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'A comunidade não vai aceitar': os planos do governo Lula de encerrar programa de escolas cívico-militares

Equipe de transição sinalizou que pretende acabar com o programa federal de escolas cívico-militares, bandeira de campanha de Bolsonaro.

6 dez 2022 - 05h51
(atualizado às 07h49)
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Aumento da violência e apreço pela disciplina militar são motivos apontados pelas comunidades favoráveis ao modelo cívico-militar
Aumento da violência e apreço pela disciplina militar são motivos apontados pelas comunidades favoráveis ao modelo cívico-militar
Foto: BBC News Brasil

Principal promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) na área da educação, o programa de escolas cívico-militares pode estar com seus dias contados. Membros da equipe de transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam que a ideia é que o programa seja desativado na nova gestão.

A sinalização, porém, deverá causar reações entre os que defendem o modelo federal já implementado em dezenas de cidades em todo o Brasil. Entidades e gestores a favor das escolas cívico-militares afirmam que parte delas deverá manter o modelo mesmo se o novo governo federal encerrar o programa.

"A comunidade não vai aceitar", disse à BBC News Brasil a diretora da Escola Estadual Cívico-Militar Tancredo de Almeida Neves, Valéria Ramirez Daniel, de Foz do Iguaçu (PR).

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militar (Pecim) foi lançado em setembro de 2019, no primeiro ano do governo do presidente Bolsonaro. Ex-capitão do Exército, Bolsonaro defendeu o ensino militar ao longo de toda sua trajetória política e, durante a campanha presidencial de 2018, prometeu implementar escolas cívico-militares em todo o Brasil.

Seu principal argumento era de que um dos principais problemas da educação no país seria a falta de disciplina e uma suposta doutrinação ideológica de esquerda praticada em sala de aula.

Gestão militar em escolas

De acordo com o programa lançado pelo governo federal, as escolas cívico-militares são aquelas em que militares da reserva participam da gestão e da organização da escola, embora a direção e a maior parte das disciplinas continuem a cargo de civis. As escolas cívico-militares não são iguais aos colégios militares do Exército ou das polícias militares existentes em praticamente todo o país. Nessas unidades, toda a gestão é feita por militares.

Na maioria das escolas que adotam esse modelo híbrido, os militares atuam no recebimento dos alunos, nos intervalos entre os turnos e no encerramento do horário de aula. Eles são pagos diretamente pelo Ministério da Defesa.

Além disso, as escolas adotam fardas que simulam uniformes militares e realizam rotinas como cantar o hino nacional periodicamente.

A adesão ao modelo é voluntária e ocorre após a realização de uma consulta pública em que a comunidade que fica no entorno da unidade pode opinar sobre se ela deve ou não adotar o modelo.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), a meta era que 2016 escolas cívico-militares fossem implementadas até 2023. Até o momento, segundo a pasta, o número chegou a 202, mas haveria uma "fila" de pelo menos 350 municípios à espera para entrar no programa.

Modelo em xeque

Apesar do suposto sucesso do programa, integrantes da equipe de transição ligados à pauta da educação afirmam que a tendência é que o programa seja encerrado.

"Eu considero que a escola cívico-militar é um equívoco que tem que ser revisto. É preciso um processo de transição para rever práticas pedagógicas adotadas pelas escolas que aderiram ao programa", disse à BBC News Brasil o pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Cara. Ele é integrante do grupo de trabalho da equipe de transição que avalia as políticas que serão adotadas no próximo governo.

"A tendência é que o programa seja encerrado", disse à BBC News Brasil o líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (MG). Durante a campanha presidencial, ele ficou responsável por representar Lula nas discussões sobre educação.

A avaliação de críticos ao modelo cívico-militar é de que ele parte de uma premissa equivocada: a de que a disciplina militar seria responsável por melhorar o desempenho dos alunos. Outro fator que faria com que as comunidades fossem favoráveis à adoção do modelo é o temor em relação à violência dentro e nas proximidades das escolas, especialmente nas áreas periféricas das cidades.

"O problema é que as pessoas olham para o desempenho dos colégios militares e acham que os bons resultados são resultado dos militares e não da quantidade de recursos que são empregados nessas unidades", disse a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Goiás (Sintego) e deputada estadual eleita, Bia de Lima (PT).

Na segunda-feira (28/11), uma reportagem do jornal O Globo apontou que esse grupo de trabalho sobre educação da equipe de transição havia chegado a um consenso de que o programa deveria ser extinto.

