Bolsonaro e aliados bloquearam jornalistas 264 vezes
Número foi compilado pela Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji); presidente Jair Bolsonaro é o campeão de bloqueios, com ao menos 80 profissionais removidos
O presidente Jair Bolsonaro (PL) encerrará o ano com pelo menos 80 jornalistas de todo o País bloqueados em uma de suas principais redes sociais: o Twitter. No jargão da rede social, o "bloqueio" equivale a um banimento, e a pessoa "bloqueada" fica impedida de ver as postagens de quem a bloqueou. Juntos, o presidente Jair Bolsonaro, seus ministros e seus filhos com carreira política baniram jornalistas 264 vezes até esta segunda-feira, 20, de acordo com monitoramento realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
Tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto seus ministros com conta ativa na rede social utilizam o Twitter para divulgar informações relativas ao governo e para fazer anúncios oficiais. No fim de 2018, antes ainda de tomar posse como presidente da República, Bolsonaro passou a confirmar os nomes dos futuros ministros em sua conta na rede social - ao menos 14 dos 22 ministros foram anunciados pelo então presidente eleito por meio do perfil na rede. A prática se manteve ao longo de todo o governo, com anúncios de obras e divulgação de decisões políticas na rede.
Depois de Bolsonaro, o vice-campeão em bloqueios de jornalistas mapeados pela Abraji é o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub (2019-2020), com 39 profissionais bloqueados. O terceiro é o atual secretário especial de Cultura, o ator de televisão Mario Frias, com 28 ocorrências. Ele é seguido pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), com 21 jornalistas; pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), com 20; e pelo ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub (19). Fecham a lista o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), com 17, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, com 14; e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, com 13.
O presidente da Abraji, Marcelo Träsel, diz que os perfis de autoridades como Jair Bolsonaro são usados para divulgar informação pública - e, por isso, deveriam ser acessíveis a todos. "Existe esse argumento (...) de que se trata de um perfil pessoal e não institucional. Mas esse argumento não se sustenta. O fato é que o que ele (Bolsonaro) publica no Twitter tem implicações para a sociedade, assim como o que diz em entrevista ou outras manifestações. E ele também passou a fazer anúncios de governo nesse espaço. Impedir o acesso de qualquer cidadão a esses perfis é cercear o acesso à informação, no nosso entendimento", afirmou Träsel, que é jornalista e professor universitário.
"Em função dos cargos públicos que essas pessoas exercem, o que elas dizem ganha caráter público. A não ser que a pessoa só use a rede social para postar fotos do cachorro ou do almoço de domingo, os perfis deveriam ser abertos a todos", disse ele.
O levantamento da Abraji também mostra que a maioria dos bloqueios foi feita contra profissionais freelancers, isto é, não vinculados a nenhum veículo de imprensa: são 48 ocorrências. Em seguida aparecem o site The Intercept Brasil, com 31 bloqueios; o jornal Folha de S. Paulo, com 16 casos; o Estadão, com 12 ocorrências; a TV Globo, com 11; o portal de notícias UOL, com nove; e o jornal O Globo, com sete casos.
A região do País com mais casos é a Sudeste (223), seguida pela região Centro-Oeste (46) - a alta representatividade se deve à concentração de profissionais em cidades como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF). Ao todo, o levantamento da Abraji identificou até o momento 310 casos de bloqueios. Há inclusive situações envolvendo políticos que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro - como o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), com dois profissionais bloqueados; e o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), com um bloqueio identificado. O número total de bloqueios realizados por políticos de oposição, porém, é ínfimo: menos de 10 casos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar no ano que vem questionamentos de pessoas bloqueadas sobre a legalidade dessa ação do presidente nas redes sociais. O ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro à Corte neste ano, herdou a relatoria do processo. Seu antecessor, ministro Marco Aurélio Mello, já havia votado contra a permissão do bloqueio, mas a ação voltará ao plenário porque o ministro Nunes Marques pediu vista, isto é, mais tempo para analisar o caso. O ponto de partida do processo foi o caso do veículo jornalístico Congresso em Foco, que seguia a conta do presidente no Twitter e foi bloqueado em junho.