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As possíveis implicações jurídicas das acusações de Moro contra Bolsonaro

Relato do agora ex-ministro da Justiça descreve ações do presidente que poderiam ser qualificadas como crimes, segundo professores de direito Penal; OAB fará relatório sobre possíveis crimes cometidos

24 abr 2020 - 16h05
(atualizado às 18h27)
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Criminalistas dizem que acusações de Moro abrem espaço para discussão sobre crime de responsabilidade
Criminalistas dizem que acusações de Moro abrem espaço para discussão sobre crime de responsabilidade
Foto: Adriano Machado/Reuters / BBC News Brasil

No discurso em que anunciou sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nesta sexta-feira (24/04), Sergio Moro fez uma série de relatos sobre atitudes que Bolsonaro teria tido que, se comprovadas, podem configurar tanto crimes comuns como crimes de responsabilidade, segundo juristas.

As declarações foram consideradas "muito graves" pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que está fazendo um estudo detalhado do pronunciamento e de suas implicações jurídicas, inclusive de possíveis crimes, segundo o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz.

A BBC News Brasil conversou com criminalistas para explicar quais seriam as possíveis implicações das acusações de Moro contra Bolsonaro - e quais crimes o presidente poderia ter cometido.

Bolsonaro ainda não comentou as declarações de Moro, mas anunciou um pronunciamento para as 17h da sexta-feira em que prometeu "restabelecer a verdade" sobre a situação.

Interferência na Polícia Federal

Moro acusou Bolsonaro de fazer uma interferência política na Polícia Federal com substituição do diretor-geral Maurício Valeixo, que seria motivada, entre outras coisas, por uma preocupação com a tramitação de inquéritos no STF.

"Ontem (quinta), conversei e houve insistência do presidente (sobre a troca do diretor da PF). Falei que seria interferência política e ele disse que seria mesmo", disse Moro.

"O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no STF e que a troca também seria oportuna por este motivo. Também não é razão que justifique a troca. Gera uma grande preocupação", falou o ex-ministro.

Se comprovadas, essas atitudes podem caracterizar crimes diferentes dependendo das circunstâncias, explica Gustavo Badaró, professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo). Para definir quais exatamente, seria preciso uma investigação.

"Moro não deu detalhes em seu discursos, sua declaração é cheia de lacunas, ainda há bastante espaço para discussão sobre quais crimes seriam, mas estamos no campo dos crimes contra a administração pública", explica Maurício Dieter, professor de criminologia crítica da USP. "Uma coisa é certa: é preciso apurar os fatos."

Um dos possíveis crimes, segundo Badaró e Dieter, poderia ser o de prevaricação, quando um agente público deixa de praticar ou pratica, contra disposição expressa de lei, um ato de ofício "para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".

Ou seja, se Bolsonaro de fato interferiu na Polícia Federal com o objetivo de satisfazer um interesse pessoal (como interferir nas investigações sobre seus filhos, por exemplo), ele poderia estar praticando prevaricação.

Já segundo a interpretação do professor Rogério Cury, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a hipótese mais forte seria o crime de advocacia administrativa, quando alguém "patrocina, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário".

Na interpretação de Cury, esse crime seria, em tese, o praticado por Bolsonaro, segundo relato de Moro, porque a nomeação do diretor da Polícia Federal era uma competência do ministro, na qual Bolsonaro teria interferido — ou seja, Bolsonaro teria tentado influir no ato praticado por outro agente público, não tentado obter vantagem com um ato cometido por ele mesmo.

Outras hipóteses levantadas pelos criminalistas são os crimes de tráfico de influência e de atrapalhar uma investigação sobre crime organizado.

"Se ele queria atrapalhar uma investigação sobre o crime organizado, pode configurar crime de atrapalhar a investigação, um crime que existe na lei sobre crime organizado", explica Badaró.

No ano passado, veio a público que parentes de suspeitos de integrar a milícia de Rio das Pedras, no Rio, trabalharam no gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro do hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido) - ex-integrantes do gabinete também eram alvo de investigação por suposto esquema de "rachadinha" com os salários de funcionários.

Tentativa de obter relatórios

Em seu discurso, Moro afirmou que Bolsonaro manifestou a intenção de obter relatórios e informações de inteligência da Polícia Federal.

"O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência, seja diretor, superintendente, e realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação", afirmou Moro.

