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A escolha de Moro

1 nov 2018 - 18h09
(atualizado em 2/11/2018 às 08h53)
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O juiz que ajudou a mandar Lula para prisão e que disse que nunca iria para a política aceita "superministério" da Justiça no governo Bolsonaro. Uma decisão que alimenta questionamentos a sua conduta.Março de 2017. Em trânsito pelo aeroporto de Brasília, Jair Bolsonaro (PSL) tenta cumprimentar Sérgio Moro, estrela principal da Operação Lava Jato. Sua mão fica no ar. O deputado é ignorado pelo juiz, que explicou depois que não queria que imagens do momento fossem exploradas politicamente. Um ano e meio depois, a esnobada ficou para trás. É a vez de Moro se dirigir até a casa de Bolsonaro, não mais um mero deputado, mas o presidente eleito. Ao sair do encontro desta quinta-feira (01/11), Moro também deixou de ser um juiz. É o novo ministro da Justiça e Segurança do futuro governo Bolsonaro.

O anúncio também mostrou que a Lava Jato deixou de ser restrita a repetitivas fases marcadas por prisões e operações de busca e de se limitar a um embate entre parte do Judiciário e o mundo político. Agora, ela deve passar para dentro do governo, marcando a união das suas atividades anticorrupção com um novo ocupante do Planalto que fez do antipetismo uma de suas principais plataformas de campanha.

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Ao aceitar o convite, Moro deve assumir um superministério, e não meramente a atual pasta esvaziada pelo governo Michel Temer. Além das atribuições da Justiça, ele terá sob seu guarda-chuva as estruturas dos atuais ministérios da Segurança Pública e da Transparência (antiga Controladoria-Geral da União) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que hoje faz parte da pasta da Fazenda. Ao comentar a decisão de Moro, Bolsonaro disse que o juiz aceitou o convite como "um jovem universitário recebendo um diploma, com muita vontade de realmente levar adiante a sua agenda".

Moro disse em nota que tomou a decisão com pesar, considerando seus 22 anos na magistratura. "No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito a Constituição, a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior", disse Moro.

Nunca desde a redemocratização houve um Ministério da Justiça com tantas atribuições. Para Moro, o convite também marca uma mudança em relação a posicionamentos anteriores e a imagem de juiz alheio à política que tentou cultivar no início da Lava Jato. Em 2016, ele afirmou em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo que era "um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não um homem da política".

Aliados de Bolsonaro afirmaram ao jornal Folha de S.Paulo que enxergam Moro como um potencial sucessor de Bolsonaro à Presidência em 2022 ou 2026. Como plano B, ainda há a possibilidade de usar a "promoção" para o ministério para habilitar Moro a uma indicação no Supremo Tribunal Federal (STF), já que uma vaga deve ser aberta na Corte em 2020.

Estudioso da Operação Mãos Limpas, que nos anos 1990 implodiu o mundo político italiano e serviu de inspiração para os procuradores juízes da Lava Jato, Moro também passa a seguir os passos de Antonio Di Pietro, o principal procurador da operação no país europeu e que conseguiu obter a ordem de prisão de um ex-primeiro-ministro socialista. Enquanto apresentava denúncias contra políticos, Di Pietro negou repetidas vezes a intenção de se lançar como político. No entanto, acabou assumindo um cargo ministerial no governo Romano Prodi em 1996, após recusar um convite do premiê anterior, Silvio Berlusconi.

A intenção de Moro de assumir o ministério também já está alimentando ainda mais as polêmicas que passaram a envolver o juiz desde 2016, época em que sua atuação pessoal começou a ser alvo de questionamentos, e deu fôlego para os críticos que o acusam de agir de maneira política em processos. Após atuar em casos que revelaram uma imensa estrutura de corrupção na Petrobras que alimentava partidos e figuras destacadas da política, Moro também passou a se envolver diretamente em episódios como a divulgação dos grampos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acelerou a derrocada do governo Dilma Rousseff.

