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Aos 61 anos, vítima relata tortura e morte de irmãos na ditadura

29 mar 2014 - 15h06
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Maria de Fátima foi presa e torturada aos 18 anos e contou sua história na Comissão da Verdade do Rio de Janeiro
Maria de Fátima foi presa e torturada aos 18 anos e contou sua história na Comissão da Verdade do Rio de Janeiro
Foto: Mauro Pimentel / Terra

Ela foi presa e torturada aos 18 anos. Completou seu aniversário seguinte internada no Hospital Central do Exército (HCE), no Rio de Janeiro, em decorrência das lesões de sua segunda prisão. Viu dois de seus irmãos entrarem na clandestinidade e serem mortos. Maria de Fátima Setúbal, 61 anos, professora de História, passou por tudo isso na ditadura militar brasileira, mas conseguiu sobreviver para contar sua história e de seus irmãos.

Ela e seus irmãos, Antonio Marcos Pinto e Januário José Pinto, participavam do grupo VAR-Palmares, que combatia o regime militar com ideias e armas. Marcos foi um dos mortos da Chacina de Quintino, crime ocorrido no dia 29 de março de 1972. Sua morte completa hoje 42 anos. Com ele, foram assassinadas duas militantes. Uma era sua namorada, Maria Regina Leite, e a outra era Lígia Maria Salgado, que estava grávida. 

Januário, seu outro irmão, morreu anos depois, em 11 de janeiro de 1983. Seu corpo foi encontrado em São Gonçalo, município do Rio de Janeiro, com sinais de enforcamento. Nunca foram explicadas as circunstâncias de sua morte. Para Maria de Fátima, outra perda provocada pelo regime militar.

Para que essas histórias chegassem ao conhecimento da Comissão de Verdade do Rio de Janeiro passaram-se quatro décadas. Apenas agora, com o passar dos anos, Fátima sentiu-se confiante para contar sobre a violência psicológica e física que sofreu. "Eu tremia apenas em pensar no que aconteceu naquela época. Minhas mãos não seguravam a caneta e minha voz secava toda vez que lembrava das humilhações que eu e minha família sofremos. Foi muito difícil visitar as histórias do passado, mas eu precisava fazer isso pelos meus irmãos", conta Fátima.

Ligia, Marcos e Maria foram mortos na Chacina do Quintino há 42 anos
Ligia, Marcos e Maria foram mortos na Chacina do Quintino há 42 anos
Foto: Mauro Pimentel / Terra

Para que essa barreira fosse quebrada, uma ajuda foi indispensável. A Clínica do Testemunho, projeto que trabalha em parceira com a Comissão da Verdade. A equipe da clínica oferece apoio psicológico para as testemunhas. A psicóloga e membro do projeto Vera Vital Brasil diz que a iniciativa preenche uma lacuna que a comissão sozinha não teria como contemplar. Vera conhece na pele a repressão da ditadura. Ela foi presa duas vezes.

"Buscamos acompanhar antes, durante e depois dos depoimentos para a Comissão da Verdade as testemunhas. Esse depoimento é algo com um poder curativo", conta Vera.

Segundo Maria de Fátima, o depoimento, concedido em 29 de outubro de 2013, é um marco na sua vida. Existe uma Fátima antes e outra após esse momento. "Eu chegava aos frangalhos. Foi aí nesse processo que eu descobri a tortura psicológica que eu sofri. Eu só me preocupava com a tortura física que eu sofri. A minha vida foi antes e depois do meu depoimento e do processo de terapia devido ao depoimento na Comissão da Verdade. Eu retomei contatos familiares", conta.

Esse tempo entre os fatos e os depoimentos faz parte do processo, na opinião da psicóloga Fabiana Rosseaux, diretora do Centro Fernando Ulloa, da Secretaria de Direitos Humanos da Argentina. Para Fabiana é preciso esperar para que a vítmia sinta-se tranquila para falar. "O governo que a reprimiu, agora quer te escutar. É algo surreal se pensarmos num primeiro momento", diz a psicóloga.

A troca de experiências entre o tratamento das vítimas das ditaduras argentinas e brasileiras, ocorreu num debate público organizado pela Clínica do Testemunho em parceira com a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.

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Fonte: Terra
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