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A 'inventora em série' de Alagoas que é finalista do 'Nobel da Educação' para estudantes

Ana Júlia Monteiro de Carvalho é a única finalista da América Latina de prêmio para jovens que estão transformando o mundo

25 out 2021 - 19h41
(atualizado às 19h57)
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Um dos projetos de Ana Júlia transformou a concha do sururu em telhas
Um dos projetos de Ana Júlia transformou a concha do sururu em telhas
Foto: BBC News Brasil / BBC News Brasil

Ana Júlia Monteiro de Carvalho está se tornando uma celebridade. Ao sentar-se para dar a entrevista à BBC News Brasil, teve de se retirar. Era chamada em outra sala para falar um pouco de sua experiência. 

Além disso, já se encontrou com o prefeito de Maceió, com o governador de Alagoas, além de secretários, vereadores e deputados. Teve até de reativar as suas redes sociais, já que a caixa de solicitações de mensagem começou a se encher e a lhe dar a voz para, nas palavras dela, 'mudar o mundo'.

Aos 18 anos e no 3º ano do ensino médio, a aluna da Escola Industrial Abelardo Lopes, do Serviço Social da Indústria (Sesi), em Alagoas, é a única aluna da América Latina no top-10 do Global Student Prize, considerado o Nobel da Educação.

Ela competiu com mais de 3,5 mil outros estudantes, de 94 países, para chegar à fase final do prêmio criado pela Fundação Varkey, em parceria com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O prêmio avalia toda a carreira do estudante até chegar às avaliações. É necessário que os trabalhos desenvolvidos tenham impacto positivo ao meio ambiente, justiça, saúde e até mesmo em formas de diminuir ou extinguir a pobreza.

O Nobel da Educação, no entanto, sempre foi direcionado a professores. Somente em 2021 foi iniciado o processo com estudantes. Além de uma premiação em dinheiro, os alunos do top-50 fazem parte de uma comunidade que continuará tentando promover essas mudanças.

Mas Ana Júlia nunca imaginou que estaria naquela disputa e muito menos que iria conseguir representar tão bem a região em que nasceu. Isso porque, quando criança, ela morava em uma vila com vários membros da sua família e mal conseguia dormir por conta do barulho.

O grande benefício de morar naquele lugar, curiosamente chamado de Nova Vila, era a facilidade de ir estudar na escola do Sesi aos 6 anos de idade. Antes disso, fazia companhia à mãe, Cláudia Rejane, nos ônibus e transportes para o trabalho. Poucos anos depois, Ana faria o primeiro esforço para fugir do estudo convencional.

Ela queria participar das equipes de robótica, mas, pela pouca idade, não conseguia. Resolveu criar um projeto para apresentar à coordenação e aos professores. Entrou para a equipe no ano seguinte.

"Acho que sempre tive essa vontade de fazer as coisas de um jeito diferente, me comunicando. A minha habilidade na robótica foi justamente a de apresentação. Meus pais estranharam no começo, mas as vitórias abriram o caminho e me deram ainda mais o apoio deles", conta.

Invenções e prêmios

Os títulos nacionais e internacionais vieram aos montes. Pela robótica, ela viajou aos Estados Unidos e ao Uruguai, mas sempre mantinha projetos paralelos que acreditava que seriam os responsáveis por mudar o mundo — embora, se não mudasse o mundo, ficaria feliz em mudar a vida de só uma pessoa.

Maceió é uma cidade cujas regiões mais pobres são delimitadas. A região à beira da Lagoa Mundaú, onde as pessoas moram em barracos e têm pouco ou nenhum saneamento básico, é um desses lugares. Lá, a subsistência surge em usa maioria pela venda do sururu, mas o descarte das cascas do animal é feito nas ruas, à céu aberto.

Por conta desse material descartado, Ana e e sua equipe despertaram para a possibilidade de fazê-lo ser reutilizado. Dali surgiu um dos seus maiores projetos. Com a casca do molusco, foi possível construir telhas.

"É uma coisa bem empreendedora, na verdade. Quem passa perto da Lagoa Mundaú vê a pesca, a caça, mas também percebe que muitas cascas ficam nas ruas. Então, nós desenvolvemos essa telha com o pó como uma forma de preservar o meio ambiente e também de dar mais possibilidades a essas pessoas", conta.

A robótica foi a porta de entrada de Ana Júlia para a pesquisa científica
A robótica foi a porta de entrada de Ana Júlia para a pesquisa científica
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ao mesmo tempo em que viajava o país, a estudante também descobriu que precisava fortalecer o seu próprio regionalismo. Apaixonada pelo Brasil e pelo Nordeste, Ana diz que nunca sofreu uma "xenofobia explícita", mas que sentia que as pessoas desacreditavam da sua capacidade.

"Era feito de uma forma muito velada quando íamos ao Sul ou ao Sudeste. As perguntas davam a entender que não éramos inteligentes. Por isso, numa apresentação, toda a nossa equipe resolveu se vestir com roupas típicas do cangaço, misturadas à Ciência. Foi assim que protestamos".

