12 perguntas ainda sem resposta sobre o assassinato de Marielle e Anderson
Polícia prendeu dois acusados de terem executado vereadora e seu motorista há quase um ano, mas ainda restam muitas questões não esclarecidas em torno do crime.
Mesmo após a prisão do policial militar reformado Ronnie Lessa e do ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz, acusados de executarem a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018, ainda há muitas perguntas sem resposta sobre o crime.
As principais - se houve mandante, quem seria essa pessoa e qual seria sua motivação - serão objeto da segunda fase das investigações, segundo as autoridades à frente do caso.
O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), disse que os acusados poderão fazer uma delação premiada, se assim quiserem, para contribuir com esta nova etapa. Questionado sobre o tema, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), não descartou esta opção.
Abaixo, as principais questões em aberto sobre o homicídio, como a BBC News Brasil mostra a seguir.
1. Houve mandante do crime?
Essa é a principal pergunta não respondida até agora, assim como as outras questões ligadas a ela: quem seria esse mandante e qual seria sua motivação. A polícia deixou claro na coletiva de terça-feira que não tem respostas a elas porque serão objeto da segunda fase das investigações.
Mas entre as informações dadas na terça-feira há indícios de que o assassinato da vereadora foi encomendado, como o fato dele ter sido "meticulosamente planejado", depoimentos de suspeitos de ligação com milícias de que o crime teria custado "R$ 200 mil", e o próprio perfil dos acusados, suspeitos de terem realizados outros homicídios e de envolvimento com milícias.
2. Havia um terceiro ocupante em um dos carros envolvidos no crime?
Marielle, Anderson e uma assessora da vereadora viajavam em um carro pelo bairro do Estácio, quando um Cobalt prata emparelhou com o veículo. Os disparos foram dados de dentro do Cobalt. A princípio, a polícia afirmou que havia dois ocupantes no carro, que havia aguardado por duas horas a saída de Marielle de um evento e depois a perseguiu.
Foi divulgado posteriormente que a análise de imagens de câmeras de segurança por meio de um programa de computador indicou haver três pessoas no interior do Cobalt prata e que isso teria sido difícil de identificar por conta da película escura usada nos vidros do veículo.
Na terça-feira, no entanto, Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios da Capital, responsável pela investigação, disse que a hipótese mais provável é de que apenas Lessa e Queiroz estavam no Cobalt prata usado no crime.
"Análise de imagem é bastante delicado, precisa de ferramentas. Numa primeira leitura, tínhamos o desenho de três pessoas no carro. Em análise mais recente, porém, estamos caminhando para confirmação de um motorista e uma pessoa no banco de trás, sem carona", disse Lages.
Esse aspecto da investigação ainda será aprofundado na próxima fase da investigação, de acordo com o delegado. Por sua vez, o MP-RJ diz categoricamente que não havia uma terceira pessoa no veículo.
3. Por que Marielle entrou na mira dos criminosos pouco tempo depois de assumir o cargo de vereadora?
O crime teria sido "meticulosamente planejado" nos três meses anteriores ao crime, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ). Isso significa que Marielle passou a ser um alvo antes mesmo de completar um ano como vereadora.
Segundo a denúncia, "é inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia".
"É surpreendente que a Marielle tenha incomodado tanto em tão pouco tempo", disse a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) à BBC News Brasil. "Por que logo a Marielle? Qual foi o ponto crítico? O que ela fez especificamente para ser morta?"
Marielle foi a quinta candidata mais votada nas eleições municipais de 2016, com 46.502 votos, em sua primeira disputa eleitoral.
Na Câmara, era um dos quatro relatores de uma comissão criada em fevereiro para monitorar a intervenção federal de segurança pública no Estado do Rio. Também presidia a Comissão de Defesa da Mulher e havia proposto projetos de lei voltados à defesa de direitos de minorias e a assistência social.
Entre eles estavam a criação de espaço de acolhida de crianças durante a noite, enquanto seus pais estudam ou trabalham, uma campanha permanente de conscientização sobre assédio e violência sexual, um estudo periódico de estatísticas sobre mulher atendidas por serviços públicos da cidade, a oferta de assistência técnica gratuita em habitação para famílias de baixa renda e um dia de combate à LGBTfobia.
Em entrevista coletiva na manhã de terça-feira, Lages disse que um dos acusados, Lessa, tem "obsessão por personalidades que militam à esquerda".
"Numa análise do perfil dele, você percebe ódio e desejo de morte, você percebe alguém capaz de resolver diferenças dessa forma (matando)", afirmou o delegado.
Essa interpretação foi corroborada pelo MP-RJ em entrevista coletiva na tarde desta terça-feira. A promotora Simone Sibilio, coordenadora do Gaeco, disse que os acusados agiram por "motivo torpe" e que Lessa teria matado a vereadora por "repulsa" a sua atuação política. Anderson teria sido incluído como alvo para dificultar a solução do crime.
