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ANÁLISE-Discurso de Bolsonaro na ONU esquece política externa e mira eleitores fiéis

21 set 2021 - 17h06
(atualizado às 17h06)
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Em seus pouco mais de 13 minutos de discurso na Organização das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro pouco lembrou que estava em um fórum internacional e dedicou sua fala praticamente inteira a animar seu público interno, em um discurso que pouco fez para melhorar a imagem externa do Brasil ou convencer o mundo de que o país que ele descreve de fato existe.

21/09/2021
REUTERS/Eduardo Munoz/Pool
21/09/2021 REUTERS/Eduardo Munoz/Pool
Foto: Reuters

Em uma tribuna em que os presidentes brasileiros tradicionalmente tentam colocar a posição do país sobre os temas internacionais relevantes, Bolsonaro fez menções rápidas e sem profundidada à crise do Afeganistão e à reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, enquanto se concentrava em defender seu governo.

"O discurso foi feito para os investidores e para o público interno, não foi para tratar dos problemas globais", disse à Reuters o embaixador Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos. "Interessante que dos cerca de 12 minutos que ele falou não chega a um minuto sobre parte externa, só se referiu de passagem a quatro ou cinco pontos."

Bolsonaro recebeu do ministro das Relações Exteriores, Carlos França, uma minuta de um discurso pronto, ressaltando temas como a produção brasileira de vacinas, que poderia ajudar a América Latina, a defesa de uma economia sustentável na Amazônia e as oportunidades de investimento no país.

O texto, no entanto, foi aproveitado pouco pelo presidente, que enxertou nele a sua visão de mundo, em temas como defesa do tratamento precoce para Covid-19 ou os ataques à imprensa.

"Na íntegra do discursos o que ele faz é só se dirigir à platéia interna. No fundo ele não está lidando com o público internacional. Foi mais comedido que nos anos anteriores, mas foi muito ruim porque está cheio de inverdades, mentiras, distorções", disse à Reuters o embaixador Roberto Abdenur, ex-representante do Brasil na China e nos Estados Unidos.

"O discurso vem de uma posição do Brasil de retração, de isolamento. Além das distorções, é uma fala muito fraca, destituída de relevância, mais um momento dessa trajetória de extrema-direita, essa política de retração, de encolhimento, de contestação do multilateralismo."

Quem apostava suas fichas em uma tentativa de um Bolsonaro mais comedido, mais alinhado à Declaração à Nação preparada por Michel Temer e assinada por ele, se decepcionou. O que se viu foi o mesmo presidente das lives de quinta-feira ou das conversas com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada.

"Nada disso ajuda a melhorar a imagem do Brasil lá fora, que já é extremamente negativa e muito menos da pessoa dele, do que ele faz. A imagem é a pior possível, de um pária entre chefes de Estado, leniente com a destruição da Amazônia, hostil aos indígenas, que desrespeita as instituições", diz Abdenur.

O consultor político e CEO da Dharma Politics, Creomar de Souza, afirma que esse é o terceiro ano que Bolsonaro constrói um discurso para o seu eleitorado e, apesar de menções rápidas a questões clássicas da diplomacia brasileira, na maior parte do tempo requentou temas que são de interesse restrito a seu público mais fiel.

"Eu creio que há um problema de premissa na política externa do governo Bolsonaro. A projeção internacional do país sob o atual governo partiu do princípio de que era possível transformar a política externa em um instrumento eleitoral e gerar ganhos via relacionamento pessoal do presidente com outros líderes de direita populista ao redor do mundo", explicou Creomar.

"O problema, é que isto estava basicamente ancorado na administração Trump, e a derrota deste deixou mais claras as contradições, ao mesmo tempo que exigiu um reposicionamento que o governo possivelmente não fará, sobretudo, pelo fator eleitoral interno."

Depois da derrota de Trump, a contragosto, Bolsonaro ensaiou uma tentativa de relacionamento com o democrata Joe Biden, mas sem sucesso. Hospedados no mesmo hotel em Nova York, o local --e a posição de discurso de Biden na ONU, logo depois de Bolsonaro-- foi o mais perto que chegaram um do outro. Apesar das insistentes tentativas da diplomacia brasileira, não houve interesse do governo norte-americano em uma reunião bilateral entre os dois presidentes.

A agenda de Bolsonaro é um reflexo do isolamento. O presidente teve duas reuniões bilaterais, uma com o primeiro-ministro do Reino Unido, na tarde de segunda, e outra na manha desta terça, com o presidente da Polônia, Andrzej Duda --um dos poucos líderes de extrema direita na Europa.

O restante da tarde de segunda, ficou sem agenda até à noite. Na tarde dessa terça, o presidente fez uma visita ao One World Center, onde foi construído um memorial para as vítimas do 11 de setembro. Bolsonaro embarca de volta para o Brasil na noite desta terça.

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