Outro projeto que Ana destaca em sua carreira é o Sustainable Aerator, com o objetivo de aumentar a qualidade de água para os animais, ampliando a sua produção leiteira em países em desenvolvimento.

"Na verdade, esse projeto é um dos que mais me tocou. Tenho uma boa parte da minha família na zona rural, ou seja, enfrentando esse tipo de dificuldade com a água. Então, criamos o mecanismo, que serve como uma bomba, para aumentar a qualidade de água que os animais receberão".

Rotina intensa e planos para o futuro

Durante a entrevista, Ana lamenta ter deixado a maior parte das suas "invenções" em casa, já que passaria o dia inteiro na escola — aulas pela manhã, entrevista à tarde e conversa com os pais de outros alunos à noite. Não que o problema fosse a rotina, já que aquele era somente um dia normal.

"Desde muito nova, eu fico aqui na escola durante dias. Já dormi aqui, já passei 48h acordada para resolver algumas coisas dos nossos projetos. Vinha nas férias, venho sempre, na verdade. E como esse é meu último ano, fico pensando: 'Como vai ser daqui para frente, tendo que enfrentar o mundo quase sozinha?' Mas sei que vai dar certo."

Em um dos momentos em que a entrevista foi interrompida, Ana se empolgou ao ouvir sobre as possibilidades de estudar no exterior. Quando questionada, ela disse com firmeza que esse é seu maior objetivo.

"Eu não vou fazer o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) neste ano. O justo é que as pessoas sejam julgadas pelas suas habilidades e esse não é o meu objetivo. Estou definindo os próximos passos, mas espero conseguir estudar fora do país, sair um pouco da minha bolha, e ganhar a experiência necessária para voltar e mudar a minha realidade".

Os encontros com o prefeito João Henrique Caldas (PSB) e com o governador Renan Filho (MDB) foram proveitosos. Houve diálogo entre a estudante e os políticos, que se mostraram abertos a conhecer as ideias da estudante.

"Esse tipo de coisa me faz pensar que a política também pode ser interessante. É bom ter conhecimento e poder integrar diversas áreas. Dialogar com os governantes do meu Estado é importante. Dá para sentir que eu sou uma pessoa que pode fazer mudanças, sim, e há muitas formas de mudar o mundo", explica.

A estudante já ganhou vários prêmios com sua equipe de robótica
A estudante já ganhou vários prêmios com sua equipe de robótica
Foto: BBC News Brasil / BBC News Brasil

Pedidos de ajuda pelas redes sociais

Esse tipo de manifestação positiva chegou às próprias redes sociais da estudante, que sempre tenta responder aos pedidos de ajuda ou de aconselhamento que passam a chegar cada vez mais. Os pedidos são variados.

"Muita gente está falando comigo. Alguns alunos mais novos veem a minha trajetória e sentem que é possível chegar mais longe. Outras pessoas, de comunidades mesmo, falam dos problemas e eu passo a tentar procurar soluções. Se estiver mudando pelo menos uma vida, sei que cumpri um propósito."

Com a internet, a fronteira de Maceió com as pessoas se tornou um problema mínimo. Ana Júlia é integrante da Academia Latino-americana de Liderança (LALA), onde dialoga com líderes de toda a região e até recebeu uma mentoria de uma funcionária do Google. Hoje, Ana é storyteller e data administrador, responsável por unir líderes, problemas e soluções.

A participação no Global Student Prize, inclusive, não era algo que Ana Júlia pensava que faria com tranquilidade. Ela conta que, inclusive, teve de entrar em contato com a organização para pedir um adiamento na data das inscrições — e o email foi devidamente respondido, com um adiamento de prazo.

A prova foi dividida em fases. Na primeira, eram enviadas redações. Na segunda, fez uma entrevista com os organizadores. E, recentemente, houve a qualificação ao top-50 e top-10 de estudantes. As avaliações continuam. Agora, a banca está de olho nas atitudes dos estudantes e nas mudanças que estão promovendo com o status adquirido através de sua colocação.

"Eu não imaginava que eu, de Alagoas, seria a única representante da América Latina. Agora as pessoas veem que eu posso mudar o mundo e eu acho que posso ajudá-las. É importante abrir caminhos e os projetos precisam ser aplicados efetivamente."

No fim de 2021, Ana Júlia não será mais estudante da instituição e terá de seguir a vida sem o apoio do Sesi, que sempre investiu nela e em outros alunos para competições e criação de projetos.

"Meus pais não teriam como investir nas coisas que eu acabei criando e fazendo. Uma coisa boa é que consegui contatos e um bom network para continuar desenvolvendo as minhas ideias e meus projetos."

Ana conta que, hoje em dia, dedica cerca de 12h aos estudos relacionados aos projetos que tem. Não é um processo em que senta e lê livros, mas sim que avalia as habilidades necessárias para aquele projeto e se dedica a elas para conseguir fazê-lo existir.

O resultado do Global Student Prize será divulgado no dia 10 de novembro, de forma remota.

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