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A proposta de Biden para a Amazônia e por que ela irritou Bolsonaro

Bolsonaro usou cúpula da ONU sobre biodiversidade para rebater candidato presidencial americano e falou em uma suposta 'cobiça internacional' pela Amazônia, repetindo termo que já havia usado no Twitter.

30 set 2020 - 19h05
(atualizado às 19h07)
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Em debate contra Trump, o candidato democrata Joe Biden criticou a política ambiental do Brasil
Em debate contra Trump, o candidato democrata Joe Biden criticou a política ambiental do Brasil
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O desmatamento na Amazônia foi o ponto que levou o Brasil a ser citado no debate entre os candidatos à Presidência americana Joe Biden e Donald Trump, na noite da terça-feira (29/09).

Biden disse que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia".

"(A comunidade internacional diria ao Brasil) aqui estão US$ 20 bilhões, pare de destruir a floresta. E se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas", afirmou Biden no debate.

A declaração gerou uma resposta imediata e revoltada do presidente Jair Bolsonaro, que classificou o comentário como "lamentável", "desastroso e gratuito" e fez uma série de postagens críticas a Biden no Twitter.

O brasileiro também usou a cúpula da ONU sobre biodiversidade para rebater o americano e falou em "cobiça internacional" pela Amazônia.

Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou a proposta e questionou se o valor da ajuda seria anual.

Entenda a proposta de Biden e por que ela irritou o presidente brasileiro.

Preocupação internacional com o ambiente

O fato do candidato democrata Joe Biden tocar no assunto dos altos índices de desmatamento e as queimadas na Amazônia brasileira reflete a atenção cada vez maior do ocidente ao aquecimento global e à questão ambiental, explica Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A destruição da floresta tem, desde o ano passado, gerado grande preocupação internacional.

O Brasil já recebeu ajuda financeira externa para criar programas de combate ao desmatamento e de preservação da floresta, como o Fundo Amazônia, lançado em 2008 como o maior projeto da história de cooperação internacional para a preservação da floresta.

O fundo era financiado majoritariamente pela Noruega e pela Alemanha, que anunciaram em 2019 a suspensão dos repasses diante do aumento no desmatamento e da política ambiental do governo Bolsonaro.

"Uma eleição de Biden poderia levar os EUA a adotarem uma postura em relação ao Brasil mais parecida com a da Europa, onde há um movimento para que o acordo comercial (com o Mercosul) seja condicionado à não destruição da Amazônia. É um reflexo da crescente preocupação com o meio ambiente na política ocidental", afirma Stuenkel.

"Os EUA poderiam ter uma postura mais dura contra o governo Bolsonaro, que neste momento é visto como grande vilão global do meio ambiente."

Bolsonaro reagiu à fala de Biden, dizendo que "o Brasil mudou. Hoje, seu Presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças".

"Nossa soberania é inegociável", completou Bolsonaro, e citou também uma suposta "cobiça internacional pela Amazônia".

A proposta de Biden de organizar um financiamento para o Brasil em nenhum momento questionou a soberania brasileira, avalia Stuenkel. "A ideia de que existem grupos querendo 'roubar a Amazônia' é antiga em alguns grupos, mas é algo que não existe. É uma coisa que em relações internacionais chamamos de 'paranóia da Amazônia'", afirma.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou o discurso de Biden, questionando se ajuda financeira seria anual
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou o discurso de Biden, questionando se ajuda financeira seria anual
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Faz parte dessa narrativa de que o Brasil está isolado e que há um grupo lá fora que quer destruí-lo. É um discurso de que há um 'inimigo externo', que foi inclusive usado pela ditadura militar, e que é conveniente para o governo Bolsonaro, porque pode justificar todo tipo de medidas de exceção."

O analista político Creomar de Souza, CEO da consultoria de risco político Dharma, concorda com a avaliação de Stuenkel e diz também que a citação de soberania e afirmação de que "essa presidência não se subordina" é "extremamente contraditória diante da postura do governo Bolsonaro em relação aos EUA".

