Após ampla derrota no Senado, aliados de Dilma dizem que só Lava Jato muda impeachment
O Senado Federal aprovou por ampla maioria a continuidade do processo de impeachment contra a presidente afastada Dilma Rousseff.
O resultado da votação (59 contra 21), na madrugada desta quarta-feira, transforma a petista em ré e evidencia o quão difícil será seu retorno ao Palácio do Planalto. A expectativa é que ela seja julgada no final do mês.
Nessa fase, bastava o apoio da maioria simples (mais da metade dos senadores presentes) para que o impeachment seguisse adiante. No entanto, 59 votaram pela realização do julgamento - mais do que os 54 necessários para condená-la ao final do processo. Dos 81 senadores, apenas o presidente da Casa, Renan Calheiros, deixou de votar.
Apesar da ampla derrota desta madrugada, senadores aliados de Dilma insistiam na possibilidade de virar o placar.
Para expoentes importantes do PT no Senado, como Humberto Costa (PT-PE) e Lindbergh Farias (PT-RJ), o elemento fundamental nos rumos do impeachment será a Operação Lava Jato, com eventual surgimento de novas revelações que comprometam o presidente interino Michel Temer.
No fim de semana, a imprensa brasileira divulgou que o empresário Marcelo Odebrecht disse, em prévia para acordo de delação premiada, ter doado R$ 10 milhões em dinheiro para o PMDB a pedido de Temer em 2014.
"Há uma dose de imponderável (nesse processo)", afirmou Farias, para em seguida reconhecer: "A gente sabe que é um processo difícil."
Carta
Em nova tentativa de mudar votos a seu favor, Dilma vai divulgar uma carta pública defendendo que a população seja consultada sobre a antecipação da eleição presidencial. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu na noite desta terça-feira com sua sucessora para fechar o texto.
A intenção de Dilma é se comprometer em apoiar a realização de um plebiscito caso seja absolvida e retorne à presidência. Alguns parlamentares aliados de Dilma, no entanto, avaliam que a carta chega tarde.
"A carta ajuda, mas não conseguiu virar votos (na votação dessa quarta)", reconheceu Costa.
Já o senador Romero Jucá (PMDB-RO), importante aliado de Temer, chamou a proposta de Dilma pela realização de um plebiscito de "peça de ficção política".
A aprovação de uma consulta popular para antecipar a eleição exigiria uma mudança na Constituição (três quintos dos votos do Congresso), mas a maioria dos parlamentares hoje apoia o governo Temer.
Jucá comemorou o resultado "expressivo" de 59 votos pela continuidade do impeachment. "Isso sinaliza que esse processo já está bastante discutido aqui no Senado. É muito difícil que haja um fato novo que em tese mude esse resultado", afirmou.
Para Jucá, o fato de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, ter presidido a sessão que aprovou a continuidade do processo contra Dilma afasta a tese de que o impeachment seria um golpe.
"Acho que agora temos que ter tranquilidade, cumprir o rito, dar todo o direito de defesa e, a partir daí, ainda no mês de agosto, concluir essa matéria, que é uma página que precisa ser virada para o país se reorientar e voltar a crescer", disse ainda.
Provas x fraude
A etapa do impeachment que acaba de ser concluída, chamada fase de pronúncia, serviu para os senadores analisarem a existência de provas de que Dilma cometeu crime de responsabilidade.
Ela está sendo acusada de operações ilegais na gestão das contas públicas, e o entendimento que prevaleceu é de que há indícios suficientes de responsabilidade da presidente nesses atos. Seus aliados, porém, negam qualquer irregularidade e chamam o processo de fraude.
A sessão teve início pela manhã e se estendeu por mais de 16 horas devido aos discursos dos senadores, às falas de acusação e defesa e aos requerimentos apresentados por aliados de Dilma.
O Congresso foi isolado por medidas de segurança, mas apenas um pequeno grupo de manifestantes favoráveis ao impeachment fazia um certo de barulho na via lateral do Senado. Dentro do plenário, jornalistas e senadores acompanhavam os resultados das competições olímpicas pelo celular.
Próximas etapas
Agora, tem início o julgamento de fato de Dilma - os senadores serão os juízes, mas os trabalhos são guiados por Lewandowski.
Os autores da denúncia - os juristas Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaina Conceição Paschoal - têm 48 horas para apresentar o libelo, ou seja, um consolidado das acusações contra Dilma. A expectativa, porém, é que eles já apresentem o documento nesta quarta-feira. Além disso, poderão apontar seis testemunhas a serem ouvidas pelos senadores.
Assim que os autores da denúncia protocolarem o libelo, é aberto o prazo de mais 48 horas para que o advogado da petista, José Eduardo Cardozo, apresente a defesa, contestando o documento da acusação. Ele também deve indicar seis testemunhas.
Em seguida, após um prazo mínimo de dez dias, Lewandowski deve marcar uma data para o julgamento e convocar as partes e as testemunhas. Há expectativa de que a sessão final comece dia 25 e dure ao menos dois dias, mas isso ainda não foi confirmado.
Segundo senadores aliados de Dilma, ela ainda não decidiu se irá ao Senado pessoalmente fazer sua defesa.
Em entrevista à BBC Brasil no final de julho, ela disse que gostaria. "Eu quero muito ir. Depende das condições. Como o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, presidirá (o julgamento), acredito que haverá condições", afirmou.
No entanto, ainda está sendo analisado se esta é a melhor estratégia política, já que a petista ficaria sujeita a enfrentar perguntas duras de parte dos senadores. Dilma tem o direito constitucional (garantido à defesa) de ficar calada, mas não responder às perguntas certamente repercutiria mal junto à população.
Panteão da história
Embora a presidente siga lutando para retornar à Presidência, dentro de sua base política há quem considere que isso seria até ruim para o PT, que hoje teria um espaço político mais confortável como oposição ao governo Temer, para disputar em melhores condições as eleições municipais de outubro.
Antes do resultado da etapa de pronúncia, durante seu discurso nesta terça-feira, Lindbergh Farias chegou a indicar que a confirmação do afastamento seria positiva para a imagem da presidente afastada. Ele a comparou aos ex-presidentes João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, e Getúlio Vargas, que se matou em 1954, após forte pressão para que deixasse o governo.
"Quanto à presidenta Dilma, eu estou tranquilo. Porque sei que se esse golpe se consumar, uma coisa ela vai conquistar: é seu espaço na história. A Dilma vai estar no panteão da história, junto com Getúlio e Jango, vítimas de um golpe perpetrados por essas elites conservadoras do nosso país", discursou.