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As diferenças culturais na visão de um refugiado sírio no Brasil

10 nov 2015 - 16h22
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Abdulbaset Jarour, sírio de 25 anos, foi conhecer uma balada na boêmia rua Augusta, na região central de São Paulo. Adorou o espaço, mas, desprevenido, ficou chocado ao ver uma moça beijar dois rapazes em questão de minutos.

E queixou-se, escandalizado, ao amigo e professor Silvio Cavalcante, que o havia levado ao local.

O jovem, que vive no Brasil desde fevereiro do ano passado, é um dos milhares de refugiados da violenta guerra civil em curso na Síria, origem de uma crise migratória sem precedentes na Europa.

Ex-combatente, Abdo, como também é chamado, foi ferido em um bombardeio que deixou sequelas em uma perna. Perdeu casa, trabalho, parentes e teve mais de cem amigos mortos no conflito.

Viu sua família ser separada e, de longe, mantém contato com a irmã, Gharam, que recentemente embarcou com os três filhos, com idades entre 9 e 14 anos, na perigosa travessia pelo mar Mediterrâneo da Turquia para a Europa.

Enquanto isso, o sírio procura se adaptar, com bom humor, ao cotidiano da maior cidade do país. A BBC Brasil conversou com Abdo e seus amigos brasileiros sobre as principais dificuldades que ele tem enfrentado.

Brasil não fala inglês

Ao obter refúgio no Brasil, o sírio pensou que encontraria uma cidade com natureza exuberante, transporte a cavalo e economia movida pela pesca e pelo futebol de Ronaldo, Roberto Carlos e Rivaldo, craques que admirava. E, por causa dos Estados Unidos da América, imaginava que o inglês seria a língua principal.

Deparou-se, em vez disso, com uma São Paulo de inúmeros prédios e carros e com poucos sinais de pessoas jogando futebol nas ruas. E falando português, o que logo se impôs como um grande desafio.

Quando seu dinheiro acabou, Abdo passou a consertar celulares na loja de um libanês na avenida Paulista – na Síria, o jovem era dono de um estabelecimento semelhante.

Tudo melhorou após ele conhecer Cavalcante em um supermercado e ser apresentado por ele à professora Valdívia Oliveira. Com salário atrasado e sem ter como pagar o aluguel em Santo Amaro, na zona sul paulistana, foi acolhido na casa dela, no extremo leste da cidade.

Desde então, seu português deslanchou. "Ele fala até 'inconstitucionalissimamente'", elogia o amigo professor. Na conversa com a BBC Brasil, acertou "paralelepípedo" de primeira.

Abismo cultural

"Apesar de a maioria das pessoas pensar que a grande dificuldade em lidar com refugiados é a língua, percebo que as barreiras culturais são tão complicadas quanto a linguagem", diz Valdívia sobre a convivência com o jovem sírio.

"No domingo ele me perguntou: 'Você faz um favor para mim'? Quando respondi 'depende', ele ficou muito chateado", conta ela. A explicação: "Como eu moro aqui, ela é muito minha amiga e cuida de mim, não pode falar 'depende'. Tem que fazer o que eu peço", explica Abdo.

As barreiras culturais citadas pela professora, e confirmadas pelo próprio rapaz, se revelam diariamente, mesmo nas atividades mais comuns. Ele não gostou muito, por exemplo, do que viu ao ser levado para assistir a um monólogo teatral.

"No meu país também tem", disse a Cavalcante, antes de apontar para o palco, contrariado. "Mas com muito mais gente em cima daquele negócio."

Até as experiências aprovadas pelo sírio trazem surpresas. Um dia, ele se entregou, feliz, à euforia de uma multidão nas ruas. Para seu espanto, porém, descobriu depois que, em vez de uma festa popular, participara de uma manifestação contra a presidente Dilma Rousseff.

Curioso, quis saber de Valdívia por que os policiais só haviam observado aquele ato político. "Ele achou interessante porque na Síria os protestos (contra o governo) são reprimidos com violência", conta a amiga.

Apuros

Abdo também quase entrou em apuros algumas vezes.

Na estação de metrô Artur Alvim, na zona leste, Abdo certa vez utilizou seus conhecimentos militares para imobilizar um rapaz que acabara de roubar a bolsa de uma mulher.

Minutos depois, porém, viu o mesmo criminoso entrar pela porta de trás do ônibus que pegou. "Achei que ele ia me matar. Olhei feio para o ladrão, que só balançou a cabeça para os lados e desceu alguns pontos depois", lembra.

Outro dia, reclamou com o motorista ao ver uma moça sentada no chão do ônibus enquanto um homem ocupava um banco: "Diga para ele se levantar para ela sentar". Levou uma bronca do condutor: "Fica quieto para esse rapaz não brigar com você".

Na mesa de cabeceira do jovem, que é sunita, estão a Bíblia e o Alcorão. Ele diz estranhar costumes brasileiros: "No metrô, no teatro, no shopping, os casais se beijam e parece que o homem vai comer a cabeça da mulher", diz. "É um problema para mim. Aqui é outra cultura, outra cabeça, outro olhar, outro tudo."

A gastronomia pode trazer algumas complicações. Ele chegou a sair de casa para trocar uma pizza de frango que havia vindo com um pedaço minúsculo de linguiça.

O rapaz não come carne de porco, não só por ser muçulmano. "Na Síria, pouca gente come. Sempre nos ensinaram que faz nascer um bichão grande que vai até a cabeça."

Drama

Embora leve tudo no bom humor, não faltam problemas para o jovem sírio. Desempregado, ele sente muitas dores no joelho afetado pelo bombardeio em Damasco e espera por uma consulta para marcar uma cirurgia no SUS. Sofre ainda de uma hepatite causada pelo excesso de remédios, doença que exige dieta e repouso.

Ele também acompanha à distância a saga de sua irmã, que antes de fazer a travessia à Europa estava sem dinheiro para pagar o aluguel e ameaçada de ir parar nas ruas de Istambul. Gharam chegou a ser presa, mas foi liberada pela polícia turca.

No final, um alívio. Com a ajuda de outros refugiados sírios, ela e os filhos conseguiram embarcar para a Grécia e chegaram à Croácia. Eles estão temporariamente na casa de uma canadense na Áustria.

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