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Adolescência em tempos de covid: como jovens estão enfrentando o prolongamento da pandemia

Parte significativa dos jovens tem achado caminhos de acomodação das novas circunstâncias, afirma psiquiatra.

30 jan 2022 - 15h39
(atualizado às 16h51)
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Adolescentes foram um dos grupos mais atingidos na pandemia na parte de saúde mental, mas maioria está se adaptando, dizem psiquiatras
Adolescentes foram um dos grupos mais atingidos na pandemia na parte de saúde mental, mas maioria está se adaptando, dizem psiquiatras
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

É na adolescência que se intensificam novas experiências e são vividos períodos de independência dos pais. É quando ocorrem etapas importantes de amadurecimento emocional e sexual. A saúde mental dos jovens tem sido afetada ao longo da pandemia, e a chegada da variante ômicron frustrou a retomada de um ritmo mais normal de vida.

O período, no entanto, também tem levado a reinvenção e adaptação. 

Lee Fu-I, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de SP e especializada em crianças e adolescentes, diz que existem casos graves e os tempos da covid, de fato, agravaram as condições de quem já apresentava sintomas de problemas emocionais.

Um monitoramento de 6 mil crianças e adolescentes feito pela USP registrou que 36% dos entrevistados relataram traços de ansiedade e depressão durante a pandemia.

Mas uma parte significativa dos jovens tem achado caminhos de acomodação das novas circunstâncias, afirma Lee. Quem conta com suporte emocional, principalmente dos pais, tem mais chances de atravessar melhor a pandemia. "Assim como na população geral, os que estavam bem e com algum tipo de acompanhamento conseguiram se adaptar", avalia ela.

"O ser humano desenvolve resiliência. A maioria acaba se adaptando e inventando um jeito de viver na situação em que se encontra", diz Enio Roberto de Andrade, do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Hospital das Clínicas de SP.

"Claro que quem tem mais poder aquisitivo terá mais condições de conseguir ajuda e assistência médica dentro de um quadro de depressão e ansiedade. A adaptação para adolescentes com poucos recursos tem mais obstáculos", afirma ele.

A psicóloga Layta Sena Ribeiro observou uma amostra de como os primeiros meses da pandemia despertaram diferentes reações e comportamentos nos jovens. Ela acompanhou até julho de 2020 cinco garotos e cinco garotas de uma área periférica de Juazeiro, cidade da Bahia com 220 mil habitantes na divisa com Pernambuco.

"Fiquei surpresa com eles conseguirem criar estratégias de proteção. Algumas delas foram geradas a partir da própria experiência de resiliência, porque a maioria era de adolescentes negros e pobres, criados às vezes só pela mãe ou por uma avó", conta Sena Ribeiro.

O choque de uma quarentena mais "dura" no primeiro semestre de pandemia fez os jovens se questionarem sobre o que fazer com o tédio e as relações familiares forçadamente mais próximas.

"A experiência do tédio, de repensar sua vida, de pensar na criação de um projeto de futuro, causou sofrimento porque pensar sobre a sua condição existencial traz angústia. Mas também foi positivo porque os adolescentes começaram a criar projetos caseiros", diz.

"A situação despertou neles algo como 'ah, vou aprender uma habilidade nova. Vou pesquisar sobre alguma coisa que seja legal para mim'."

Retomada dos laços familiares

Os participantes da pesquisa - que foi a tese de mestrado da psicóloga pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) - também mencionaram que começaram a prestar mais atenção em atividades rotineiras como cuidar de animais, plantar e cozinhar.

Houve também o contexto de uma retomada de laços familiares. "A presença dessas pessoas e também a própria experiência do isolamento fez com que, de alguma forma, os jovens e seus parentes se religassem. A grande maioria apontou como isso foi importante. Fazer programas caseiros, conversar mais em família", relata Sena Ribeiro.

E alguns dos jovens mencionaram que o período de reelaboração representou uma oportunidade de amadurecimento que talvez não ocorresse dentro de uma rotina usual.

Gustavo Ramires, de 17 anos, morador de Juazeiro, relata que os tempos de pandemia têm sido exigentes, mas renderam mudanças interessantes na vida.

"Me aproximei bastante da minha família. Foi surreal. Nunca fui tanto de papo, preferia ficar dentro do quarto. Tive chance de conversar mais com a minha irmã, por exemplo", diz.

