotado e atropelou a multidão, deixando cinco mortos e 200 feridos.
Alguns repórteres se impacientaram diante da falta de respostas claras às suas perguntas: Como a polícia falhou na proteção do mercado de Natal? Como é possível que aparentes alertas de autoridades sauditas não tenham sido levados a sério? Por que postagens perturbadoras feitas pelo suspeito nas redes sociais não dispararam nenhum alarme?
Embora muitas dessas perguntas sigam sem respostas satisfatórias, ainda no sábado as polícias federal e estadual anunciaram o aumento do patrulhamento nas ruas e a reavaliação dos esquemas de segurança nos mercados de Natal por todo o país.
Suspeito usou acessos de emergência
A questão mais imediata diz respeito a planos concretos de segurança. O atentado terrorista de 2016 a um mercado de Natal em Berlim, em que um requerente de asilo tunisiano atirou um caminhão contra uma multidão, matando 13 pessoas, motivou dois inquéritos parlamentares e medidas de segurança mais rígidas nos eventos, que passaram a contar com mais policiamento e bloqueios de acessos, fechados por pesados blocos de concreto.
Mas autoridades alegam que os mercados, que atraem milhares de pessoas e ocupam praticamente cada espaço disponível das cidades alemãs durante as cinco ou seis semanas que antecedem o Natal, não podem ser totalmente fechados para o acesso por veículos. E isso por duas razões: para permitir o acesso de ambulâncias e assegurar que a multidão terá rotas suficientes de evacuação em caso de emergência.
Justamente esses acessos foram usados pelo suspeito, segundo um representante da prefeitura. Ele, contudo, defendeu a necessidade desses acessos aludindo a uma tragédia em 2010 em Duisburg, quando 21 pessoas morreram esmagadas durante a Love Parade, o que em parte se deveu à falta de saídas de emergência suficientes.
Segundo ele, o esquema de segurança para todos os mercados de Natal de Magdeburgo foi "criado de acordo com o melhor conhecimento", e é continuamente revisto.
Hans-Jakob Schindler, que trabalha no CEP, uma entidade sem fins lucrativos que informa sobre extremismo, afirma que o esquema de segurança do mercado de Natal - uma combinação de barreiras físicas, presença de agentes de segurança e câmeras de vigilância - segue um modelo clássico usado em todos os grandes eventos. Apesar disso, ele não considera a explicação da prefeitura satisfatória.
"A coisa mais óbvia são as barreiras físicas em mercados de Natal: não deveria haver um espaço entre elas a ponto de permitir a passagem de veículos não autorizados", diz Schindler à DW. "Mesmo se elas só estivessem temporariamente abertas, o suspeito parece que sabia disso, porque alugou um carro e dirigiu ao mercado de Natal. Ele sabia que conseguiria passar."
Alertas e falhas de inteligência
Mas essa claramente não era a única falha - várias delas concorreram para que o ataque se concretizasse. Compreendê-las é uma tarefa que vai levar muitos meses ou até mesmo anos.
À emissora de TV pública ZDF, Holger Münch, chefe do BKA, a Polícia Federal alemã, disse que o suspeito é "atípico". As postagens de Talib A. nas redes sociais sugerem que ele era um opositor do regime saudita e achava que dissidentes como ele estavam sendo perseguidos por autoridades alemãs. Ao mesmo tempo, também demonstrava insatisfação com a forma "liberal demais" com que a Alemanha tratava os refugiados, e simpatizava com o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD).
Citando fontes de segurança anônimas, a agência de notícias dpa afirma que as autoridades alemãs foram alertadas sobre Talib A. pela inteligência saudita no ano passado, que havia pedido a extradição do cidadão. Mas há dúvidas sobre quão relevante esse alerta era de fato: o governo saudita pediu a extradição porque o homem era um opositor do regime autocrático ou porque via nele um risco à segurança pública?
Parece difícil tirar conclusões sem esclarecer esse ponto, argumenta Schindler. "Um aviso nem sempre é um aviso sobre o que vai acontecer. Pode ser várias outras coisas. Esse aviso pode nem ter sido tão sério quanto deveria ter sido."
O que está claro é que havia preocupações sobre o comportamento errático de Talib A. Em Berlim, ele respondia a um processo por atrapalhar serviços de emergência. Ele foi condenado e recorreu, e deveria ter comparecido ao tribunal para o julgamento do recurso um dia antes do ataque.
Um cidadão também alertou o Escritório Federal para Migração e Refugiados (BAMF, na sigla em alemão) sobre Talib A. no ano passado. O órgão afirma ter levado o aviso a sério, encaminhando-o às autoridades relevantes.
Especialistas defendem mais moderação nas redes sociais
O fato de que Talib A. esteve aparentemente bastante ativo nas redes sociais nos últimos anos também suscita questões sobre o papel de plataformas como o X e o Facebook na radicalização de indivíduos, e também sobre a responsabilidade das redes de moderar conteúdos.
Vários veículos alemães afirmam que os posts de Talib A. agora deletados pelo X traziam mensagens preocupantes: ele ameaçou matar 20 alemães, disse que esperava morrer em 2024 e que achava que o governo alemão estava tentando "islamizar" a Europa.
"É um caso que demonstra muito bem que as categorias 'islamista clássico', 'extremista de direita' e 'extremista de esquerda' foram extrapoladas pela categoria do indivíduo que constrói sua própria narrativa ideológica personalizada", afirma Schindler. "Essa tem sido uma tendência crescente desde a pandemia, e as redes sociais fazem hoje menos do que faziam no passado. Você não precisa ser um apoiador fervoroso do 'Estado Islâmico'. Nesse ambiente conspiratório, qualquer narrativa extremista, se você levá-la às últimas consequências, inevitavelmente levará à violência."
O dono do X, Elon Musk, demitiu milhares de moderadores de conteúdo após assumir o controle da plataforma em 2022, quando ela ainda se chamava Twitter. Isso, segundo Schindler, levou a uma situação em que a sociedade espera cada vez mais policiamento em espaços da vida real, ao passo em que aceita a falta de moderação nas plataformas digitais.
Ele defende que a indústria, "uma das mais lucrativas da história da humanidade", precisa assumir responsabilidade pelos conteúdos em suas plataformas e agir proativamente para alertar as forças de segurança. Hoje, segundo Schindler, essa responsabilidade é "zero".
Mas levará tempo até que qualquer regulação do tipo se materialize. Por ora, as autoridades de segurança alemãs tentam responder à questão mais imediata de se e como poderiam ter evitado a tragédia em Magdeburg.
*A DW segue o código de ética da imprensa alemã, que zela pela privacidade de vítimas e suspeitos de cometer crimes, por isso o nome completo do suspeito não é divulgado.