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Bolsonaro vem testando limites, mas não é momento para impeachment, diz presidente da OAB

Felipe Santa Cruz afirma estar se encontrando com ex-presidentes para criar uma barreira em defesa da democracia

20 mar 2020 - 12h35
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Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, tem conversado com todos os ex-presidentes e entidades de classe para montar o que chama de "barricada" em defesa da democracia. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro aparelha o Estado com pessoas de perfil ideológico similar ao seu, gera crises constantemente e testa os limites democráticos.

Ainda assim, para Santa Cruz, é preciso cautela com movimentos que já pedem impeachment de Bolsonaro. O dirigente contou, porém, que está se reunindo com todos os ex-presidentes brasileiros para fazer uma "barricada" em defesa da democracia.

Bolsonaro e Santa Cruz têm um histórico longo de desavenças. No ano passado, o presidente disse que poderia "contar a verdade" sobre como o pai de Felipe Santa Cruz, Fernando Santa Cruz, desapareceu na ditadura militar. Militante do grupo "Ação Popular", Fernando foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto.

O sr. tem se encontrado com todos os ex-presidentes. Qual sua intenção?

Tenho absoluta convicção, por tudo que aconteceu nos últimos meses, que há setores da política brasileira que querem causar um estresse permanente às instituições democráticas. Não é por acaso que os jornais, advogados e artistas foram atacados. É uma espécie de manual do autoritarismo. Há uma agenda de setores da ultradireita voltada para as forças de segurança e a indisciplina nas Polícias Militares. Há uma tentativa clara de cooptação de setores das Forças Armadas. Vemos com muita preocupação esse estresse institucional, do qual o presidente da República é uma espécie de artífice e seu grupo mais próximo é uma militância intransigente desse processo. Por conta disso, nos reaproximamos de entidades que historicamente são nossas aliadas na defesa da democracia: CNBB, ABI, Comissão Arns, Andifes, SBPC, para criar uma barricada vigorosa na defesa da democracia. Por isso fomos falar com todos os ex-presidentes, independente de sua bandeira ideológica. É inegável que desde a redemocratização, do final do governo Figueiredo, o Brasil vem avançando em termos de liberdade, como nunca na sua história. E esses presidentes, com o maior e menor impacto, foram responsáveis por essa normalização da vida brasileira.

O significa concretamente essa "barricada" além de uma palavra de ordem? O que esses ex-presidentes podem fazer?

É a soma da força de todos. Estamos vendo os governadores passando por cima de suas diferenças ideológicas e buscando uma agenda para o Brasil. Os ex-presidentes são extremamente simbólicos. O Congresso, Supremo e Judiciário tentando também construir essa agenda. Estamos chamando também a UNE (União Nacional dos Estudantes).

Defesa da democracia não é uma bandeira um tanto ampla ou abstrata? Quais a demandas concretas ao Executivo?

Não acho abstrata. Apresentamos um documento público de defesa da democracia. A democracia tem conteúdo concreto: as liberdades, a constitucionalidade, ação dos Poderes dentro da harmonia entre eles e sua independência. O presidente da República vem testando os limites do Estado Democrático de Direito. Faz manifestações contraditórias. Fica indo e voltando. Ele é um presidente que historicamente nunca deu manifestações de apreço pela democracia. É um notório idealizador e faz apologia a tortura. Esse conjunto de agressões que ocorreram após a posse de Jair Bolsonaro nos autorizam a ter um alerta maior em relação a isso. Em que outro momento houve um aparelhamento tão claro da máquina pública nos últimos 30 anos? O presidente só nomeia em cargo de confiança pessoas que tenham uma ideologia alinhada a sua.

A ex-presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment devido às pedaladas fiscais. A OAB esteve na linha de frente do movimento pelo impeachment de Fernando Collor. A deputada estadual Janaina Pascoal (PSL) fez um discurso defendendo o impeachment de Bolsonaro. Há justificativa para que a palavra impeachment volte a rondar o mundo político?

A justificativa se dá pela falta de estabilidade emocional do presidente, que claramente é um elemento de agressão e instabilidade no País. O presidente se transformou em um gerador de crises. Ele dá demonstrações de desequilíbrio, essa é a verdade. Isso autoriza pessoas de todos os matizes ideológicos a se preocuparem com a instituição Presidência da República. O presidente tem pouco apreço aos ritos do cargo. O único que se pode fazer uma correlação é o Jânio Quadros. Alguns setores começam a falar de impeachment, mas eu acho um ruptura muito grande. É a frustração da vontade popular. Devemos agir sempre com muita cautela. Elementos jurídicos devem ser apresentados. Não pode ser apenas uma inconsistência. O impeachment foi aplicado no Brasil como um voto de desconfiança no presidencialismo. Não é esse nosso modelo. Devemos ter cautela no manejo desse tipo de instrumento.

Então não é o momento de pedir impeachment?

Não é o momento. Temos agora uma crise aguda humanitária. A tendência é miséria. Estados sem pagar folha. A maior parte da mão de obra é precarizada. Ganha o sustento da mão para a boca. Vai ser um ano terrível, de acirramento do drama social brasileiro. O ideal é um recuo do presidente de atitudes inaceitáveis como aquela de ir para a rua e incentivar manifestantes de ultra direita contra as instituições. É hora de moderação, e por isso de usar com cautela e moderação instrumentos como o impeachment.

Do ponto de vista jurídico, há justificativa para um impeachment?

Na nossa área das ciências humanas sempre vai haver quem diga que há e não há. De tudo que aprendemos do processo político, institucional e constitucional nas últimas décadas o impeachment é um copo que vai enchendo aos poucos. É um conjunto de inviabilidade política com ofensas diretas a legalidade que vão gerando um esgotamento da capacidade de governar. Não vejo ainda uma situação concreta que nos leve a um pedido de impeachment. Vejo agressões graves e posturas incompatíveis com o cargo por falta de capacidade de governar. Sou um crítico duro à forma como Jair Bolsonaro vem governando. É irresponsável e incompetente, mas a verdade é que ainda temos que trabalhar com clareza na democracia. Ele ainda tem mais de dois anos de governo. Tem como corrigir essa postura.

O sr. guarda mágoas do Bolsonaro pelo ataque que o presidente fez ao seu pai?

Eu tive uma infância terrível. Perdi meu pai com menos de dois anos. Tive tios torturados. Minha mãe foi presa. Tomei como missão de vida não fazer disso algo que me tomasse de rancor. Sempre fui pela reconciliação e pela anistia. Não guardo rancor, não guardo mágoa. Era isso ou me envenenar e morrer. O presidente agiu de uma forma inaceitável, mas assim agiu com muitos outros. O presidente age como o pior elemento da escola dos nossos filhos, que é o rapaz valentão que não estuda e no recreio fica batendo moralmente nos outros. O presidente é um ator do bullying institucional. Ele tem a seu serviço empresários com os piores interesses econômicos. É óbvio que tem interesses econômicos espúrios por trás dessa máquina de ódio digital. Bolsonaro é o conjunto do que não gostamos no conjunto do ser humano médio.

Estadão
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