O caso do ministro que comparou crítica de jornal ao nazismo
Nesta semana, um integrante do governo de Jair Bolsonaro esteve no centro de mais um capítulo da tensa relação da Presidência atual com a imprensa. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usou uma comparação com o nazismo para expressar sua insatisfação com um texto do colunista da DW Philipp Lichterbeck.
"Lamentável que um canal público alemão escreva isso do Brasil. Essa sua descrição se parece mais com o que a própria Alemanha fez com as crianças judias e tantos outros milhões de torturados e mortos em seus campos de concentração...", escreveu o ministro no Twitter.
Lichterbeck, que vive no Rio, criticou em sua coluna O projeto de Mefistófeles sobretudo a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro. Salles não estaria interessado na proteção, mas na exploração do meio ambiente, afirmou Lichterbeck.
O ministro surpreendeu ao apelar de imediato para o nazismo. Mas, na realidade, esse tipo de reação do governo diante da imprensa não é exceção quando se trata de Bolsonaro e de seu entorno.
"Na época das ameaças, fiquei intimidada. Pensava duas vezes antes de cada matéria que escrevia. Eu pensava: meu Deus, vou escrever uma reportagem agora, e será que vão começar a ligar no meu celular de novo? Vão mandar aqueles e-mails falando do meu filho?", relata a repórter Patricia Campos Mello, da Folha de S. Paulo.
Até hoje, os acontecimento da campanha eleitoral perseguem a jornalista. Ela publicou na Folha uma reportagem sobre doações ilegais para a campanha de Bolsonaro no Whatsapp. Depois disso, ela e o filho foram ameaçados em telefonemas e e-mails.
"A princípio eu achei que era um ataque pessoal. Mas depois comecei a ver que é uma forma sistemática de lidar com jornalistas e com qualquer tipo de contraditório, de oposição", diz. Ela chama isso de assassinato de reputação - a destruição midiática da reputação de um jornalista ou do veículo de imprensa para o qual ele trabalha.
As relações entre a Folha e o grupo de Bolsonaro já não eram das melhores mesmo antes da reportagem, pois o jornal publicou vários escândalos envolvendo o político populista. O círculo de Bolsonaro ataca o jornal, classificando-o de propagador de fake news. Tanto a Folha como O Globo e o Estado de S. Paulo foram barrados da primeira entrevista de Bolsonaro depois de eleito.
Bolsonaro parece preferir falar com a imprensa amiga, como a TV Record, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, que, por sua vez, é aliada do presidente. Sites de direita também são bem-vindos. Ou, melhor ainda, Bolsonaro se comunica pelas redes sociais, seguindo o exemplo de seu modelo, o presidente dos EUA, Donald Trump. Assim como este ataca o New York Times, Bolsonaro ataca a Folha.
"Isso é uma demonstração do governo da sua incapacidade de conviver com a divergência", comenta Fred Ghedini, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. "E isso é um problema de governos autoritários que não contemplam essa questão das liberdades em geral e, em particular, da liberdade de opinião."
"Assim como o governo brasileiro, eles tendem a valorizar mais as redes sociais, onde conseguem falar dentro das suas respectivas bolhas, evitando críticas ou qualquer senso crítico", continua o sindicalista.
Mas essa estratégia também tem os seus riscos, como mostram os recentes tuítes de Bolsonarocom um vídeo obsceno que mostra uma cena registrada durante o Carnaval e questionando o que é golden shower. "Há uma clara tendência de cair no grotesco", observa Ghedini.
Campos Mello acompanha os ataques virtuais executados por apoiadores de Bolsonaro por meio de trolls e bots. Esta semana, eles impulsionaram fortemente a hashtag #Bolsonarotemrazao, diz ela.
Durante a campanha eleitoral, uma série de jornalistas foi alvo de bombardeios virtuais, aponta Marina Atoji, gerente-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
"Toda vez que um jornalista publicava uma reportagem expondo algum fato negativo sobre o então candidato Jair Bolsonaro, essa pessoa era automaticamente transformada num alvo de assédio digital. Desde xingamentos em massa até ameaças de agressão física", diz.
Foram contabilizados cerca de 80 casos de ataques e ameaças no ambiente virtual durante a campanha, incluindo ameaças de morte, afirma Atoji. "Nos casos das agressões digitais, houve uma prevalência dos grupos identificados com a direita", comenta.
"Regimes totalitários começaram com xingamentos e grosserias. Por isso, temo pela liberdade de expressão e de imprensa", considera Ghedini.
Para Campos Mello, ameaças pessoais contra jornalistas ferem a liberdade de expressão. "Porque aí você tem uma ação intimidatória, que é eficaz. Críticas no Facebook ou Twitter podem [muitas vezes] não ser muito civilizadas, mas fazem parte do novo mundo das redes sociais."