Apesar de pedido de Patriota, Kerry diz que EUA manterão espionagem
Secretário de Estado dos EUA comentou as denúncias de espionagem de e-mails e telefonemas de cidadãos brasileiros
Mesmo diante da cobrança pública do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, que pediu a "descontinuidade" da espionagem dos Estados Unidos a cidadãos brasileiros, o secretário de Estado americano, John Kerry, afirmou nesta terça-feira, em entrevista coletiva, que os EUA manterão a prática, sob o argumento de garantir a segurança de seus cidadãos e de outros países contra ameaças terroristas.
"Estamos aqui agora e vamos continuar a ter esse diálogo. E continuaremos a ter esse diálogo até termos certeza de que o governo brasileiro entenda perfeitamente e concorde plenamente com o que achamos que precisamos fazer para dar segurança não só para norte-americanos, mas também para brasileiros e as demais pessoas do mundo", afirmou Kerry ao lado de Patriota.
"Não posso discutir aqui questões operacionais, mas posso dizer que o Congresso dos EUA aprovou uma lei depois do (dos atentados de) 11 de Setembro (de 2001), depois que fomos atacados pela Al-Qaeda. (Uma lei) que respeitava os nosso padrões legais, e depois o programa foi implementado sob a supervisão do judiciário", explicou o secretário americano.
Segundo Kerry, a coleta de informações de outros países não é uma exclusividade dos Estados Unidos. "O que os EUA estão procurando fazer é evitar que essas coisas aconteçam, sabendo de antemão. Os EUA recolhem inteligência estrangeira como fazem todas as nações. Acho que nossa coleta de inteligência ajudou nossa nação a nos proteger de muitas ameaças, e a muitos povos do mundo, como o brasileiro", justificou.
Na mesma entrevista, Patriota afirmou que a relação bilateral com os Estados Unidos enfrenta "um novo desafio" por conta das denúncias de espionagem, declarando que os esclarecimentos do governo americano não são suficientes para contornar o mal-estar diplomático. "Os esclarecimentos não são um fim em si mesmo", afirmou em declaração à imprensa, cobrando "descontinuidade" do processo, isto é, cobrando o fim da prática de espionagem no Brasil.
"Enfrentamos hoje um novo tipo de desafio em nossa relação bilateral, um desafio relacionado à notícia de interceptações de comunicações eletrônicas e telefônicas de brasileiros. E caso as implicações desses desafios não sejam resolvidas de modo satisfatório, corre-se o risco de se projetar uma sombra de desconfiança sobre o nosso trabalho", disse o chanceler brasileiro.
Segundo Patriota, é necessário "descontinuar práticas atentatórias à soberania, à relação de confiança entre os Estados, e violatória das liberdades individuais que nossos países tanto prezam". "O que nós consideramos é que os EUA não encontrarão melhor parceiro no combate do terrorismo internacional, à medida que as parcerias sejam levadas a cabo de forma transparente", disse Patriota.
Há um mês, as denúncias de que os Estados Unidos, por meio da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês), teria espionado milhões de e-mails e telefonemas de brasileiros, vêm movimentando o governo. Além da instalação de um grupo técnico para analisar as denúncias, a Polícia Federal e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) foram incumbidas de investigar a suspeita e os contratos entre as empresas de telefonias brasileiras e estrangeiras para verificar se alguma cláusula facilita a quebra de sigilo telefônico dos usuários.
No plano político, o caso rendeu declarações assertivas da presidente Dilma Rousseff e ações diplomáticas junto a foros internacionais por parte do Ministério das Relações Exteriores. O vice-presidente americano, Joe Biden, chegou a telefonar para a presidente Dilma Rousseff a fim de prestar esclarecimentos.
Pouco antes da visita de Kerry ao Brasil, uma comitiva interministerial brasileira foi aos Estados Unidos para ouvir explicações de técnicos americanos sobre o caso. Os Estados Unidos quiseram convencer os brasileiros de que o teor dos e-mails e telefonemas não era acessado. Tese refutada pelo jornalista Gleen Greenwald, que trouxe à tona a denúncia do ex-técnico da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) Edward Snowden.
Espionagem americana no Brasil
Matéria do jornal O Globo de 6 de julho denunciou que brasileiros, pessoas em trânsito pelo Brasil e também empresas podem ter sido espionados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), que virou alvo de polêmicas após denúncias do ex-técnico da inteligência americana Edward Snowden. A NSA teria utilizado um programa chamado Fairview, em parceria com uma empresa de telefonia americana, que fornece dados de redes de comunicação ao governo do país. Com relações comerciais com empresas de diversos países, a empresa oferece também informações sobre usuários de redes de comunicação de outras nações, ampliando o alcance da espionagem da inteligência do governo dos EUA.
Ainda segundo o jornal, uma das estações de espionagem utilizadas por agentes da NSA, em parceria com a Agência Central de Inteligência (CIA) funcionou em Brasília, pelo menos até 2002. Outros documentos apontam que escritórios da Embaixada do Brasil em Washington e da missão brasileira nas Nações Unidas, em Nova York, teriam sido alvos da agência.
Logo após a denúncia, a diplomacia brasileira cobrou explicações do governo americano. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, afirmou que o País reagiu com “preocupação” ao caso.
O embaixador dos Estados Unidos, Thomas Shannon negou que o governo americano colete dados em território brasileiro e afirmou também que não houve a cooperação de empresas brasileiras com o serviço secreto americano.
Por conta do caso, o governo brasileiro determinou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) verifique se empresas de telecomunicações sediadas no País violaram o sigilo de dados e de comunicação telefônica. A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar as informações sobre o caso.
Após as revelações, a ministra responsável pela articulação política do governo, Ideli Salvatti (Relações Institucionais), afirmou que vai pedir urgência na aprovação do marco civil da internet. O projeto tramita no Congresso Nacional desde 2011 e hoje está em apreciação pela Câmara dos Deputados.