As crianças do espectro autista que têm no basquete um alívio para a pandemia
Com desafios extras para encontrar válvulas de escape para os filhos durante período de isolamento e de terapias interrompidas, pais de crianças no espectro autista em Maceió usam esporte para promover estímulo e conexão.
Os meninos batiam bola com uma mão e se apoiavam nos pais com a outra. As instrutoras repetiam o movimento um pouco mais à frente, sorrindo com alegria por debaixo da máscara.
Entre muitas mães e poucos pais, o basquete se tornou o alicerce para aqueles garotos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O objetivo fugia muito de acertar a cesta e marcar pontos, mas se tornava um elo ainda maior de confiança. Os circuitos, o trabalho de coordenação motora.
Os 50 minutos de aula às terças e quintas-feiras são o total inverso dos primeiros meses da pandemia, no início do ano passado. Sob as rígidas regras de isolamento e com preocupação ainda maior de contaminação, os pais haviam tido de se fechar em casa. Os filhos haviam perdido as válvulas de escape.
É o que conta Lourdes Máximo, mãe do Josimar Máximo. O filho, habituado a ir para a escola e a ter um acompanhamento multidisciplinar presencial, se viu trancado e reprimido. Regrediu o muito que havia alcançado antes.
"A criança autista funciona de um jeito diferente. Se ela aprende uma coisa e deixa de fazer, ela acaba esquecendo. Isso aconteceu com o Josimar, que era sempre tranquilo e voltou a ficar agitado. Ele gostava de tocar teclado, mas isso teve de parar porque faltou o repasse da verba, por exemplo. Só agora, quase um ano e meio depois, ele está voltando a fazer as atividades que fazia antes", conta Lourdes.
Os cerca de 20 atletas se reúnem no Ginásio do Serviço Social da Indústria (Sesi), em Maceió, Alagoas, como parte do Programa Sesi Pessoas com Deficiência (PSPCD), de forma gratuita. Os pais acompanham a atividade e participam junto, a pedido da equipe de instrutores.
Everton Filho, de 13 anos, se comunica a partir de gestos com os pais, Civanilda Lima e Everton Santos, que se revezam ou fazem juntos a atividade. Com um pouco de vergonha das fotografias, ele se esconde e continua comendo um iogurte.
A pandemia foi um grande problema para o menino. Até então, para acalmá-lo, o pai o levava para uma volta pela praia ou uma caminhada nas ruas da cidade de Marechal Deodoro, a 30km de Maceió. Mas ficou impossível fazer isso durante o ano de 2020.
"Eu tinha muito medo de que qualquer um de nós pegasse a doença. Para ele, infelizmente, custou bastante. Ele estava aprendendo a fazer muita coisa sozinho, como se vestir, e aí tudo mudou. Ele se estressou bastante porque não podia sair. Nós tínhamos uma rotina muito certeira, que era colocá-lo no carro quando ele estava angustiado e levá-lo para espairecer."
A fala foi interrompida porque Everton pedia que o pai o acompanhasse num trecho de circuito. Ao voltar, ele explicou a construção da confiança entre os dois.
"Quando você tem um filho autista, você vive por ele e toma muitas atitudes pensando no bem-estar dele. Desde o primeiro dia, eu soube que deveria cuidar dele com a minha vida. E isso se estende quando vejo outra criança autista. É um conhecimento que precisamos compartilhar para que a vida deles seja ainda mais confortável", complementou.
Ana Paula Tenório faz o mesmo em relação a Luiz Felipe. Professora, ela conta que os seus próprios horários hoje se adequam aos do filho. Se ele está na escola, ela consegue dar suas próprias aulas. Termina uma hora antes para ir buscá-lo. São os dois, sozinhos, para a vida, a natação, o basquete, a terapia…
"Às vezes, acontece muito de a mãe cuidar do filho quase sozinha. É um amor que dura para sempre, incapaz de abandonar ou de deixar sofrer. No ano passado, o Lipe, ao ficar em isolamento, ficava correndo a nossa casa inteira para tentar acabar com a energia. Dormia muito pouco também. Às vezes até uma melhora no sono já é uma conquista para eles", explicou.