O MP-RJ não exclui, no entanto, que tenha havido outras motivações, nem que o crime tenha sido encomendado por outras razões.
4. Os acusados têm relação com a milícia Escritório do Crime, que atua em Rio das Pedras?
Durante a maior parte das investigações, era apurado se o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-policial Orlando Oliveira de Araújo, conhecido como Orlando de Curicica, atualmente preso por chefiar uma milícia, foram os mandantes do crime. Os dois sempre negaram ter envolvimento no caso.
Em setembro do ano passado, Orlando de Curicica denunciou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que estaria sendo coagido pela Delegacia de Homicídios do Rio a assumir a autoria do crime.
Na época, segundo o jornal O Globo, ele também afirmou que Marielle e Anderson foram mortos pela milícia Escritório do Crime, que atua em Rio das Pedras, na zona oeste da cidade. A execução do crime teria custado R$ 200 mil. Curicica afirmou ainda que, embora soubesse quem havia matado a vereadora, desconhecia a motivação.
Porém, segundo o MP-RJ, não há provas contundentes do envolvimento de Lessa com milícias. Mas isso ainda está sendo investigado, porque há indícios de sua "participação em atividade paramilitar", ainda que não em Rio das Pedras, mas em outras áreas da cidade.
O órgão afirma que ele é suspeito de ter cometido homicídios ligados à contravenção (jogo do bicho). O mesmo motivo levou à instauração do processo que culminou com a expulsão de Queiroz da PM. De acordo com o MP, os dois são amigos.
À BBC News Brasil, Marinete Silva, mãe de Marielle, questionou por que milicianos teriam encomendado a morte de sua filha: "Marielle não atuava nessas áreas. As cobranças que ela fazia eram em cima de várias questões nas quais ela acreditava. Não era direcionada a milícia. As pautas que ela defendia eram as da mulher negra, dos direitos humanos, de defender o outro".
5. Há algum laço entre os suspeitos e o vereador Marcello Siciliano e o ex-PM Orlando de Curicica, apontados como suspeitos de tramar o crime?
A linha de investigação que apurava se Siciliano e Orlando de Curicica seriam os mandantes do crime perdeu força, segundo uma reportagem do Globo, a partir de apurações paralelas realizadas pela Polícia Federal.
Isso ocorreu após uma testemunha, o PM Rodrigo Ferreira, voltar atrás nas declarações que implicavam os dois suspeitos. Segundo o delegado Giniton Lages, esta pessoa pode ser responsabilizada por falso testemunho caso isso seja provado. As autoridades não souberam informar o que teria motivado estas declarações.
No entanto, Lages disse que a hipótese do envolvimento de Siciliano e Curicica não está totalmente descartada, mas não esclareceu se existe algum indício que ligue os dois acusados presos nesta terça àqueles que eram tratados na maior parte do último ano como os principais suspeitos pelo crime.
6. Como as armas e munições usadas no crime foram extraviadas das polícias civil e federal?
A polícia identificou que uma submetralhadora HK MP5, de origem alemã e calibre 9mm, foi empregada no crime. Trata-se de uma arma de uso restrito no Brasil, utilizadas por forças especiais.
Cinco unidades de submetralhadoras deste modelo teriam desaparecido do arsenal da Polícia Civil, algo que foi identificado em um recadastramento feito em 2011.
Por sua vez, as balas usadas eram do lote UZZ18, vendido à Polícia Federal em 2006 e ligado a outros crimes. Raul Jungmann, então ministro de Segurança Pública, disse logo após o assassinato de Marielle e Anderson que a munição foi roubada "anos atrás" na sede dos Correios na Paraíba. Os Correios afirmaram não ter registro disso.
As investigações não revelaram até o momento quem estaria por trás destes desvios de munição e armas nem como elas teriam chegado aos acusados.
7. De quem são as digitais encontradas nas cápsulas achadas na cena do crime?
Durante as investigações, a polícia encontrou fragmentos de digitais em nove cápsulas de munição achadas na cena do crime. Os fragmentos seriam insuficientes para identificar os autores dos disparos, mas poderiam ser confrontadas com as digitais de possíveis suspeitos.
No entanto, nas duas coletivas de imprensa realizadas nesta terça-feira, nada foi divulgado neste sentido.
8. De onde veio o Cobalt prata usado no crime?
A origem do Cobalt prata usado pelos dois acusados ainda é um mistério. O número da sua placa foi clonado, e o veículo registrado sob a numeração foi encontrado na Zona Sul do Rio, estacionado na garagem de uma cuidadora de idosos.
