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Acúmulo de gelo na asa pode derrubar avião?

Especialistas levantam a hipótese como uma das possíveis causas da queda do avião da Voepass em Vinhedo. Autoridades e companhia aérea dizem que ainda é cedo para saber o que aconteceu.

10 ago 2024 - 18h03
(atualizado em 12/8/2024 às 13h15)
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Queda de avião da Voepass em Vinhedo deixou 62 mortos
Queda de avião da Voepass em Vinhedo deixou 62 mortos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Após a queda do avião da Voepass Linhas Aéreas em Vinhedo na sexta-feira (9/8), especialistas em segurança de voo apontam que a formação de gelo sobre as asas pode ser uma das hipóteses a ser investigada como causa do acidente.

Segundo analistas, essa é uma ocorrência rara, especialmente porque a maioria das aeronaves possui sistemas eficazes para evitar que o acúmulo de água congelada afete a capacidade de sustentação. Mas afirmam que ainda assim pode levar a um acidente como o registrado.

O voo 2283 saiu de Cascavel (PR) com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP) e levava 58 passageiros e quatro tripulantes. O acidente ocorreu por volta das 13h20 de sexta e não deixou sobreviventes.

Em coletiva de imprensa, a Voepass afirmou que os sistemas da aeronave modelo ATR-72 que caiu na região do bairro Capela, em Vinhedo, estavam em funcionamento no momento da decolagem. A empresa ressaltou que "não tem informações sobre as causas do acidente".

Diretor de operações da Voepass Linhas Aéreas, Marcel Moura não descartou a possibilidade de congelamento nas peças do avião. "O avião é sensível ao gelo. Pode ser um ponto de partida (na investigação), mas ainda é cedo para saber", disse em coletiva à imprensa.

Já o CEO da empresa, Eduardo Busch, destacou que apontar as causas do acidente neste momento seria "mera especulação".

Mas apesar do tom cauteloso adotado pela companhia aérea e pelas autoridades aeronáuticas brasileiras, a hipótese de formação de gelo nas asas ou na cauda da aeronave é uma linha forte de investigação, segundo especialistas.

Para Celso Faria de Souza, perito criminal especializado em acidentes aeronáuticos do Estado de Goiás e diretor da Associação Brasileira de Segurança de Voo (Abravoo), há dois grandes indícios que levam a essa suposição: as condições atmosféricas e a forma como o avião é visto caindo nas imagens que circulam.

Primeiro, segundo o engenheiro mecânico-aeronáutico, havia na área onde sobrevoava o avião comercial de médio porte um alerta para "formação severa de gelo".

Segundo o site Flightradar24, havia um alerta de formação de gelo severo entre 3,6 mil e 6,4 mil metros de altura no local onde a aeronave despencou.

Policiais e equipes de emergência no local do acidente
Policiais e equipes de emergência no local do acidente
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mensagens de áudio nas redes sociais, atribuídas a pilotos, também relatam que havia condições para formação severa de gelo na rota do voo.

Um comandante que voou na região confirmou, em entrevista à TV Globo, que as condições meteorológicas eram de formação severa de gelo e vento.

Mas o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou que não houve comunicado de emergência dos pilotos para os órgãos de controle.

Além das condições meteorológicas, Faria de Souza afirma que é possível notar pelas imagens do acidente que a aeronave parece íntegra, mas ao mesmo tempo tem uma queda descontrolada.

"Isso é característico de quando você perde a eficiência da asa e dos controles de voo que ficam na asa e na cauda", diz o perito.

De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), o avião iniciou uma queda de 440 km/h um minuto após o Controle de Aproximação de São Paulo perder o contato com a aeronave.

A queda em espiral sugere a ocorrência de um estol — que acontece justamente quando a aeronave perde a sustentação que lhe permite voar —, dizem especialistas.

"O formato da asa é meticulosamente calculado para dar sustentação ao avião. Quando há formação de gelo, essa geometria muda e o cálculo feito não serve mais e deixa de funcionar adequadamente como asa", diz Faria de Souza

O engenheiro ressalta, porém, que sua análise e de outros especialistas é superficial, totalmente baseada em hipóteses, e que uma resposta final sobre as causas só virá após a inspeção das caixas-pretas do avião.

Os equipamentos foram recuperados "aparentemente preservados" e serão analisados, segundo o Secretário de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), Guilherme Derrite.

'Continuidade do voo pode ser impossível'

Documentos elaborados por especialistas da FAB apontam que a formação de gelo em aeronaves pode representar um sério perigo à atividade aérea.

Muitas aeronaves civis e militares voam acima dos limiares de temperatura para a presença de gelo, mas as condições potenciais podem ser encontradas durante todas as fases do voo, inclusive na subida e descida, dizem os especialistas.

Tipicamente, os cenários de formação de gelo são mais frequentes no outono e inverno, pela atuação de massas de ar frio, diz a FAB.

Ainda segundo os documentos e guias disponibilizados pela Força Aérea, a formação de gelo na estrutura da aeronave "pode destruir o suave fluxo do ar e, consequentemente, aumentar (ou diminuir) o arrasto (ou a sustentação) do voo, podendo também causar problemas de controle da aeronave".

Peças do avião da Air France que caiu em 2009 depois de congelamento de sensores externos
Peças do avião da Air France que caiu em 2009 depois de congelamento de sensores externos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Sob condições de FGA, moderada a severa, principalmente em uma aeronave de pequeno porte, a continuidade do voo pode se tornar impossível", diz um dos guias para pilotos da FAB.

E de acordo com Serviço Nacional de Meteorologia dos Estados Unidos, o acúmulo de gelo pode prejudicar seriamente o funcionamento não apenas das asas, superfícies de controle e hélices, mas também dos para-brisas e coberturas, antenas de rádio, tubos piloto e aberturas estáticas, carburadores e entradas de ar.

Mas Celso Faria de Souza explica que a maioria dos aviões comerciais atuais possui tecnologia para evitar a formação de gelo.

Enquanto alguns aviões possuem um sistema de degelo, que nada mais é do que um revestimento de borracha na asa que pode ser inflado para quebrar o gelo, outros são equipados com o chamado de mecanismo anti-gelo.

"Esse sistema suga o ar quente da turbina e joga dentro da asa, esquenta a parte da frente da asa e impedindo a formação de gelo", explica o diretor da Abravoo.

Segundo Faria de Souza, as aeronaves com esses sistemas podem decolar mesmo diante de alertas meteorológicos de formação de gelo, a depender do clima.

A aeronave modelo ATR-72 da Voepass que caiu nesta sexta possuia um sistema de degelo, segundo o especialista, mas não está claro se o mecanismo falhou ou as condições climáticas estavam tão severas que o mecanismo não deu conta.

Em 1994, a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos chegou a proibir voos de ATR em condições de muito gelo. Centenas de voos foram suspensos na época. A decisão foi tomada depois que um ATR caiu em Indiana naquele ano, matando todas as 68 pessoas a bordo.

Outro incidente envolvendo formação de gelo ocorreu em 2009, com um Airbus A330 da Air France, que caiu perto de Fernando de Noronha.

Segundo o relatório final da investigação sobre o acidente, o avião enfrentou uma tempestade horas após decolar do Rio de Janeiro e os sensores externos chamados de "tubos pitot" congelaram.

O gelo desativou o sistema, interrompendo as informações de velocidade e altitude, e fazendo com que os pilotos perdessem o controle.

Ao todo, 228 pessoas morreram, sendo 58 brasileiros, no que foi considerado um dos maiores acidentes da aviação comercial.

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