Basquete como aliado
O basquete foi a maneira encontrada pelo uruguaio Pablo Lucini, professor do Sesi, para adequar as necessidades dos garotos, a confiança dos pais e a melhora da qualidade de vida. Hoje com 57 anos, 33 dedicados ao trabalho com pessoas portadoras de deficiência, ele conta que a paixão nasceu do acaso.
"Acho que é uma dessas coisas pelas quais nos apaixonamos. Existe coisa melhor do que saber que estamos propiciando condições de vida melhores para alguém? Eu fico feliz toda vez que me dizem que o filho está socializando mais, dormindo melhor. É um legado bonito para se construir. O basquete sempre foi o meu esporte principal para esse tipo de trabalho e vejo que ele pode ser adaptado a qualquer necessidade", contou.
Pablo sabe o nome de todos os pais e dos seus filhos, e interage sempre. É costumeiro vê-lo tentando dar suporte às famílias durante os treinos.
Os quatro pais ouvidos pela reportagem falam em uníssono dos benefícios da atividade física no dia-a-dia dos garotos. E, mesmo que seja de graça, ainda enfrentam algumas dificuldades para que os filhos possam participar todas as vezes.
Civanilda relembra que já deixou de levar o filho ao basquete por não ter condições de pagar o transporte. Everton bate na mesma tecla: os remédios são caros, a gasolina subiu de preço e tudo é longe. Ana Paula lembra que faz tudo praticamente sozinha. Lourdes também lamenta que alguns lugares não aceitam mais garotos que passam dos 14 anos — "Mas por quê, se eles não deixam de ser autistas quando chegam a essa idade?".
O TEA é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento que se manifesta nos primeiros anos de vida da criança, explica a professora doutora em Educação Especial e pesquisadora na área de Análise do Comportamento Aplicada (ABA) aplicada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), Daniela Ribeiro.
Ele é caracterizado por dificuldades na comunicação e na interação social e pela presença de comportamentos repetitivos e interesses restritos.
A gravidade das dificuldades na comunicação e na interação social e a intensidade dos comportamentos repetitivos e dos interesses restritos podem variar bastante. Dependendo da gravidade, a pessoa será mais ou menos dependente da ajuda de outras pessoas. O quanto a pessoa depende de outras pessoas ou necessita de suporte determina os graus ou níveis do TEA, que são: leve, moderado ou severo.
"O principal fator que contribuiu para esse estresse adicional [na pandemia] foi a quebra de rotina, uma vez que muitas pessoas tiveram suas terapias interrompidas. Considerando que uma das características do TEA é a presença de interesses restritos, as mudanças de rotina costumam ser bastante desafiadoras e gerar bastante ansiedade, principalmente, quando acontecem de maneira repentina", diz Daniela, que é professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Ela adiciona, ainda, que o diagnóstico do TEA é um desafio para muitos profissionais, uma vez que não existe um exame para diagnosticar o transtorno. Ou seja, é realizado por meio de observação clínica e da análise do histórico do desenvolvimento da pessoa.
O profissional deve verificar a presença dos sinais descritos na quinta edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais). É possível que exames sejam solicitados para investigar as causas e doenças associadas.
"Existem diversos tratamentos para pessoas com TEA. No entanto, as terapias com maior evidência são as baseadas na ciência Análise do Comportamento Aplicada. Elas têm como objetivo principal ensinar novos comportamentos e reduzir comportamentos que interferem na aprendizagem ou representam risco para a própria pessoa ou para outras pessoas. É muito importante que essas terapias tenham início assim que os sinais de TEA são percebidos".
Daniela salienta que atividades físicas, tanto os esportes quanto atividades recreativas, têm demonstrado efeitos positivos no desenvolvimento de habilidades motoras, de comunicação e de interação social de crianças e jovens com TEA.