Mesmo como presidente da República, Bolsonaro não pode ter acesso a documentos relativos às investigações, explicam os professores de direito.

"O presidente da República tem ascendência hierárquica sobre Moro e a PF, mas isso não significa que tenha ascendência funcional ou poder de interferência no conteúdo do trabalho", explica Badaró.

Ou seja, Bolsonaro pode estar acima, hierarquicamente, tanto do Ministro da Justiça quanto da Polícia Federal, mas não pode ditar a forma como a polícia trabalha, afirma Rogério Cury.

"As investigações têm de ser preservadas. Imagina se na Lava Jato, um ministro ou então a presidente Dilma ou o ex-presidente (Lula) ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações", disse Moro em seu discurso.

Apesar da popularidade, Moro constantemente nega ter pretensão de disputar a eleição presidencial
Apesar da popularidade, Moro constantemente nega ter pretensão de disputar a eleição presidencial
Foto: Rahel Patrasso/Reuters / BBC News Brasil

Para os criminalistas, essa tentativa de obter relatórios da PF, como relatada por Moro, também poderia configurar os mesmos crimes que a mudança na direção da PF feita pelo presidente.

Quando descreve ações que poderiam caracterizar os diversos crimes levantados pelos criminalistas, "Moro sai apontando, quase provocando, uma investigação ou acusação criminal contra Bolsonaro", afirma Dieter.

Uso indevido da assinatura de Moro

Moro disse, em seu discurso, que foi surpreendido pela exoneração de Valeixo no Diário Oficial — o documento foi publicado com a assinatura eletrônica de Moro, que diz não ter tido conhecimento do conteúdo antes da publicação.

Além disso, segundo relato do ex-ministro, o texto não estaria correto: o documento diz que Valeixo foi exonerado a pedido dele próprio, o que, segundo Moro, não ocorreu.

"Fui surpreendido. Achei que foi ofensivo. Não houve exoneração a pedido", disse o ex-ministro.

Esses supostos atos do presidente — usar uma assinatura digital do ministro sem sua autorização e incluir uma informação falsa em documento publicado no Diário Oficial — poderiam configurar crime de falsidade ideológica, segundo os criminalistas.

Falsidade ideológica, diz o Código Penal, é "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante".

Maurício Dieter levanta a possibilidade Bolsonaro ter cometido um segundo crime, de falsificação de documento público, definido como "falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro".

Tudo isso precisaria ser esclarecido por uma investigação e depende também da interpretação do Ministério Público, responsável por apresentar processos criminais à Justiça.

Do ponto de vista criminal, uma investigação e um processo sobre os supostos crimes comuns que Bolsonaro teria cometido no exercício do mandato precisariam ser aprovados pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de uma denúncia feita pelo procurador-geral da República, que atualmente é Augusto Aras -- nomeado por Bolsonaro no ano passado.

Caso isso ocorra e o STF aceite a denúncia, o presidente fica suspenso do cargo por até 180 dias enquanto é realizado o julgamento. Se for condenado, ele perde o cargo, da mesma forma que ocorre ao fim de um processo de impeachment.

Crimes de responsabilidade

Além da possibilidade de Bolsonaro ter cometido crimes comuns, segundo o relato de Moro, há também a possibilidade de ter cometido crime de responsabilidade, pelo qual poderia ser investigado e sofrer um impeachment.

"(As ações) deixam aberta a porta para caracterização de crime de responsabilidade, primeiro passo para um processo de impeachment", afirma Dieter.

"Se comprovado que ele agiu de modo incompatível com a dignidade, com a honra, e com o decoro do cargo, ele poderia ter praticado um crime de responsabilidade", afirma Cury.

A opinião é compartilhada por Badaró, para quem também é possível discutir a hipótese de crime de responsabilidade.

Dieter explica que a lei sobre crime de responsabilidade é muito vaga e aberta a interpretações, o que torna difícil fazer afirmações mais contundentes sobre se os supostos atos de Bolsonaro seriam ou não considerados crimes de responsabilidade.

"A lei dos crimes de responsabilidade tem toda uma história hermenêutica (um histórico de interpretações diferentes). Para caracterizar as pedaladas fiscais como crime de responsabilidade (que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff), por exemplo, foi feita toda uma ginástica interpretativa", afirma Dieter.

Além disso, em última instância, a abertura de impeachment é um processo mais político que jurídico, e depende do quanto apoio o presidente tem no Congresso.

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