"Alguns conhecidos perderam pai ou alguém da família e isso me fez perceber que a gente não tem essas pessoas para sempre. Fiquei preocupado em não ter passado tempo suficiente com os meus pais."

O estudante diz que a paciência foi um dos aprendizados dos tempos de isolamento. Mas conta que tem se sentido mais ansioso nos tempos de coronavírus. Atribui isso mais a uma cobrança excessiva sobre si próprio do que às circunstâncias atuais. "Quando eu duvido muito de mim mesmo, acabo ficando ansioso. Me cobro demais quando algo não dá certo. Porém, estou conseguindo controlar. Pretendo procurar um psicólogo."

Gustavo estuda programação, quer fazer engenharia da computação na faculdade e trabalhar fora do Brasil na área.

E é a tecnologia que possibilita manter os contatos sociais, apesar das dificuldades. "Não peguei covid, mas a pandemia também atrapalhou bastante. Afetou muito o relacionamento com os meus amigos porque nem todos tinham celular. Acabei me afastando de muitos deles. Às vezes a internet caía e a gente não podia conversar."

"Ao mesmo tempo, jogando [games em plataformas online] conheci pessoas de todo o Brasil e até alguns brasileiros que moram fora e me deram dicas de como é viver no exterior", afirma Gustavo.

O online ajudou

O celular e as telas, que causam preocupação pelo consumo em excesso, foram uma válvula de escape nesses tempos. O contato online teve de servir de espaço para o contato social.

O online foi, de fato, o meio para manter as relações sociais na pandemia, mas especialistas dizem que não se pode abrir mão do contato cara a cara
O online foi, de fato, o meio para manter as relações sociais na pandemia, mas especialistas dizem que não se pode abrir mão do contato cara a cara
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"A participação social ocorreu no WhatsApp, nos games, no Discord [plataforma para discussões sobre diversos assuntos]. Vi gente que se envolveu em uma comunidade sobre desenho geométrico ou microrganismos. Claro que nem tudo é saudável nesses ambientes, mas os meios digitais ajudaram a ampliar uma visão de comunidade, de pertencimento", afirma a psiquiatra Lee.

Recentemente, alguns especialistas começaram a defender que, mais do que o tempo de tela, o conteúdo que é consumido por adolescentes e crianças deve ser mais levado em consideração.

No entanto, mesmo em atmosferas construtivas e educacionais há limites. Para Enio de Andrade, do HC de São Paulo, "aula online, na verdade, não foi feita para menor de 18 anos. O aprendizado virtual já é difícil para quem tem mais de 18 anos. Quanto mais novo - uma criança, um adolescente - mais difícil é conseguir se concentrar".

Layta Sena Ribeiro diz que "o afastamento hoje já não está sendo tão saudável. Porque muitas pessoas acabam se acomodando. Leva a sedentarismo, a reverberações até físicas que causam prejuízos", diz.

"E o contato físico é importante porque a partir dele a gente constrói de fato relações de densidade. Há colaboração, solidariedade, fatores importantes para a forma como damos significado às nossas experiências."

Após dois anos de pandemia, Lee Fu-I relata ter se deparado com casos de "destreino, de uma falta de habilidade social, porque o que tinha que ter sido aprendido dos 15 aos 18 anos, no final da adolescência, não foi aprendido".

"Mas eles vão aprender", diz ela.

Uma revisão de diversos estudos realizados pelo mundo sobre os impactos do prolongamento da pandemia conclui que, no geral, as pessoas têm se saído bem resilientes e talvez até melhores desse período, mas observa que crianças e adolescentes estão dentro dos grupos que necessitam de atenção especial.

O Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) lançou no começo do ano passado um espaço virtual para adolescentes brasileiros que querem desabafar ou buscar orientação sobre problemas de saúde mental.

Gabriela Mora, oficial do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Unicef no país, explica que a iniciativa Pode Falar oferece atendimento humano e cuidado psicológico em parceria com entidades que prestam esse tipo de auxílio.

Ela afirma que a alta demanda pelo serviço ainda não está sendo totalmente absorvida pela atual estrutura, mas diz que o atendimento está sendo ampliado.

O atendimento está disponível em um site e no WhatsApp pelo número 61-9660- 8843.

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