As caravanas de evangélicos brasileiros que movimentam turismo de Israel
Lideradas por pastores famosos, viagens de brasileiros cresceram 14% no ano passado e fizeram do Brasil um dos principais emissores de turistas para o país do Oriente Médio.
O pastor Silas Malafaia aponta para uma parede de tijolos antigos com uma pequena abertura. "Olá, minha gente, estamos aqui no Jardim do Túmulo, em Jerusalém. O túmulo está vazio, Jesus ressuscitou, vivo ele está para todo sempre", diz.
Publicado nas redes sociais, o vídeo é uma propaganda: uma música eletrônica acompanha imagens do rio Jordão e do Jardim do Getsêmani, pontos históricos do cristianismo. "Caravana com o Pastor Silas Malafaia... Israel, Dubai, Jordânia. Parcelamento em 14 vezes."
Eventos como esse são cada vez mais comuns entre religiosos brasileiros, principalmente evangélicos. Como Silas Malafaia, outros pastores e líderes de congregações têm investido em viagens para Israel, por onde guiam fiéis a locais descritos na Bíblia.
Nessa semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez uma visita oficial a Israel. Não foi a primeira vez que Bolsonaro esteve na região: em 2016, apesar de se dizer católico, o então deputado federal foi batizado por um pastor evangélico nas águas do rio Jordão, um dos pontos obrigatórios nas caravanas religiosas de brasileiros.
Na época, o gesto de Bolsonaro foi visto com um aceno aos evangélicos - dois anos depois, ele foi eleito presidente com grande apoio desse setor.
Segundo o Ministério do Turismo israelense, 62,5 mil brasileiros visitaram o país no ano passado - 14% a mais do que em 2017, terceira alta seguida. Embora os números estejam distantes dos Estados Unidos (quase 890 mil americanos fizeram a viagem no ano passado), o Brasil é o país da América Latina que mais envia turistas a Israel.
Essa alta no fluxo fez a companhia aérea Latam inaugurar há alguns meses uma rota entre São Paulo e Tel Aviv, cujo foco principal é o turismo religioso de brasileiros com destino à Terra Santa.
O turismo de Israel tem se aquecido nos últimos anos. Proporcionalmente, o país recebe mais estrangeiros que o Brasil, se levarmos em conta o tamanho dos dois territórios.
Fundado em 1948, o país do Oriente Médio tem uma área 20,7 mil quilômetros quadrados - mais ou menos o tamanho de Sergipe - e recebeu 4,2 milhões de estrangeiros no ano passado, alta de 14% em relação a 2017. O Brasil tem uma área de 8,5 milhões de km² e recebeu cerca de 7 milhões de turistas.
Apesar de o país ter outras atrações, como praias e alta gastronomia, locais importantes para as três grandes religiões monoteístas - cristianismo, islamismo e judaísmo - atraem milhões de fiéis. Uma pesquisa do governo israelense mostrou que 61% dos turistas estrangeiros que desembarcaram no ano passado eram cristãos - outros 22% eram judeus e 1,8%, muçulmanos.
O mercado de caravanas
Só a operadora de turismo do empresário Ricaro Caro, a Terra Santa Viagens, faz cerca de 35 caravanas religiosas para Israel todos os anos. Segundo ele, para os próximos dois, sua empresa já tem 72 viagens programadas.
"Para nós, levar os peregrinos para Israel é uma missão de Deus", diz Caro, que há 12 anos mudou o foco de sua empresa para o turismo religioso. "Foi uma direção que Deus colocou na nossa vida", diz ele.
A empresária Rosana Maria Sancricca, da agência El Gibor, conta que pastores e igrejas costumam procurar sua operadora para realizar as caravanas. "O mercado tem crescido bastante, mas ainda existem empecilhos, como a alta do dólar", diz.
Nesse ano, sua agência fará sete viagens à Terra Santa, caravanas que ela começou a organizar um ano atrás. "Os clientes têm um poder aquisitivo maior, mas já vi gente vendendo carro e casa para pagar as despesas. Para muita gente, ir para Israel é um sonho", afirma.
Segundo operadores da área, as caravanas evangélicas custam a partir de U$ 3.600 (cerca R$ 14 mil). Mas há viagens mais caras, pois a classificação de hotéis e a presença de pastores famosos como guias costumam fazer o preço subir.
