Após impasse sobre independência, Espanha suspende autonomia da Catalunha: o que acontece agora?
Em vez de independência, menos autonomia; é o que pode acabar acontecendo com a Catalunha, como 'efeito colateral' da pressão para que a região da Espanha se torne um país.
Em vez de independência, menos autonomia. É o que pode acabar acontecendo com a Catalunha, como "efeito colateral" da pressão para que a região da Espanha se torne um país.
Após o referendo de 1º de outubro, no qual venceu o "sim" pela independência da Catalunha, o presidente da região, Carlos Puigdemont, declarou que assumiria o "mandato do povo" para dar eficácia ao resultado da votação.
Mas, pouco depois, ele suspendeu a declaração de independência e defendeu abrir um processo de diálogo com o governo espanhol.
Diante da ambiguidade de suas palavras, o governo central de Madrid deu a Puigdemont um ultimato, até esta quinta, para esclarecer se declarou ou não independência.
Em caso de silêncio ou de insistência em defender que a Catalunha deixe de ser parte da Espanha, o governo espanhol pretende acionar, pela primeira vez, o artigo 155 da Constituição do país, que entrou em vigor em 1975. A expectativa é de que isso ocorra no sábado.
O artigo 155 foi incluído na Constituição como uma espécie de proteção de emergência, para o caso de alguma das 17 comunidades autônomas que formam a Espanha "não cumprirem as obrigações impostas pela Constituição e outras leis, ou atuarem de forma a atentar gravemente contra o interesse geral da Espanha".
Mecanismo de proteção
"É uma cláusula de salvaguarda do Estado de Direito", explica Carlos Cano Montejano, professor de Direito Constitucional da Universidade Complutense de Madrid.
O artigo 155 dá poder ao governo central para adotar "as medidas necessárias" para forçar as regiões autônomas a cumprirem suas obrigações constitucionais. Ele nunca foi utilizado, nem regulamentado.
Por isso, é uma lei que dá amplo poder discricionário ao Estado. O alcance da norma acaba dependendo da interpretação e dos objetivos de quem estiver à frente do governo.
A aplicação do artigo, porém, está sujeita à aprovação da maioria absoluta do Senado, conforme diz o texto do próprio dispositivo. Assim, as "medidas necessárias" que o governo quiser usar para conter a independência da Catalunha terão que ser debatidas e votadas pelo Parlamento.
A exigência de submeter a questão ao Legislativo evitaria uma ação unilateral por parte do governo, embora o Partido Popular, legenda do presidente espanhol, Mariano Rajoy, tenha atualmente maioria no Senado.
Uma vez aprovadas as medidas, o Executivo seria autorizado a intervir na Catalunha. Poderia, por exemplo, suspender órgãos e competências relacionados ao poder de autonomia da região, como a polícia regional, menciona o professor Cano Montejano.
Potencialmente poderia, por exemplo, permitir a inabilitação de membros do governo catalão. "Mas não estamos falando de uma intervenção militar", destaca o professor de Direito Constitucional.
Procedimentos e alternativas
Para utilizar o artigo 155, o governo espanhol primeiro solicitou formalmente que o presidente da Catalunha volte atrás na sua "rebeldia constitucional" e deu um prazo concreto para fazer isso.
Essa formalidade poderia ser toda executada em um dia, diz Cano Montejano, mas Mariano Rajoy optou por conceder um prazo maior.
Se a Catalunha não cumprir, o governo espanhol teria, então, que convocar o Senado a preparar uma sessão de debate e votação. Esse procedimento duraria cerca de uma semana, conforme Cano Montejano.
Segundo o professor, de todos os "planos de ação" possíveis para impedir a declaração de independência da Catalunha, usar o artigo 155 é o "mais leve", porque "não implica restrição de liberdades e direitos" dos cidadãos.
Uma segunda alternativa seria acionar o artigo 116, para declarar estado de exceção, o que permitiria a suspensão de direitos fundamentais e liberdades civis, como o estabelecimento de um toque de recolher.
A terceira opção - e mais severa - seria usar o artigo 8 da Constituição, que autoriza o usa das forças armadas "para garantir a soberania e independência da Espanha, defender sua integridade territorial e o ordenamento constitucional".
Este artigo foi incluído na Constituição como forma de proteger o país de uma invasão de país estrangeiro ou em caso de declaração de guerra.