Bolsonaro diz que rachadinha é 'meio comum' e não responde diretamente se adotou prática
Presidente volta a dizer que não houve qualquer caso de corrupção em seu governo e questiona resultados das pesquisas eleitorais
O presidente Jair Bolsonaro (PL) classificou a rachadinha como uma prática comum em Brasília. Durante entrevista ao podcast Cara a Tapa neste sábado, 13, ele, no entanto, não respondeu claramente se adotou o esquema em seu gabinete na Câmara, quando era deputado federal.
"É uma prática meio comum, concordo contigo, meio comum isso aí", disse Bolsonaro ao entrevistador Rica Perrone. Em tom de piada, o youtuber perguntou na sequência se o presidente iria "sobrar" se alguém gritasse "pega rachadinha!" A resposta foi evasiva: "Aí, não vou falar disso. Eu sou suspeito para falar de mim, não tem servidor meu falando que... denunciando."
Filho mais velho de Bolsonaro, o atual senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi definido pelo Ministério Público do Rio como chefe de uma organização criminosa que atuou em seu gabinete entre 2003 e 2018, época na qual exerceu o mandato de deputado estadual. Segundo as investigações, foram movimentados cerca de R$ 2,3 milhões no período.
Rachadinha é o nome dado à prática ilegal de devolução de parte dos salários de funcionários lotados em gabinetes de políticos do Legislativo ou Executivo. O caso de Flávio Bolsonaro foi revelado pelo Estadão em 2018. A reportagem apontava o policial militar da reserva Fabrício Queiroz como o pivô do esquema por ter movimentações bancárias atípicas e em desarco com os seus rendimentos. Em junho do 2020, ele chegou a ser preso, mas nunca foi condenado, assim como Flávio.
No ano passado, o nome do presidente da República voltou a relacionado ao escândalo. Em depoimento ao MP, a ex-cunhada de Bolsonaro Andrea Siqueira Valle afirmou que o irmão, André Siqueira Valle, foi demitido do cargo de assessor do então deputado federal porque se recusou a repassar o valor previsto na rachadinha.
Na entrevista deste sábado, Bolsonaro citou partidos de esquerda que teriam no estatuto a obrigação de devolução dos salários por parte de funcionários comissionados no Legislativo para abastecer o fundo partidário. "Tenho informações, uns fazendo legalmente, legalmente entre aspas, no estatuto, outros fazem o por fora", disse o presidente, sem apresentar tais dados.
Corrupção
Durante a entrevista, o chefe do Executivo voltou a afirmar que eliminou a corrupção. "Quantos casos nós tivemos no nosso governo? Nada", afirmou, sem mencionar, por exemplo, o caso de suspeita de corrupção e má-gestão no Ministério da Educação (MEC), revelado pelo Estadão e que levou à prisão temporária do ex-ministro Milton Ribeiro.
"Ah, um pastor queria fazer não sei o que lá. É pra atingir os pastores, atingir os evangélicos. Tem alguma mala de dinheiro? Teve alguma coisa? Se aparecer algo errado, a gente colabora na investigação. Até o momento não tem", disse.
Em junho, a Polícia Federal chegou a afirmar que indícios "levam a crer" que Ribeiro e os pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura "cooptaram prefeitos para satisfazer interesses pessoais". Além disso, uma ligação interceptada pela PF apontou possível interferências de Bolsonaro no caso. Na conversa, o ex-ministro diz a filha que o presidente havia lhe avisado que poderia haver busca e apreensão em sua casa.
À época, Bolsonaro afirmou que a situação não seria corrupção, e sim tráfico de influência. "É comum", disse, mais uma vez tentando minimizar o caso. Tráfico de influência também é crime de acordo com o Código Penal Brasileiro.