Também foi Moro o juiz responsável pela primeira condenação de Lula em 2017, que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Em abril deste ano, foi a vez de o juiz determinar a prisão de Lula, que à época era considerado o candidato favorito para vencer o pleito. Com Lula na prisão e barrado pela Justiça Eleitoral, Bolsonaro passou para a liderança nas pesquisas. O jornal The Times, de Londres, resumiu a controvérsia do convite com o titulo: "Bolsonaro promete posto-chave para juiz que prendeu seu rival".

A uma semana do primeiro turno, Moro também ajudou a desgastar ainda mais a campanha petista ao retirar o sigilo da delação do ex-ministro Antônio Palocci, que implicou mais uma vez Lula. Era uma delação firmada pela Polícia Federal, a contragosto do Ministério Público, que considerou as provas apresentadas por Palocci como fracas. Para alimentar ainda mais a controvérsia, o vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, disse que a aproximação com Moro já havia começado durante a campanha. "Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato", afirmou.

Após pedido de esclarecimentos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a divulgação de Palocci, o juiz federal negou ter tentado influenciar o processo eleitoral, uma vez que o presidenciável petista Fernando Haddad não foi citado na delação do ex-ministro. Moro também não declarou publicamente seu voto durante a campanha, mas sua esposa, a advogada Rosângela Moro, celebrou a vitória de Bolsonaro nas redes sociais.

Se tivesse decidido recusar o convite e permanecido na magistratura, Moro ainda teria pela frente outros dois casos envolvendo Lula. Um deles é a ação penal sobre o sítio em Atibaia (SP), que renderam novas acusações de corrupção e lavagem de dinheiro ao ex-presidente. Uma audiência do caso estava marcada para 14 de novembro. Outro processo tem relação com a compra de um terreno pela Odebrecht onde seria construída uma nova sede do Instituto Lula e de um apartamento vizinho ao do ex-presidente em São Bernardo do Campo (SP).

Logo depois do anúncio do convite de Bolsonaro, Moro afirmou que vai se afastar imediatamente dos casos pedentes. "Para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências", disse Moro. "A Operação Lava Jato seguirá em Curitiba com os valorosos juízes locais", completou.

A repercussão da nomeação tem sido dividida, assim como foi com a atuação do juiz na Lava Jato. Apoiadores de Bolsonaro celebraram, é claro, a decisão de Moro. Mas a iniciativa também recebeu elogios do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um crítico de Bolsonaro. "Moro na Justiça. Homem sério. Preferia vê-lo no STF, talvez uma etapa. Fusões de ministérios sim, com prudência. Já vimos fracassos colloridos. Torço pelo melhor, temo que não, sem negativismos nem adesismos. A corrupção arruína a política e o país. Se Moro a combater ajudará o país", disse ele. Já a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) declarou "O juiz Sergio Moro tem todas as credenciais para assumir o encargo e enaltecerá o Ministério da Justiça".

Entre apoiadores do ex-presidente Lula e figuras da esquerda, a decisão foi recebida como críticas duras e alimentou ainda mais a narrativa de que o juiz teve razões políticas para condenar Lula. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, afirmou que Moro "ajudou a eleger, agora vai ajudar a governar". "Moro será ministro de Bolsonaro depois de ser decisivo pra sua eleição, ao impedir Lula de concorrer", disse ela.

Já o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), fez um paralelo com a Itália dos anos 1990 em sua conta no Twitter. "A operação Mãos Limpas na Itália levou Berlusconi a governar a Itália. A #LavaJato levou Bolsonaro a ser eleito presidente. Mas os juízes e procuradores italianos tiveram pudor e não foram para o ministério de Berlusconi", escreveu. A ex-presidente Dilma Rousseff, por sua vez, escreveu "o juiz está nu".

O candidato derrotado à Presidência Ciro Gomes (PDT) afirmou que é melhor que Moro vá para o ministério. "Acho Moro um juiz político, politiqueiro. Então, é muito melhor que ele fique no Ministério do que no Supremo. Ele deveria assumir logo a política. A aptidão dele para a política é completa. Só que com a toga vira uma aberração", disse.

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