Recentemente, veio a público um vídeo do presidente Bolsonaro no Fórum Ecônomico Mundial dizendo ao ex-vice-presidente americano Al Gore queria "explorar os recursos da Amazônia com os EUA", ao que Gore responde que não entendeu.

Na cúpula da biodiversidade da ONU, Bolsonaro voltou a citar a ideia de "cobiça internacional" pelo bioma brasileiro, dizendo que o seu governo está combatendo o desmatamento e "problemas que favorecem as organizações que, associadas a algumas ONGs, comandam os crimes ambientais no Brasil e no exterior".

O presidente já repetiu diversas vezes a alegação de que incêndios são causados por ONGs, sem jamais apresentar nenhuma prova.

Irritação presidencial

No entanto, Stuenkel afirma também que a reação "bastante agressiva e defensiva" de Bolsonaro é muito menos relacionada à proposta de Biden em si e muito mais uma tentativa de manter apoio em sua base.

"Não tem nada a ver com a soberania, é uma questão de engajar seus eleitores", diz o professor de relações internacionais.

"Essa reação gera muito apoio entre seus seguidores mais radicais e entre uma parte do eleitorado que tem um interesse direto nessa desregulamentação do ambiente, como grileiros, madeireiros etc.", afirma Stuenkel.

Biden afirmou que Brasil pode sofrer sanções econômicas se destruição da Amazônia continuar
Biden afirmou que Brasil pode sofrer sanções econômicas se destruição da Amazônia continuar
Foto: Reuters / BBC News Brasil

"Por enquanto, o custo da pressão internacional é menor do que abrir mão do apoio desse grupo interno", afirma Stuenkel.

Creomar de Souza afirma que o "posicionamento de política externa do Bolsonaro não tem como preocupação direta a política externa, mas o interesse de fazer uma plataforma eleitoral continuada".

"Ou seja, ele quer sempre engajar e resgatar o apoio de seu eleitorado. Dá para ver como ele quer agradar o seu eleitor típico ao colocar nas falas a comparação com outros momentos da história, com outros governos, citar a esquerda", diz Souza.

Como fica a relação com os EUA se Biden vencer a eleição?

Em certa medida, afirma Creomar de Souza, a fala de Biden segue a mesma lógica da de Bolsonaro em ser voltada para os eleitores internos.

Ele afirma que todo o debate "foi direcionado para apelar para as preocupações dos eleitores democratas com o ambiente e incentivá-los a sair de casa para votar" — o voto não é obrigatório nos EUA.

Apesar da forte retórica do presidente Bolsonaro contra Biden, recentemente o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster Junior, afirmou que independentemente de quem vença o Brasil vai continuar a manter boas relações com o país.

Uma relação pragmática e não tão hostil entre os países mesmo com a vitória de Biden é possível, afirma Stuenkel, mas pode ser complicada pela relação de Bolsonaro com Trump.

"Embora uma vitória de Biden vá levar a uma postura mais dura, é possível que ela nem seja tão dura quanto a europeia, já que a maior preocupação de Biden é a crescente influência da China no continente e não o ambiente — e o governo Bolsonaro é visto como possível aliado para conter essa influência", diz Stuenkel.

"No entanto, Bolsonaro e Trump com certeza vão manter contato, e ter um presidente brasileiro ativamente apoiando a oposição nos EUA pode complicar uma tentativa Biden de ter uma relação pragmática com Brasil."

Stuenkel afirma que outra variável é a avaliação do governo Bolsonaro de se vale a pena "dobrar a aposta" e continuar com uma retórica defensiva diante de uma possível crescente pressão internacional.

"Se Biden ganhar e fizer uma aliança com a Europa para pressionar pela preservação do ambiente, o custo da pressão externa (para Bolsonaro) pode ser maior do que o ganho retórico entre seus eleitores mais fiéis", diz.

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