Na segunda-feira, no Flow Poscast, Bolsonaro também mencionou o orçamento secreto, outro escândalo revelado pelo Estadão. Na ocasião, ele se eximiu da responsabilidade. "Não tenho nada a ver com orçamento secreto, sou obrigado a executar", alegou. O esquema foi negociado pelo próprio governo Bolsonaro com o Congresso e fortaleceu a relação entre o presidente e o poder Legislativo às custas de emendas liberadas a deputados e senadores sem qualquer tipo de critério e transparência.
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No bate-papo durante o Cara a Tapa, Perrone não pressionou o entrevistado, tampouco contestou suas declarações ou ofereceu qualquer contexto negativo às falas do presidente. A entrevista durou quase três horas.
Ataques às urnas
Na segunda entrevista concedida por Bolsonaro a podcasts populares nesta semana, ele voltou a atacar as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral. Depois de reconhecer que "tinha muita sacanagem no voto no papel" e afirmar que sempre defendeu "lá atrás" as urnas eletrônicas, o presidente disse que teme pela segurança do pleito. "Confiar na máquina a gente confia, a gente não confia em quem faz o programa e quem tá atrás da máquina".
O presidente já chegou a convocar embaixadores estrangeiros para levantar suspeitas, que já foram desmentidas, sobre as urnas eletrônicas. Na sequência, magistrados, promotores e advogados foram às redes sociais para relatar suas experiências no processo eleitoral brasileiro, com testemunhos sobre a segurança do sistema. "Eu sou acusado de programar o golpe. Mas alguém já me viu por aí, conspirando?", questionou.
Bolsonaro seguiu o script de sua campanha e questionou também os resultados das pesquisas eleitorais que apontam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na liderança. Segundo o mandatário, "uma pesquisa é um conjunto de enquetes". "A cada dez enquetes, eu ganho nove", completou.
Agregador de Pesquisas
Guilherme de Pádua
A divulgação de uma foto da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, ao lado de Juliana Lacerda Pádua, mulher do pastor Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniella Perez, também foi assunto no Cara a Tapa. O presidente afirmou que foi convidado para o evento, mas "nem sabia de Guilherme de Pádua". Ele disse que foi até lá para acompanhar a esposa, que é amiga dos pastores da Igreja Batista da Lagoinha, mas que nem almoçou no local. "Voltei para Brasília e Michelle ficou".
Diante da repercussão negativa da foto nas redes sociais, Bolsonaro disse que ligou para Michelle, e ela afirmou que tirou várias fotografias no local, sem saber exatamente com quem. "Vou na tua igreja, vou ter que saber quem são os milhares que vão estar lá?", questionou o presidente.
Auxílio emergencial
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Auxílio Brasil de R$ 600 não vai acabar em dezembro, conforme prevê a PEC aprovada pelo Congresso. Segundo o presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já está informado que será mantido o valor no ano que vem.
Durante transmissão ao vivo no Facebook com o deputado federal André Janones (Avante-MG), o ex-presidente Lula explicou que o auxílio dado pelo atual governo foi aprovado apenas até dezembro. Segundo ele, como forma de garantir a reeleição.
"É mentira", afirmou Bolsonaro, ao ser questionado por Perrone. "Mentem como mentiam em 2018 que eu ia acabar com o Bolsa Família, que ia acabar com o Seguro Defeso (dos pescadores). Nada acabou, nós combatemos as fraudes", disse.
Para manter o piso do Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023 seria necessária a aprovação de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Bolsonaro já disse, no início do mês, que os detalhes foram acertados com o ministro da Economia. O indicativo da manutenção do benefício nesse valor deve constar na Lei Orçamentária Anual (LOA).
"A proposta nossa na LOA já vem com esse indicativo, para manter os R$ 600 ano que vem. Logicamente, vamos depender do Parlamento após as eleições", disse Bolsonaro, em entrevista ao SBT no da 2 de agosto. Neste sábado, Bolsonaro reafirmou a confiança em Guedes e garantiu que ele continuará no governo, caso seja reeleito.