A jovem de 20 anos que abandonou vida na cidade para morar no Pantanal e lidera grupo de resgate de animais
Eduarda Fernandes lidera grupo de voluntários que ajudam a fauna afetada pela pior fase de queimadas enfrentadas no bioma nas últimas décadas.
Em meio ao cenário de queimadas intensas no Pantanal, a jovem Eduarda Fernandes, de 20 anos, lidera um grupo de resgate a animais que foram vítimas dos incêndios.
Nas últimas semanas, o grupo já participou de resgates de bichos como onças, antas e jacarés.
Os voluntários também distribuem água e frutas para os animais em regiões duramente afetadas pelo fogo, na maior tragédia da história recente do bioma, localizado nos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso — há também áreas na Bolívia e no Paraguai.
O amor pelos bichos, conta a jovem, foi fundamental para que ela decidisse reunir os voluntários. Há cerca de dois anos, Eduarda abandonou a vida em Cuiabá (MT) para ficar perto da flora e da fauna do Pantanal.
"Eu era uma garota 100% urbana. Deixei família e amigos para me mudar. Larguei tudo o que uma pessoa jovem não abandonaria", diz à BBC News Brasil.
No Pantanal, Eduarda trabalha em uma área que cresceu cada vez mais nos últimos anos no bioma: o turismo. Mas há um mês, a única atividade da jovem tem sido o resgate dos animais, junto a outros quatro voluntários.
O grupo foi um dos primeiros a auxiliar os animais no Pantanal. Hoje, há centenas de pessoas levando ajuda aos bichos da região, diante da intensa propagação do fogo.
De janeiro à primeira quinzena de setembro deste ano, o Pantanal teve mais de 2,9 milhões de hectares atingidos pelo fogo, segundo o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo). A área queimada corresponde, por exemplo, a pouco mais de 19 vezes a capital de São Paulo.
Desde o início de 2020, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já foram registrados 15,4 mil focos de calor (que costumam representar incêndios) no Pantanal. É o maior número no período desde 1999, primeiro ano analisado pelo monitoramento que virou referência para acompanhar as queimadas no país.
A vida no Pantanal
Desde a infância, Eduarda cultiva o amor pelos animais.
"Sempre tive contato com os bichos e com o mato em outras regiões, por causa da minha família. Porém, eu morava na cidade e me considerada totalmente urbana", diz.
Ela começou a visitar o Pantanal há cerca de cinco anos, após conhecer o namorado, João Paulo Macedo Falcão, hoje com 22 anos.
"Fiquei encantada com a biodiversidade. Há muitos animais por aqui, e isso me encantou", relata a jovem.
Quando terminou o ensino médio, há dois anos, ela decidiu se mudar para a região do Pantanal.
A jovem passou a morar com o namorado, hoje noivo, que é um dos donos de uma pousada na rodovia Transpantaneira, via que liga a cidade de Poconé (MT) à região de Porto Jofre, na divisa com Mato Grosso do Sul.
"Desde 2018, moro e trabalho no Pantanal. A minha vida gira em torno daqui", diz Eduarda. A principal atividade dela é acompanhar turistas na observação de animais.
O turismo é considerado uma atividade fundamental para o bioma. Estudos da organização Panthera, dedicada à conservação das onças-pintadas, apontam que a observação de onças no Pantanal brasileiro representa faturamento bruto anual de, aproximadamente, US$ 6,8 milhões às comunidades da região.
O trabalho, diz Eduarda, é também uma forma de estar próxima aos bichos.
"No futuro, penso em cursar biologia ou medicina veterinária, por causa dos animais", conta.
A busca pelos animais
A jovem relata que nunca imaginou que pudesse ver incêndios como os que têm avançado pelo bioma.
"Essa história de que o Pantanal pega fogo todos os anos é uma tentativa de diminuir o que está acontecendo aqui. Pode ter ocorrido queimadas anteriormente, mas nada nesta proporção. O que está acontecendo aqui não pode ser considerado normal", desabafa.