Em geral, as turmas têm de 35 a 45 pessoas, mas há algumas com mais de 100 - elas ficam até 25 dias no passeio. Por causa de escalas obrigatórias, as caravanas costumam parar em cidades como Roma, Paris ou Cairo. No caso do tour de Malafaia, organizado pela US Travel, os participantes irão passar por Dubai e pela Jordânia.
Guiados pelo famoso pastor da Associação Vitória em Cristo, os 150 peregrinos visitarão cenários pelos quais Jesus passou, segundo a Bíblia, como a Piscina de Betesda e a Fortaleza Antônia, palco de sua prisão e julgamento.
A caravana vai durar 11 dias e custará a partir de R$ 22 mil - o pacote inclui hotéis quatro estrelas, café da manhã, jantar, transporte e guia falando português.
Em entrevista à BBC News Brasil, Malafaia contou que organiza caravanas há 25 anos, época em que ele começou a despontar como um nome influente no meio evangélico. "Já levei mais 20 mil brasileiros para Israel", diz.
O pastor, que já foi 24 vezes ao país, participa de apenas uma viagem por ano, mas organiza outras sete. "Quem organiza sou eu. Com um pouquinho do prestígio que eu tenho no mundo evangélico, a turma me reconhece", explica.
A presença do pastor
Malafaia não é o único líder religioso influente no mercado de caravanas. Outros nomes famosos no meio também fazem viagens frequentes, como os pastores Renê da Terra Nova, Valdemiro Santiago (Mundial do Poder de Deus), Estevam Hernandes (Renascer em Cristo), Caio Fábio (Presbiteriana), Apóstolo Léo e a cantora gospel Ana Paula Valadão, do grupo Diante do Trono.
Operadores consultados pela BBC News Brasil disseram que, embora os casos sejam raros, algumas igrejas e pastores têm participação na venda dos tours. Há também casos de igrejas com suas próprias agências de turismo - a Universal do Reino de Deus, por exemplo, já teve uma operadora no setor.
Já Malafaia diz que, como contrapartida, recebe passagens para doar a amigos ou familiares. "As passagens que eu não uso são transformadas em recursos", explica. Ele diz que as caravanas em seu nome não têm qualquer participação da igreja que ele lidera, no Rio. "É uma coisa minha, que eu organizo. Não tem absolutamente nada a ver com a igreja."
Segundo Magno Paganelli, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), a ida costumeira de evangélicos brasileiros à Terra Santa começou nos anos 1950, mas se restringia a um número pequeno de pastores, principalmente da Assembleia de Deus.
"A igreja costumava bancar as viagens. Quando os pastores voltavam, faziam uma peregrinação por vários templos mostrando o que eles aprenderam em Israel e as fotos dos lugares históricos", diz Paganelli, cuja pesquisa de doutorado, defendida em 2018, foi sobre o crescimento do turismo evangélico a Israel nos últimos anos.
Segundo ele, o turismo de massa se fortaleceu apenas no final dos anos 1990 e início dos 2000, após a estabilização do real e o aumento da renda média dos brasileiros. "Nesse período, pastores carismáticos como Valdemiro Santiago, Estevam Hernandes e o próprio Malafaia começam a criar suas caravanas. Se o pastor tem mídia, se é conhecido, normalmente ele promove essas viagens", explica Paganelli.
'Morar em Israel'
A empresária Lizelane Nunes Lima, de 50 anos, fez sua primeira viagem a Israel em 2012. Evangélica da Igreja Presbiteriana Renovada, de Brasília, ela afirma que todo cristão deveria visitar os cenários por onde Jesus passou, segundo a Bíblia.
"É dever de todo cristão fazer essa perigrinação. Amo Israel de todas as formas, amo todos os lugares e as pessoas", diz.
Ela voltou outras duas vezes, mas como organizadora de sua própria caravana. "Consegui reunir 35 pessoas para ir. Contatamos uma operadora e fomos", conta.
Depois de duas viagens, a coordenadora de moda Marlene Fernandes Azevedo, de 48 anos, pretende voltar em breve. "Já fui para outros lugares, mas eu diria que a viagem dos sonhos foi para Israel, foi inesquecível. Você é privilegiada de passar por onde Jesus passou, você sente a presença de Jesus por ali", conta a fiel da Congregação Cristã do Brasil.
Lizlane pensa parecido, mas diz que, após sua última viagem, em 2017, começou a sonhar mais alto. "Eu me mudaria e moraria lá. Já estou com abstinência de Israel, preciso voltar", diz.
Colaborou Júlia Dias Carneiro