A crítica da petista em relação ao modelo contrasta, em parte, com a quantidade de escolas em estados historicamente governados pelo PT e que aderiram ao modelo cívico-militar. É o caso da Bahia que, em 2019, tinha 83 escolas municipais de ensino fundamental adotando o formato militarizado. Lá, a parceria é feita com a Polícia Militar e não com as Forças Armadas.

O programa baiano é anterior ao lançado pelo governo federal. O governo estadual não aderiu à iniciativa de Bolsonaro e das 202 escolas que aderiram ao programa federal, apenas duas são baianas.

Bia de Lima explica a procura dos municípios baianos pelo modelo militarizado.

"É a violência que faz com que haja essa procura. Os pais e os gestores municipais acham que o problema da violência vai ser resolvido colocando policial dentro das escolas. Mas o lugar do policial é fora das escolas e não dentro", disse a sindicalista e deputada.

Daniel Cara avalia que não é possível o governo federal obrigar as escolas que já aderiram ao programa federal a mudar seus modelos. Por isso, segundo ele, seria importante estabelecer medidas de transição entre a versão cívico-militar e a 100% civil.

Na prática, porém, o fim do programa e a destinação de suas verbas para outras áreas deverá comprometer um dos principais eixos do seu funcionamento: a presença de militares da reserva dentro das unidades.

Reação

Valéria Ramirez, que dirige uma das escolas que aderiu ao programa federal, diz que a reação na comunidade atendida pela unidade à possibilidade de encerramento do programa foi negativa e que pais e mães de estudantes demonstraram preocupação.

"Eu tenho recebido várias consultas nos últimos dias e os pais disseram que se o programa acabar e a escola deixar de ser cívico-militar, eles vão tirar os filhos daqui", disse.

A escola dirigida por Valéria aderiu ao programa federal em 2020. Desde então, ela conta, as mudanças impostas pelo novo modelo tiveram impacto positivo na rotina dos alunos e dos professores.

"A questão disciplinar mudou muito. Agora, com a presença dos militares, os professores se preocupam menos com a bagunça. Isso fez aumentar o tempo que os professores têm para ministrar as aulas porque eles passam menos tempo sendo interrompidos", afirmou a diretora.

Valéria também afirma que o desempenho escolar dos alunos melhorou. Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram que, no Ensino Médio, a nota da escola saiu de 3,8 em 2019 para 4,8 em 2021. A nota da escola ficou acima da média do Paraná no Ensino Médio público, que foi 4,6.

"Antes, a gente avançava muito devagar. Era quase um décimo de aumento por ano. Após a mudança pro cívico-militar, nós subimos um ponto inteiro", comemorou a diretora.

"Eu não vou aceitar se eles mudarem", disse a aposentada Luzia Célia Stein, 62. Ela é vizinha da escola Tancredo de Almeida Neves e tem dois de seus sobrinhos estudando na unidade.

"Eu moro aqui há muitos anos. Meus filhos estudaram nessa escola e eu pude ver a mudança. Não tem mais venda de drogas na esquina, não se ouve mais palavrão na saída dos alunos. Eu acho que não tem que mudar nada", afirmou Luzia.

O presidente e fundador da Associação Brasileira de Educação Cívico-Militar (Abemil), Davi Lima, disse que o fim do programa federal vai frustrar pais e alunos.

"Vai ser uma frustração muito grande porque é um modelo que vem dando certo. Ainda não há nenhuma posição oficial, mas a gente espera que isso não vá pra frente. Mas se for, acho que as escolas e as comunidades vão procurar formas de manter o modelo", afirmou.

Valéria Ramirez diz que já está avaliando possibilidades para manter o esquema cívico-militar caso o programa do governo federal seja extinto. Uma das alternativas seria aderir ao programa Estado do Paraná, liderado pelo governador Ratinho Júnior (PSD), que durante as eleições deste ano apoiou Jair Bolsonaro. Ratinho Júnior é um entusiasta do modelo.

"Se o governo federal acabar o programa, vou ter que recorrer ao governo estadual. Pra nós, será ruim porque hoje temos 15 militares na nossa escola. No programa estadual, as escolas têm entre dois ou três. Vamos perder muito, mas vamos tentar manter o modelo", diz Valéria.

Procurado pela BBC News Brasil, a atual gestão do MEC defendeu o programa. Por e-mail, a pasta disse que as escolas cívico-militares teriam obtido "expressivos resultados" em quesitos como a redução da evasão e abandono escolar, diminuição da violência, maior participação de pais e responsáveis na vida escolar e melhoria do Ideb.

A BBC News Brasil solicitou ao MEC relatórios ou dados que comprovariam as informações repassadas por e-mail, mas nenhum documento ou estudo foi enviado.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63825966

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