Logo que percebeu que a tragédia no bioma tomava contornos inesperados, ela decidiu tomar medidas para ajudar os animais. "Entramos em contato com órgãos de Mato Grosso, mas não obtivemos respostas. Não havia nada para ajudar os animais atingidos na região. Então, decidi buscar por voluntários que pudessem ajudar", relata.
Em meados do mês passado, Eduarda começou a ajudar os animais, junto com o noivo. Com o passar dos dias, dois médicos veterinários e uma bióloga, de outros Estados brasileiros, chegaram para auxiliá-los.
Os cinco voluntários começaram uma força-tarefa para conseguir resgatar os animais. O grupo montou uma base para socorrer os animais na pousada da família do noivo de Eduarda, a Reserva Ecológica do Jaguar.
"O primeiro passo foi criar um projeto de distribuição de cochos de 140 litros de água e frutas para os animais. Como muitos estão em áreas afetadas pelo fogo, é importante dar esse apoio", diz a jovem.
Ela conta que, posteriormente, outros diversos grupos de voluntários também passaram a levar comida e água para os bichos do Pantanal.
Na região da Transpantaneira, o grupo liderado por Eduarda resgatou diversos animais em estado grave.
"Encontramos antas, quatis, aves e pacas."
Nem todos os animais sobreviveram. "Alguns não resistiram, porque é uma situação muito difícil. Outros passaram por tratamento e têm chances de se recuperar", explica a jovem.
Os animais resgatados vivos são encaminhados para a pousada, onde recebem os primeiros atendimentos dos veterinários. "Esse auxílio emergencial que eles recebem na pousada é muito importante, porque a maioria dos resgatados corre risco de morrer", diz a jovem.
Posteriormente, os bichos são encaminhados para hospitais veterinários da região.
O grupo resgatou uma onça-pintada no Parque Estadual Encontro das Águas, na região de Porto Jofre.
A reserva, considerada com a maior concentração de onças-pintadas do mundo, está quase completamente tomada pelos incêndios.
Até esta sexta-feira (18), segundo o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, cerca de 92 mil hectares do lugar, dos 108 mil, já tinham sido destruídos pelo fogo.
"O resgate da onça-pintada foi complexo, mas não digo que tenha sido o mais difícil. Todo resgate é complicado. É preciso que a gente observe bem antes, para entender o animal. Não é uma tarefa fácil", diz Eduarda.
No fim de agosto, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) de Mato Grosso iniciou as atividades do Posto de Atendimento a Animais Silvestres (PAEAS) Pantanal, para ajudar os bichos vítimas do fogo. A equipe, liderada por uma médica veterinária, tem o apoio de órgãos estaduais e voluntários.
O apoio do Estado demorou para chegar, ela avalia. Hoje, há grupos de voluntários de todo o país pelo bioma. Eles se dividem em diferentes áreas para ajudar os bichos afetados pelo fogo.
Eduarda confessa que, no início, teve medo de não conseguir liderar o seu grupo. Porém, avalia que tem sido uma boa líder.
"Por ser a mais nova, pensei que não conseguiria liderar, mas são pessoas muito parceiras e temos conseguido fazer um bom trabalho", diz. Segundo ela, o conhecimento que adquiriu sobre o bioma nos últimos anos tem sido fundamental.
'Tudo tem sido um choque'
Para Eduarda, as cenas presenciadas no Pantanal nas últimas semanas são desoladoras. "Tudo tem sido um choque", diz.
Ela planeja encerrar o trabalho voluntário somente quando a situação do bioma for amenizada. "Não quero deixar os animais sem apoio", reflete. A jovem estima que tenha resgatado cerca de 15 animais nas últimas semanas.
"O que me fez me movimentar, com certeza, foi ver os animais sofrendo tanto. Eles são inocentes e não têm noção do que está acontecendo. Não podem sofrer assim, sem qualquer tipo de ajuda", afirma.
O principal objetivo dela, nos próximos meses, é que o Pantanal se recupere da tragédia que enfrenta atualmente. "Vamos continuar lutando para que tudo isso melhore."