O que diz o texto-base do arcabouço fiscal aprovado na Câmara
Proposta ainda vai passar pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial. Novas regras fixam limites para o crescimento de gastos públicos e prometem cenário de maior estabilidade econômica.A Câmara aprovou na noite desta terça-feira (23/05) o texto-base do novo arcabouço fiscal, conjunto de regras que organiza os gastos públicos, por 372 votos a 108.
A votação expressiva é uma vitória para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que precisava de 257 votos (50% da Câmara mais um voto) para aprovar a medida.
A proposta, que sofreu algumas alterações em seu conteúdo durante a tramitação na Câmara, visa garantir investimentos mínimos do governo federal por meio de um piso de despesas, mas também impõe limites às contas públicas. Foi concebida como alternativa ao teto de gastos, criado em 2016 sob o governo de Michel Temer (MDB) e que limita, por 20 anos, o crescimento dos gastos da União ao nível da inflação do ano anterior.
O que acontece agora?
A entrada em vigor das novas regras depende da votação na Câmara de mudanças adicionais no texto, o que deve ocorrer nesta quarta-feira, e da aprovação no Senado - aqui, é necessária a anuência de ao menos 41 dos 81 senadores.
Caso o Senado não modifique a proposta, o projeto segue para sanção presidencial. Do contrário, o texto retorna à Câmara, onde será apreciado em caráter definitivo, cabendo aos deputados, neste caso, aprovar as modificações ou rejeitá-las e restituir a primeira versão originalmente aprovada na Câmara, encaminhando-a em seguida ao presidente da República.
O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para decidir entre a sanção total ou parcial do projeto, ou por vetá-lo totalmente. Vetos presidenciais também estão sujeitos à validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).
Os limites de controle de gastos públicos aprovados na Câmara
Se a arrecadação do governo crescer, o crescimento dos gastos públicos fica limitado a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior. Já em caso de arrecadação fraca, o crescimento das despesas fica limitado a 50% da variação da arrecadação.
O crescimento real das despesas (já descontada a inflação), porém, terá que obedecer a um piso mínimo de 0,6% e teto máximo de 2,5%.
Quer dizer: mesmo que a arrecadação cresça muito, as despesas só poderão aumentar em até 2,5% - o texto aprovado na Câmara, contudo, abre uma exceção ao autorizar o governo a eventualmente extrapolar esse teto em 2024 e compensar uma eventual expansão dos gastos públicos em 2025.
Por outro lado, num cenário de estagnação econômica, o governo poderá elevar os gastos públicos em 0,6% mesmo que não tenha aumentado suas receitas.
A proposta fixa ainda metas para o resultado primário das contas públicas - em outras palavras, a diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, sem contar o pagamento de juros da dívida.
Quando o saldo das contas públicas fica no vermelho, fala-se em déficit; já quando sobra dinheiro para pagar os juros da dívida pública, freando seu crescimento, fala-se em superávit primário.
Metas fiscais
Para este ano de 2023, a meta é conter o déficit da União a 0,5% do PIB - o Banco Central tem projetado -1,1% -, zerá-lo em 2024 e, nos dois anos seguintes, atingir um superávit primário de 0,5% e 1% do PIB, respectivamente.
Essas metas fiscais poderão variar dentro de uma faixa de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou para menos.
O texto prevê ainda uma série de mecanismos de contenção de despesas em caso de descumprimento das metas, como a proibição de concursos públicos e reajustes salariais a servidores, bem como a criação de despesas obrigatórias e reajustes acima da inflação em despesas obrigatórias já existentes - a exceção é o salário mínimo, isento dessas regras a pedido do presidente Lula.
Além disso, o governo fica obrigado a contingenciar despesas num cenário de ameaça ao cumprimento das metas fiscais.
Piso da enfermagem e recursos para Educação sujeitos às novas regras
Contrariando a proposta original do governo, os deputados incluíram na lista de despesas atingidas pelo arcabouço fiscal o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), bem como despesas com aportes em estatais não dependentes (que usam receitas próprias para bancar despesas operacionais) e subsídios federais que garantem o pagamento do piso salarial da enfermagem.
Em caso de descumprimento das metas, beneficiários do Bolsa Família também não poderão ter seus benefícios reajustados além da inflação.
Na prática, isso significa que essas políticas disputarão espaço no Orçamento com outros programas. Graças a uma emenda constitucional de 2020, porém, a União continua obrigada a elevar seus repasses ao Fundeb até que sua parcela cubra 23% dos recursos do fundo, em 2026.
Para que serve o arcabouço fiscal?
A ideia é permitir aumento real dos gastos públicos, para além da inflação, mas num ritmo de expansão mais lento que o crescimento das receitas, de modo a reduzir o déficit e estabilizar a dívida. Com isso, o governo brasileiro ganha credibilidade frente a seus credores, abrindo margem para taxas de juros menores.
O objetivo é tornar o ambiente econômico mais previsível e estável, incentivando investimentos e a expansão de negócios. Além da dívida, o novo arcabouço fiscal deve impactar, por exemplo, a inflação, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a realização de políticas públicas - com as finanças em ordem, o governo terá mais recursos à disposição para investir em áreas importantes.
É possível aumentar a arrecadação?
Em abril, falando a jornalistas após entregar o texto ao Congresso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu a reforma tributária e a redução de renúncias fiscais - quando o governo, numa tentativa de estimular a economia, abre mão de impostos que arrecadaria do empresariado.
Segundo Haddad, por causa das renúncias fiscais, o governo deixa de arrecadar R$ 600 bilhões. "Nós estamos querendo rever um quarto dessa renúncia para garantir a sustentabilidade fiscal do país", declarou na ocasião.
"Cada renúncia fiscal indevida é uma pessoa a mais passando fome, é uma pessoa sem creche, é uma pessoa sem médico, é uma pessoa sem medicamento no posto de saúde. É isso que nós não queremos continuar assistindo".
ra (ots)