De acordo com o MP-RJ, a investigação mostrou que o Cobalt já circulava pelo Rio de Janeiro desde 2016 e que ele foi comprado especialmente para a execução do crime.
Imagens de câmera de segurança mostraram que o carro estava na Barra da Tijuca horas antes do crime. Sua identificação foi possível por características do veículo, como um "defeito traseiro inconfundível".
Mas ainda não se sabe de onde o Cobalt veio nem o percurso que realizou após o assassinato.
9. Quem clonou a placa do Cobalt prata e quando?
Em maio do ano passado, Thiago Bruno Mendonça foi preso acusado de matar o líder comunitário Carlos Alexandre Pereira Maria, o Cabeça. Mendonça era colaborador de Siciliano e foi apontado por uma testemunha como um ex-miliciano ligado a Orlando de Curicica.
Thiago era suspeito de ter envolvimento na execução da vereadora e de seu motorista. Seria o responsável por clonar a placa do Cobalt prata.
Depois, em dezembro, a Polícia Civil cumpriu mandados de prisão em 15 endereços no Rio e em Minas Gerais contra integrantes de milícias, alguns deles suspeitos de participar do crime. Segundo o jornal O Globo, o alvo seria uma quadrilha especializada na clonagem de veículos.
Porém, nada foi revelado por autoridades até agora sobre quem teria colaborado com esta fraude.
10. Quem desligou as câmeras de segurança no trajeto de Marielle e Anderson?
Cinco das onze câmeras que ficam no trajeto percorrido pelos assassinos de Marielle e Anderson estavam apagadas naquela noite. Elas teriam sido desligadas de 24 a 48 horas antes do crime, segundo apurou o site G1.
Apesar de ter sido um dos principais desdobramentos do início da investigação, a Polícia Civil descarta agora que este fato tenha relação com o homicídio.
O delegado Giniton Lages afirmou na terça não haver qualquer prova que indique que agentes públicos teriam desligado os aparelhos propositalmente, para proteger os criminosos.
11. Houve um desfecho para a segunda linha de investigação que apurava o envolvimento de deputados do MDB?
Em agosto, abriu-se uma nova linha de investigação. Três deputados estaduais do MDB, Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani, passaram a ser investigados, de acordo com a TV Globo
Atualmente presos, acusados de terem recebido propinas de empresas de ônibus, eles teriam se envolvido no crime como uma retaliação ao deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) quando ele ainda atuava como deputado estadual.
Freixo liderou uma ação para impedir a posse de Albertassi como conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, que seria uma forma do trio escapar da investigação do braço da operação Lava Jato no Estado. Eles negam todas as acusações.
Nas coletivas de terça-feira, não foi divulgado se esta apuração deu frutos ou se o trio de políticos ainda é suspeito de algum envolvimento no caso.
Em entrevista à BBC News Brasil em janeiro, Freixo disse ter falado sobre essa possibilidade com autoridades, mas afirmou er estranhando que isso não tenha recebido muita atenção à época.
Questionado na terça-feira sobre o assunto, o deputado afirmou no entanto que "não cabe a ele fazer ilações sobre quem seria o grupo político por trás do assassinato".
"Cabe aos investigadores identificar, e isso não pode demorar mais um ano. A partir do momento que se identifica quem apertou o gatilho, se facilita saber quem mandou matar", declarou.
12. Houve negligência ou tentativa de fraude nas investigações?
A pedido da PGR, a Polícia Federal instaurou, em novembro de 2018, uma "investigação da investigação" do caso Marielle. Havia a suspeita de que agentes do Estado estariam atuando para obstruir a elucidação do crime.
Segundo disse à época o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, essa segunda apuração foi criada após depoimentos ao Ministério Público Federal darem conta de que havia "uma organização criminosa envolvendo agentes públicos de diversos órgãos, organização criminosa e a contravenção para impedir, para obstruir, para desviar a elucidação dos homicídios de Marielle e do Anderson Gomes".
O ex-ministro já havia afirmado em agosto que o envolvimento de agentes do Estado e de políticos no crime dificultava seu esclarecimento. A investigação da PF segue em sigilo.
Antes, em maio, uma reportagem da TV Record apontou que o carro em que estavam Marielle e Anderson havia sido deixado no pátio da delegacia sem cuidados especiais para a preservação de provas e que os corpos das vítimas não passaram por raio-x porque o Estado estaria sem equipamento.
Existe ainda outro indício da participação do poder público para acobertar os responsáveis, que ainda não foi confirmado.
Segundo a promotora Simone Sibilo, do Gaeco, a operação de terça-feira foi adiantada, porque os investigadores receberam a informação de que os acusados teriam sido alertados de que seriam presos. De acordo com Sibilo, Lessa disse no momento da operação que sabia quando a polícia agiria.
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